Muito se tem falado na necessidade de Portugal apostar mais na economia azul e, sobretudo, na maior ligação do conhecimento académico e científico ao mundo empresarial. Apesar da grande tradição do país nos negócios do mar, estes são sobretudo ligados à pesca e ao turismo, sendo o investimento em inovação empresarial ainda insipiente. Ora, a Inclita Seaweed Solutions (ISS) conseguiu unir estes dois mundos: nasceu de um spin off do CIIMAR – Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental – o primeiro desta entidade -, através de duas investigadoras experientes, e o mundo empresarial, com dois investidores interessados em desenvolver um projeto nesta área.
Um casamento feliz nos negócios do mar
Catarina Guedes, atual CEO, Isabel Azevedo, Jorge Fernandes e Diogo Bastos uniram-se naquilo a que chamam de “casamento feliz entre pessoas com a mesma visão”, e nasceu assim, em 2018, a empresa de biotecnologia marinha especializada no desenvolvimento e fornecimento de soluções de extratos de algas marinhas. “Todos temos por base a biotecnologia e falamos a mesma linguagem. Eu e a Isabel trabalhávamos já em biotecnologia marinha, associada às macroalgas, e o Jorge e o Diogo estavam mais na parte de inovação, investimento e estratégia, e, portanto, a junção dos quatro foi complementar. O Jorge andava à procura de oportunidades, sabia muito bem o que queria da tecnologia das algas e veio ter connosco”, explica Catarina Guedes. Esta investigadora, que já trabalhava na investigação de algas há mais de 25 anos, quando ingressou no CIIMAR começou a aplicar o seu conhecimento às macroalgas e ao conceito de biorefinaria, agora utilizado pela ISS.
Microalgas são aquelas que praticamente não se veem a olho nu, mas que se veem como mancha de cor no mar, e as macroalgas são, por exemplo, aquelas que encontramos nas praias.
Responsável pela área de Estratégia e Inovação, Jorge Fernandes trabalhou mais de 20 anos em diferentes indústrias, nomeadamente na nutrição e nos ingredientes para o negócio B2B, nomeadamente para cosmética e nutracêutica (suplementos alimentares), e vivia já de perto a realidade das microalgas. Apercebeu-se então que já se fazia muito na área das microalgas, mas ainda se fazia pouco na das macroalgas.
Microalgas são aquelas que praticamente não se veem a olho nu, mas que se veem como mancha de cor no mar, e as macroalgas são, por exemplo, aquelas que encontramos nas praias, como o sargaço ou as kelps, mais comuns na costa nacional. “Em Portugal há muito conhecimento científico, somos um país totalmente voltado para o mar, temos a 11ª Zona Económica Exclusiva do mundo, e, no entanto, o impacto da economia do mar, sobretudo nos setores de maior avanço tecnológico, é relativamente baixo. Esta economia vive sobretudo das pescas, dos portos, da logística e do turismo”, refere Jorge Fernandes.
“Na área das macroalgas havia ainda muito pouco feito no país. O que inspirou esta ideia foi pensar que as macroalgas estão onde as microalgas estavam há 20 anos, logo tem bastante potencial de crescimento, pela sua riqueza e pela sua sustentabilidade. Há uma maior procura de ingredientes com princípios ativos validados cientificamente que nos permitem substituir ingredientes de origem química por outros de origem marinha altamente sustentáveis”, explica ainda Jorge Fernandes. Segundo este responsável, as macroalgas são dos organismos mais sustentáveis que existem porque sequestram carbono e não competem com os alimentos agrícolas por terreno e água.
Setor valerá 9 mil milhões de euros na Europa
No fundo, o que a ISS fez foi retomar a tradição nacional das algas, não na produção e recolha, mas no seu aproveitamento como ingrediente de alto valor acrescentado – sabe-se que algumas têm mais cálcio do que o leite e mais potássio do que a banana. “Portugal tem uma tradição muito forte de consumo de algas, várias populações costeiras usam-nas para alimentação de gado e até como fertilizantes naturais. Estamos a recuperar essas tradições do mar e a reintroduzir as algas na alimentação, numa versão mais avançada: não utilizar apenas a alga, mas fazendo a extração dos compostos, para também, de forma concentrada, os podermos utilizar”, diz Jorge Fernandes.
“Isto pode ser visto como uma nova vaga de aposta de economia do mar, mas também tem de ser acarinhada do ponto de vista do licenciamento, para quem quer produzir algas em mar aberto, do ponto de vista do apoio à inovação e à investigação nos centros académicos”.
Acrescenta ainda que já tivemos uma indústria muito forte baseada na extração das algas, o agar-agar, que deixou de ter projeção porque foi, de certa maneira, ultrapassada pela concorrência asiática e pela falta de investimento continuado. “Isto pode ser visto como uma nova vaga de aposta de economia do mar, mas também tem de ser acarinhada do ponto de vista do licenciamento, para quem quer produzir algas em mar aberto, do ponto de vista do apoio à inovação e à investigação nos centros académicos. Também é necessário que haja colaborações com a indústria, para Portugal se projetar como a nova potência na valorização do setor das algas”, explica este responsável. O país tem uma orla costeira muito especifica, sobretudo mais a norte, muito boa do ponto de vista dos nutrientes e das condições térmicas para o crescimento das kelps, que são muito ricas.
(Leia texto integral na edição da Forbes de agosto/setembro, agora em banca)