Sempre que há mudança de tecnologia, ou uma revolução tecnológica, as indústrias abalam. Aconteceu inúmeras vezes na história da humanidade, desde a máquina a vapor, à eletrificação, e mais recentemente na passagem do analógico ao digital. Muitas marcas analógicas não conseguiram assegura com sucesso esta transição e perderam terreno. Algumas até desapareceram.
A mudança de tecnologia é também um dos fatores que está a ter impacto na indústria automóvel a nível mundial. E, se por um lado, a Tesla, marca norte-americana de automóveis elétricos – transformou o seu fundador, Elon Musk, no homem mais rico do mundo – que ultrapassou já a fasquia dos 600 mil milhões de dólares (cerca de 511 mil milhões de euros), por outro, a indústria automóvel atravessa um momento desafiante.
Hoje, a Comissão Europeia anunciou ter abandonado a meta de ter a circular apenas automóveis elétricos ou a hidrogénio até 2035. Desceu a fasquia para os 90% das emissões de gases poluentes. O Pacote Automóvel agora lançado tenta flexibilizar a indústria europeia, que está mergulhada em dificuldades. Pretende simplificar as regras e oferecer à indústria mais flexibilidade para atingir as metas de dióxido de carbono e apoio à produção de veículos elétricos e baterias no espaço europeu.
Foi também hoje que a Volkswagen encerrou, pela primeira vez em 88 anos de existência, uma unidade de produção na Alemanha, a fábrica de Dresden. Para os analistas da plataforma de investimento online. XTB, “Mais do que um evento isolado, este encerramento deve ser interpretado como o culminar de várias pressões estruturais que se têm intensificado nos últimos anos: custos energéticos elevados, transição acelerada para a eletrificação, concorrência crescente da China e, mais recentemente, um ambiente comercial internacional cada vez mais hostil, marcado por tarifas e tensões geopolíticas”.
O encerramento de uma fábrica deixa de ser apenas uma decisão operacional e passa a ser uma decisão estratégica: concentrar a produção onde o retorno sobre o capital é mais elevado e onde o enquadramento político e económico é mais previsível”, dizem os analistas da XTB.
A análise refere ainda que nem mesmo os alemães estão imunes aos choques externos. “A Alemanha, tradicionalmente vista como o coração industrial da Europa, começa a perder parte da sua atratividade relativa enquanto base produtiva para o setor automóvel”, pode ler-se no documento enviado às redações. A marca tem enfrentado um aumento significativo dos custos de produção na Alemanha, sobretudo com o preço da energia, mais elevado do que nos Estados Unidos ou em algumas partes da Ásia, tal como os custos laborais, que são os mais altos da Europa. Além disso, enfrenta ainda a questão da regulação ambiental e social, que é cada vez mais exigente. A Volkswagen necessita libertar recursos para a transição para a mobilidade elétrica e para o desenvolvimento de software. Por outro lado, o ambiente internacional também não está a correr de feição. As tarifas impostas pelos Estados Unidos sobre automóveis europeus, bem como a retórica protecionista associada à política comercial americana, criam incerteza adicional para fabricantes como a Volkswagen, altamente dependentes das exportações.
Assim, os analistas do XTB afirmam que “O encerramento de uma fábrica deixa de ser apenas uma decisão operacional e passa a ser uma decisão estratégica: concentrar a produção onde o retorno sobre o capital é mais elevado e onde o enquadramento político e económico é mais previsível”. A XTB levanta ainda uma questão: “Para a Europa, o encerramento levanta questões mais profundas. Até que ponto o continente conseguirá manter uma base industrial forte num mundo cada vez mais fragmentado por tarifas, subsídios e políticas industriais agressivas? Esta tensão entre a performance de mercado e os desafios reais de competitividade é exatamente o que os investidores estarão a digerir à medida que calibram posições no sector automóvel europeu”.
Indústria deverá crescer apenas 1,2% em 2026
Foi também dado a conhecer hoje um estudo da Crédito Y Caución, especialista em seguros de crédito e de exportação, sobre a indústria automóvel europeia e mundial. Segundo o mesmo, a indústria automóvel mundial deverá contrair 1,2% no próximo ano, mas apesar dos desafios, a indústria europeia, que caiu 5,1% em 2024% e deverá cair 2% no final deste ano, vai conseguir uma ligeira recuperação. A Crédito Y Caución prevê um subtil acréscimo de 1,6% para o final de 2026. A principal causa para esta contração a nível mundial prende-se com as atuais tensões geopolíticas, nomeadamente as tarifas comerciais de 15% impostas pelos Estados Unidos aos seus principais parceiros comerciais neste setor, como o Japão, a Coreia do Sul e a União Europeia. A procura mundial deverá manter-se fraca, devido à baixa disponibilidade das famílias para compras mais dispendiosas, como a do automóvel.
Em 2024, os fabricantes alemães exportaram carros no valor de 33 mil milhões de dólares (cerca de 28 mil milhões de euros). No entanto, a baixa procura, a diminuição das margens e as tarifas irão provocar uma contração de 2,7% na produção alemã no próximo ano.
A indústria sofre ainda da incerteza no abastecimento dos semicondutores e das terras raras, necessárias para a produção dos veículos elétricos, sendo que um dos principais fatores de incerteza é mesmo a transição da indústria dos motores a combustão para os veículos elétricos. Entre janeiro e agosto deste ano, a quota europeia de veículos elétricos entre as matrículas de novos carros foi de apenas 15,8%, demonstrando a fraqueza competitiva da Europa neste terreno.
A empresa afirma ainda que o mercado mais afetado é o alemão, uma vez que os Estados Unidos é um dos seus principais mercados de exportação. Em 2024, os fabricantes alemães exportaram carros no valor de 33 mil milhões de dólares (cerca de 28 mil milhões de euros) para o mercado global. No entanto, a baixa procura, a diminuição das margens e as tarifas irão provocar uma contração de 2,7% na produção alemã no próximo ano. O risco de insolvências mantém-se alto, com os incumprimentos a atingirem os níveis de 2024, sendo que os bancos estão mais restritivos na concessão de crédito a fornecedores desta indústria.
Por outro lado, os analistas da Crédito e Caución referem que a indústria global poderá aproveitar oportunidades para aumentar a sua produção. E enumeram: a baixa densidade de veículos e o crescimento da classe média nos mercados emergentes, são dois fatores que estão a impulsionar a procura. “O lançamento de novos modelos e gamas, preços mais baixos, incentivos à compra e políticas de redução de CO2 irão também impulsionar a procura no setor.”, pode ler-se no research.





