O melhor lugar para apreciar arte não é num museu de paredes brancas em Nova Iorque, Paris ou até mesmo em Tóquio. Para Soichiro Fukutake, o local ideal é num arquipélago no Mar Interior do Japão (também conhecido por Mar Interior de Seto).
Foi aqui que este milionário japonês transformou uma zona de aterros industriais abandonados num destino de charme para amantes de arte com espírito de aventura e para grandes colecionadores como François Pinault, o barão francês dos produtos de luxo, o magnata industrial grego Dakis Joannou ou Eli Broad, um patrono das artes de Los Angeles. “A maior parte dos museus urbanos não passa de locais para expor peças de arte bonitas”, afirma Fukutake, de 69 anos. “As obras de arte, o edifício e o ambiente devem funcionar como um todo e despertar os sentidos do visitante.”
Mesmo que acorde às 7 horas da manhã no Benesse House, um hotel com diárias a 370 euros e onde podemos encontrar os tesouros de Fukutake, estará desde logo a viver uma experiência única num dos melhores empreendimentos turísticos do mundo.
Sem guardas ou faixas a limitar o acesso, neste local pode explorar um verdadeiro museu repleto de obras valiosas, como é o caso de uma peça em bronze de Giacometti, de 1962, uma piscina pintada por David Hockney, um quadro branco de Jasper Johns da série “Alfabeto” e, rodeado por um trilho que sobe-e-desce, uma escultura em néon com três metros de altura de Bruce Nauman e vencedora do grande prémio na Bienal de Veneza, com aforismos provocadores escritos em luzes vermelhas, rosa, azuis e amarelas com as expressões “Feel and Die,” “Fear and Live…”
Sonho milionário
Um dos objectivos de Fukutake no que toca a estas ilhas é garantir que a sua colecção viva para lá dele. “Com este projecto procuro a eternidade,” explica. “Quero que a arte aqui exposta seja importante em qualquer Era.”
Para criar este legado, colaborou com o arquitecto Tadao Ando, vencedor do Prémio Pritzker e conhecido pela sua sensibilidade minimalista, pelos seus ângulos improváveis e pela forma como usa o betão armado liso e cru. Juntos criaram um complexo de estruturas de design elegante, três das quais escavadas nas colinas da Ilha de Naoshima, um lugar remoto de 13 quilómetros em terreno acidentado, com pequenas aldeias e vistas espantosas para o mar.
A estrutura mais surpreendente de Ando, o Museu de Arte de Chichu (chichu significa “subterrâneo” em japonês), está praticamente toda debaixo de terra, mas não parece, com os seus dois pátios a céu aberto, passagens desniveladas e grandes clarabóias em três das salas maiores.
As casas de Chichu contêm obras de três artistas apenas, incluindo três quadros da fase tardia de Claude Monet, da série “Nenúfares”. Antes de entrarem neste espaço, os visitantes têm de calçar chinelos brancos e leves de modo a não sujarem o chão branco e brilhante, feito de mármore da região de Carrara. “Há quem diga que Naoshima é melhor que l’Orangerie,” afirma Fukutake. “Naoshima é uma experiência espiritual.”
Fukutake fez a sua fortuna, avaliada em mais de 1000 milhões de euros, com a sua participação accionista no grupo Benesse, uma empresa fundada pelo seu pai em 1955 sob o nome de Fukutake Publishing.
Depois da morte do pai, de ataque cardíaco em 1986, mudou o nome para Benesse, que significa “bem-estar” em latim. Actualmente, a Benesse tem uma capitalização bolsista superior a 3 mil milhões de euros e é dona da rede de escolas de línguas e de cursos por correspondência Berlitz e de 275 lares de terceira idade no Japão.
Sob a direcção de Fukutake, primeiro como presidente e agora como conselheiro executivo, a empresa canaliza 5% das suas acções para a Fundação Fukutake, que se dedica a apoiar as artes. Ele próprio também investiu 240 milhões de dólares da fortuna da sua família no projecto.
Tóquio seria a localização óbvia para um museu deste tipo, mas Fukutake chegou à conclusão de que a cidade seria um sorvedouro de dinheiro e muito desgastante. “Tóquio é sinónimo de caos e de loucura, como Nova Iorque”, afirma. “Tem demasiadas coisas – demasiado entretenimento, produtos e pessoas.”
