Um carro, um proprietário, vários passageiros. Com a proliferação da Internet e do acesso democratizado às aplicações móveis, o carpooling – a partilha de um carro por vários passageiros – tem ganho tracção um pouco por todo o mundo. Entre os nomes mais sonantes está a francesa Blablacar, que tem crescido à média de 1,5 milhões de utilizadores inscritos a cada mês, contando anualmente com 15 milhões de pessoas em trânsito, em viagens médias de 310 km.
A ideia subjacente ao carpooling é reduzir a factura do condutor, mas sem permitir lucro no final para este. Entre todos os passageiros há redução do preço da viagem relativamente a uma viagem solitária no seu próprio carro e, se forem adeptos do “blá blá”, um fórum sobre quatro rodas para trocarem ideias. Contudo, porque conversar pode ser abnóxio para uns e obnóxio para outros, o utilizador tem disponível uma função para explicar o quão falador quer ser na viagem.
A estratégia de crescimento da empresa, desenhada pelos três fundadores da Blablacar, passou pela aquisição e posterior contratação (arqui-contratação) de players com o mesmo propósito que a Blablacar em diferentes mercados.
Hoje, mais de 50% dos novos utilizadores do unicórnio das boleias provém da aqui-contratação, o que é revelador de “melhores práticas, independentemente do país: encontrar grande talento, manter a grande cultura e comunicar claramente valores fortes a cada equipa local”, refere Philippe Botteri, responsável da Accel, um dos maiores fundos de capital de risco do mundo e investidor na Blablacar.
A vantagem da estratégia de adquirir posições em empresas e manter a liderança em funções está documentada na fortuna de Warren Buffett, o oráculo da religião do “acqui-hiring”. Foi seguindo este propósito que a Berkshire Hathaway se tornou actualmente num gigante de mais de 200 mil milhões de euros e altamente rentável para os seus investidores, que desde 1965 contabilizam ganhos médios de 19%, por ano.
Entre as empresas de carpooling disponíveis na Europa, a Blablacar aproveitou as congéneres de outros países, já instaladas e com caminho desbravado nessas geografias. Primeiro foi necessário captar o interesse e os 10 milhões de euros dos investidores, em 2010, capítulo onde a Accel e outros investidores se juntaram aos três fundadores. O ganho de escala a nível europeu era primordial.
A velocidade a escalar seria proporcional à rapidez de conquista dos mercados, consideraram Nicolas, Frédéric Mazzella e Francis Nappez. O resultado está à vista: até ao momento já obtiveram cerca de 280 milhões de euros em cinco rondas de investimento, e actualmente a empresa está avaliada em cerca de 1,3 mil milhões de euros.
A soma de todos os males
A Blablacar começou a materializar-se quando Frédéric Mazzella se cruzou com o carpool na Califórnia, onde esteve três anos a trabalhar na NASA, na década de 1990. Ali viu o potencial das “carpool lanes”, faixas de rodagem específicas para carros com passageiros que partilhavam a viagem. Já em França, no Natal de 2003, não conseguiu lugar num comboio para chegar a casa, e teve de se socorrer da irmã, que conduziu umas centenas de quilómetros para o apanhar em Paris.
Aquele momento era, na realidade, um presente do destino, já que na viagem percebeu, pelos carros apenas com um condutor com que se cruzava, que se havia procura, a oferta estava por organizar.
Com as suas poupanças e um empréstimo de 70 mil euros formou e manteve um site de partilha de viagens, que disparou em 2007, numa série de greves nos comboios franceses. Em 2009 surgiu a aplicação, com 600 mil euros de investidores. Um ano depois conseguiu mais 1,2 milhões de euros.
O azar de uns voltou a ser a sua sorte quando o impronunciável vulcão islandês Eyjafjallajökull expeliu a sua lava em Abril de 2010, bloqueou o tráfego aéreo no continente e fez disparar de novo as viagens na Blablacar. Em Janeiro de 2012 “choveram” os 10 milhões em que a Accel participou.
De 1 milhão de utilizadores em 2011, a start-up expandiu para 60 milhões em Dezembro último. A geração “25 de Abril” é muito provavelmente a última a recordar-se dos tempos em que era habitual pedir ou dar uma boleia, e até havia quem fizesse férias ou viajasse longas distâncias deste modo. O medo venceu o conceito. Com a tecnologia, a segurança sai reforçada, ao permitir avaliar condutores pela sua condução, e também pela vertente comportamental.
É, inclusive, possível seleccionar uma viagem só com mulheres. Nicolas assume a existência de incidentes “no passado”, mas a margem para tal vai-se reduzindo com as ferramentas de identificação de cada utilizador: ligação da conta ao telemóvel e informação do cartão de crédito e conta bancária do utilizador. Em alguns países, e em breve em Portugal, há verificação de identidade através das fotos dos viajantes.
“Sempre que há mau comportamento, banimos o membro”, afiança. O que já aconteceu com “vários”, sobretudo por questões como condução demasiado veloz.
“Somos muito vigilantes e super cuidadosos. É a nossa marca e o nosso serviço, construímos a marca em confiança e segurança e não queremos problemas”, diz.
