Num mundo onde ainda se luta pela igualdade de género e diversidade nas lideranças, Helen Duphorn, CEO da IKEA Portugal e responsável pelas políticas de sustentabilidade, igualdade e inclusão a nível mundial da organização, é a prova viva de que haverá uma luz ao fundo do túnel e de que, eventualmente, se caminhará para uma sociedade mais justa e inclusiva.
A líder da filial portuguesa da marca de decoração sueca do grupo Ingka recebeu a Forbes na loja de Loures, onde detalhou a estratégia da empresa para que todos os colaboradores, qualquer que seja a sua origem ou orientação sexual ou com algum tipo de deficiência, se sintam como parte de um todo, sendo até uma mais-valia para o crescimento financeiro.
Mas como nasceu esta visão inclusiva em Helen Duphorn? A resposta da CEO da IKEA Portugal é clara: “O ponto de partida foram os meus pais. É importante ouvir desde cedo que podes ser o que quiseres. É importante ver em casa que há igualdade entre os teus pais.” Na pequena aldeia sueca nos arredores de Estocolmo onde nasceu e viveu, cedo se habituou a ser encorajada para trilhar o seu caminho e a fazer as escolhas que quisesse. “Os meus pais sempre foram muito encorajadores. O meu pai nunca me deixou pensar que eu não poderia fazer o que um rapaz pode fazer.”
Quando chegou à IKEA, há 24 anos, Helen Duphorn admite que havia “o domínio dos homens na gestão de topo, mas também havia muitos gestores dos mercados que eram mulheres. Foram bons role models”.
Na IKEA há a preocupação de trabalhar e treinar sistematicamente todos para esta visão de inclusão e de igualdade de oportunidades para a liderança. “Os homens que estavam a comandar a empresa foram quem tomou essa decisão, para ser honesta. Eles tinham o poder. Agora estamos a garantir que haja um equilíbrio de 50/50”, sublinha a também chief sustainability officer do grupo.
Neste ambiente que seria dos homens, sentiu que era vista, sendo que chegou à IKEA já com um cargo de liderança. “Foram-me dadas várias oportunidades, tive o privilégio de trabalhar em várias partes do mundo IKEA e em diferentes funções dentro do grupo”, desde compras, vendas, comunicação.
Face à provocação sobre se a liderança no feminino faz realmente a diferença ou se é a meritocracia, não hesita em dizer: “Essa é uma atitude um pouco antiquada. Porque não se consegue medir a todos os momentos qual é o comportamento mais lucrativo. É mais a totalidade do que alguém traz. Claro que é preciso ter habilitações, ter potencial de liderança, competências e habilidades. Não se escolhe alguém que não é qualificado.” E sublinha: “Não é tão fácil dizer que são só as competências técnicas e antigas que contam. O relatório da McKinsey mostra que companhias que são lideradas por equipas mistas de homens e mulheres são muito mais rentáveis.”
Ainda assim, reconhece que em geral as mulheres trazem o foco nas pessoas, e isso não significa apenas ser simpático. “É ver o potencial e alimentar uma cultura na empresa de apoio e desenvolver potenciais sucessores. Por vezes, recrutamos pessoas fora, mas tipicamente e em primeiro lugar desenvolvemos as pessoas a nível interno, até porque têm um conhecimento profundo da empresa.”
Representatividade
Com a responsabilidade pelos projetos de diversidade e inclusão do grupo, era inevitável perceber qual a estratégia no terreno, até porque é um tópico que está muito perto do seu coração. “A base do nosso trabalho tem em mente as pessoas menos afortunadas, e que são muitas. Claro que se for rico também pode fazer compras na IKEA. Construímos o nosso trabalho em valores e ideais humanísticos.” No caso dos colaboradores – porque diz que em primeiro lugar a diversidade e inclusão começa neles –, o objetivo é refletir a sociedade dentro da IKEA a todos os níveis. “Há etnicidade ao nível dos colaboradores, mas ao nível da gestão de topo ainda não acontece. Estamos a trabalhar muito para o conseguir.”
O ponto por onde se começou foi pelo tópico do género, que já está na agenda do grupo há pelo menos 30 anos. E há cerca de 20 anos foi tomada a decisão de não se esperar por um desenvolvimento natural e avançar com uma presença 50%/50% de homens e mulheres nas posições de topo. “Hoje já o conseguimos, sendo que metade dos decisores e equipas de gestão na IKEA são mulheres. E também não há o gap salarial em nenhum nível na empresa”, detalha. Nesta fase, assume que há que manter o tema debaixo de olho: “Sabemos que poderá acontecer uma regressão se não o controlarmos, mesmo que haja boas intenções.”
Outra área tem que ver com a questão dos não binários. Encontrar todas as pessoas que se identificam como não binários para saber como podem apoiá-las, por exemplo, possibilitando a mudança de nome.
O próximo grande tópico tem que ver com a etnicidade. Isto porque o grupo sabe que em cada um dos mercados onde atua há sempre uma porção da população originária de outros países que muitas vezes está em desvantagem quando se trata da carreira, lembra a mesma responsável. “Estamos felizes porque em Portugal há uma boa representatividade. Apesar de ser muito difícil ter um número exato das pessoas. Mas pelas nossas contas será entre 10% e 15% da população com base nas décadas de imigração, número de crianças, chegamos a essa percentagem e já temos essa representatividade entre os colaboradores. Mas ainda não o temos ao nível dos cargos de gestão.”
Outra área onde se pretende avançar tem que ver com pessoas com deficiência física ou mental. “Aqui também queremos espelhar a sociedade. E saber que parte da população com deficiência tem capacidade para trabalhar, e gostaríamos de ter essa percentagem na nossa força de trabalho e, também, nos níveis de gestão”, realça Helen Duphorn.
Quanto ao que se ganha com estas apostas, a CEO da IKEA Portugal não tem dúvidas: “Ser uma empresa inclusiva também é bom para o negócio. Sabemos que se tivermos mais equipas diversas na gestão teremos muito mais conhecimento, mais experiência, mais ângulos para tomar uma decisão e mais inovação. E quanto mais bem-sucedidos formos, mais poderemos crescer e oferecer estas possibilidades a mais pessoas”, conclui.
O sucesso português
“A IKEA Portugal está muito bem. Os meus colegas a nível mundial apreciam o trabalho que estamos a fazer pela meta da acessibilidade, porque o nosso principal objetivo é continuar a baixar os preços”, garante a gestora.
A empresa também já é um dos maiores empregadores em Portugal. “Temos quase três mil colaboradores, e no ano passado demos um grande salto em termos de aumentos salariais, em que estávamos a 10% do salário mínimo e aumentámos para 1000 euros o valor de entrada. Acreditamos que vamos continuar nessa direção de subida.”
A filial portuguesa fechou o ano fiscal, setembro de 2022 a agosto de 2023, com um crescimento de 10,8% nas vendas, para 611 milhões de euros. Face a este desempenho, haverá um investimento nas atualizações salariais, bónus de desempenho e outros benefícios de 8,5 milhões de euros.
A entrevista na íntegra foi publicada na edição de dezembro 2023/janeiro 2024 da Forbes Portugal.