É muito melhor apreciar arte rodeado pela natureza. Além dos três museus projectados por Ando e do museu/hotel, Fukutake encomendou também 20 obras especificamente para aqui. Em 1995, a Benesse criou um prémio na Bienal de Veneza, cujo artista vencedor seria convidado e financiado no sentido de produzir uma peça para estas ilhas.
A primeira destas peças, concebida pelo artista chinês Cai Guo-Qiang, consiste numa série de mais de 20 rochas dispostas, segundo os princípios do feng shui, numa zona verdejante e cheia de árvores, perto da praia. O artista instalou uma banheira no meio desta obra de arte, podendo os hóspedes do hotel reservar e tomar aí um banho de imersão, ao mesmo tempo que observam o mar.
Arte no paraíso
Para determinar os melhores locais para instalar tanto as obras de arte como os museus, Fukutake sobrevoa Naoshima e as duas ilhas vizinhas de Teshima e Inujima no seu helicóptero privado.
Encontrar as obras de arte espalhadas entre o hotel e o museu Chichu, numa colina a 800 metros de altura, é uma verdadeira caça ao tesouro. Uma das peças, do artista japonês Tsuyoshi Ozawa, consiste numa série de 88 Budas em baixo relevo dispostos numa superfície coberta de escória industrial.
Encontram-se à beira de um lago, junto a uma curva na estrada, e passam facilmente despercebidos. Quando estava a construir os museus de Naoshima, incluindo um museu dedicado ao trabalho do artista minimalista Lee Ufan, nascido na Coreia do Sul, Fukutake teve a ideia de transformar casas abandonadas em obras de arte.
Os visitantes podem apanhar um transfer de autocarro, numa viagem que dura cinco minutos, e viajar do hotel até à linda aldeia de Honmura, local onde se encontram os sete “projectos de casas artísticas”.
O exemplo mais surpreendente resulta da colaboração entre Ando, que projectou a estrutura, e James Turrell, o artista norte-americano de 72 anos que cria obras de arte usando luz e ilusões ópticas com resultados surpreendentes.
Em Teshima, uma zona muito bonita onde Fukutake refez os arrozais que preenchem as colinas, há outro museu extraordinário. Com a forma de uma lágrima gigante e feito de cimento branco, está aninhado num vale pouco profundo. Duas aberturas ovais recortadas no tecto deixam entrar a água da chuva.
Os visitantes têm que tirar os sapatos e são avisados pelos funcionários para terem cuidado para não molharem os pés. Mas aquilo que mais parece serem poças formadas naturalmente são afinal pequenos buracos de onde brota água que corre depois por baixo do chão encerado, assemelhando-se a poças brilhantes de mercúrio.
Ali, sob um tecto inclinado, sentimo-nos como se estivéssemos numa nave espacial a céu aberto, percorrendo uma galáxia deslumbrante de água abundante.
O Centro de Arte da Benesse em Naoshima fica numa zona remota – a mais de seis horas de Tóquio, a três horas e meia de viagem no maravilhoso comboio bala Shinkansen, a que se segue uma viagem por dois comboios regionais e um ferryboat numa viagem de 20 minutos a partir da pacata cidade de Uno. Mas, apesar da distância, o hotel, composto por um museu com 10 quartos e três anexos com 55 quartos mais, estava praticamente completo no início de Junho.
A Benesse e a Fundação Fukutake administram e financiam algumas vertentes do projecto. Mas as grandes decisões passam todas por Fukutake. Desde 2010, a Fundação colaborou com as autoridades locais na produção da Trienal de Setouchi, durante a qual é possível ver cerca de uma dezena de exposições espalhadas pelas 12 ilhas. O próximo evento terá lugar em Março de 2016.
Fukutake não reside nestas ilhas. A sua paixão pela natureza levou-o a mudar-se do Japão para a Nova Zelândia há cinco anos e meio. Tem duas casas aí, uma em Auckland, e outra numa ilha mais a sul, deslocando-se entre as duas no seu avião de dois lugares. Mas passa um quarto do ano no Japão, e o máximo de tempo possível no seu arquipélago repleto de arte. “Quero que as pessoas das grandes cidades invejem este lugar”, afirma.
“ Quero criar um novo país no interior do Japão.”