Compras crescentes
Em 90% das aquisições de Blablacar, o racional foi “puramente o empreendedor, não tanto nos dados e números do negócio”, explica Nicolas à FORBES. Para o exemplificar, fala da PostoinAuto.it, empresa italiana que a Blablacar adquiriu em Março de 2012, quando esta tinha apenas dois anos.
“Era muito pequena, e o Olivier [Bremer, fundador] era um rock star. Na Ucrânia, o Aleksey [Lazorenko, fundador da Podorozhniki, start-up fundada em 2012 e vendida à Blablacar em 2014] era muito inteligente, os KPI [indicador chave de desempenho] e os números de utilizadores eram super pequenos. Quando comprámos a companhia na Ucrânia havia cerca de 30 mil membros, agora temos mais de 10 milhões na Rússia e na Ucrânia. Do crescimento, 99,9% foi com a marca e produto Blablacar, mas com a liderança dele”, frisa Nicolas.
A “adopção” de Olivier e Aleksey e das respectivas equipas pela Blablacar é central na estratégia desta invasão francesa nos mercados europeus. Isso mesmo defende o responsável da Accel, que também procura proporcionar oportunidades de crescimento à empresa francesa.
Foi isso que fez quando apresentou o fundador da Postoinauto aos fundadores da Blablacar, para que estes o convencessem a deixar fundir a start-up italiana na Blablacar. Assim aconteceu ao fim de dois meses, sob a marca gaulesa e, dali, Olivier, criado em Itália, mas filho de pais suíço e alemão, prosseguiu com a instalação da Blablacar na Alemanha – entretanto, os franceses adquiriram a Carpooling, de Munique, que desde 2001 fornecia um canal on-line para organizar boleias entre os alemães.
“Quando adquirimos estas companhias, não se tratou apenas de comprar a companhia, mas sim ter o empreendedor e a equipa para que fizessem parte da Blablacar”, diz-nos Nicolas.
Philippe releva as palavras de Olivier Bremer quando este diz ter sido empoderado para continuar a fazer o que vinha fazendo, “mas com um orçamento muito maior e o apoio de uma equipa que partilhava a minha paixão”. A comunhão de valores e a adaptabilidade da sua companhia com a Blablacar também foram destacados pelo suíço. À FORBES, Nicolas diz que crescer deste modo “é a maneira mais rápida e segura” para se tornar global.
“Quando não se sabe nada sobre um país, encontrar a pessoa certa é muito difícil, vamos fazer erros. Se tiver um empreendedor apaixonado a fazer mais ou menos o que fazemos, com paixão, jeito e energia. Não tem preço!”
Concorrênciados solitários
Até ao momento, a empresa já contabiliza oito aquisições de empresas. E em todas estas operações, o processo é o mesmo: em vez de despender dinheiro, é oferecido aos “comprados” uma participação na Blablacar, diz Nicolas.
“Quando temos empreendedores inteligentes a tentar fazer o que nós fazemos num país, temos duas opções: competir ou tentar colaborar”, resume.
Nas condições para o sucesso das suas acqui-contratações, Frédéric, presidente não-executivo da Blablacar, aponta a disponibilização da plataforma tecnológica, da marca forte, do serviço de apoio ao cliente e de um produto robusto e comprovado.
Para quem vende, é como um levantamento de capital para expandir mais rapidamente o negócio, considera. “Não há muitas companhias a fazer em escala o que nós fazemos”, diz Nicolas à FORBES. Na Alemanha havia a mitfahrgelegenheit.de [detida, tal como a mitfahrzentrale.de, pela Carpooling], que comprámos, mas nos outros países não vejo concorrentes directos. Competição a longo termo é as pessoas não partilharem o carro e é atrás disso que vamos”, atira Nicolas.
A forma como a Blablacar está a cerzir o mercado europeu lembra os mapas de guerra, país a país. Depois de ter entrado em Espanha, Portugal foi o passo óbvio, considera Nicolas. Ainda a plataforma portuguesa não tinha sido lançada e já havia utilizadores a viajar entre o país e França utilizando a espanhola ou a francesa. “Passámos quatro ou cinco anos a expandir.
O foco da Blablacar foi: ‘temos algo que parece funcionar muito bem em França, por isso faremos isso em Espanha, Alemanha’… fizemo-lo em 22 países”, destaca Nicolas. Em 2016, os três fundadores pararam para repensar o caminho. “Tornou-se muito óbvio que não era colocar uma nova bandeira num novo país”, afirma.
Os investidores gostavam do que viam. “Sempre que fomos ao mercado houve um apetite muito forte, porque as pessoas percebem o potencial da Blablacar”, explica Nicolas.
“Não há outra companhia a fazer em grande escala o que nós fazemos”, defende.
Novos levantamentos de capital, depois dos 140 milhões conseguidos em 2014, não estão na forja, nem a incorporação numa companhia maior. “Não estou à procura da porta de saída, não acordo de manhã a pensar nisso. Planeamos e desejamos ficar como ‘stand alone’. Mas espero que um dia possamos fazer uma IPO [lançamento em Bolsa] da companhia e continuar independentes”, confessa Nicolas.