Uma nova placa comemorativa junto à estação de Deutz, em Colónia, assinala a chegada do português, Armando Rodrigues de Sá, à Alemanha, escolhido como o milionésimo trabalhador convidado do país, há 60 anos.
Armando Rodrigues de Sá chegou à Alemanha a 10 de setembro de 1964. Depois de uma viagem de comboio de 48 horas, ouviu com surpresa o seu nome a ser chamado entre uma longa lista de passageiros. A Confederação das Associações de Empregadores Alemães (BDA) escolheu-o como o milionésimo “Gastarbeiter” (trabalhador convidado) a chegar ao país.
As imagens do português aparecem nos livros de história do país. Com um ramo de flores na mão, está sentado numa moto que lhe foi oferecida, uma Zündapp Sport Combinette, produzida em Colónia, que nunca conduziu por não ter carta.
Em 2014, foi erguida uma placa comemorativa que celebrava os 50 anos da efeméride. Dez anos depois, o monumento foi renovado a pedido do Conselho de Integração da Cidade de Colónia. Andreas Wolter, presidente da câmara, inaugurou a nova placa na Ottoplatz.
“Os trabalhadores convidados e as suas famílias deram um contributo significativo para o desenvolvimento económico da República Federal da Alemanha e da Renânia do Norte-Vestefália”, disse, em declarações captadas pelo jornal Kölner Stadt-Anzeiger.
Devido à escassez de mão-de-obra, nos anos 50, o Governo da República Federal da Alemanha recrutou trabalhadores temporários no estrangeiro através do programa “Gastarbeiterprogramm” para a reconstrução do país.
Este programa foi iniciado através de acordos de recrutamento bilaterais com a Itália, em 1955, Grécia e Espanha, em 1960, Turquia, em 1961, Marrocos, em 1963, Portugal, em 1964, Tunísia, em 1965, e com a antiga Jugoslávia, em 1968.
Robert Fuchs, diretor geral do DOMiD, o Centro do Documentação e Museu das Migrações na Alemanha, explica ao jornal Kölner Stadt-Anzeiger que a estação Colónia-Deutz foi escolhida por ser um dos dois pontos de chegada mais importantes dos trabalhadores convidados que chegavam ao país.
“Havia duas estações ferroviárias centrais neste contexto. Uma delas foi a estação ferroviária de Munique, onde chegaram pessoas da Itália, da ex-Jugoslávia e da Grécia. Aqui em Colónia, porém, chegaram pessoas da Espanha e de Portugal”, contou.
Na inauguração participou também o conselheiro das comunidades portuguesas na Alemanha, Manuel Machado, e a antiga deputada estadual da Renânia do Norte-Vestefália, Susana dos Santos Hermann, cujos pais também foram trabalhadores convidados portugueses na Alemanha.
Armando Rodrigues de Sá foi o imigrante um milhão na Alemanha. O português, nascido em Vale de Madeiros, aldeia localizada na freguesia de Canas de Senhorim, Município de Nelas, Distrito de Viseu, chegou à estação de Köln-Deutz juntamente com um grupo de 1.106 trabalhadores estrangeiros, dos quais 933 eram espanhóis. Foi recebido em festa, na presença das autoridades alemãs.
Armando Rodrigues de Sá esteve na Alemanha durante seis anos e despachou para Portugal a moto Zundap que recebeu.
Acabou por não trabalhar em Colónia, mas sim em Baden-Württemberg, como carpinteiro durante vários anos.
Em 1970 sofreu um acidente de trabalho, acabando por regressar a Portugal nesse ano. Viria a falecer em 5 de junho de 1979, vítima de um cancro.
Livro junta 23 histórias de portugueses na Alemanha nos últimos 60 anos
Neste contexto, acaba de ser lançado o livro “Portugueses na Alemanha – 60 anos – 23 histórias”, da Oxalá Editora, que homenageia os que fizeram da Alemanha “terra de trabalho, de vida, de construção de família e do seu presente e do seu futuro”.
Mário dos Santos, editor, explica que são 23 histórias de portugueses de várias gerações que partilham a experiência pela qual passaram desde a sua chegada à Alemanha.
“A relação que os portugueses têm com a Alemanha não é uma relação complicada. Talvez não seja uma relação de amor profundo, mas sim de sentida gratidão e reconhecimento, onde se sentem bem e à qual agradecem o acolhimento e as oportunidades para construir o seu futuro de cabeça levantada, condignamente”, adiantou, em declarações à Lusa.
Entre as 23 histórias contam-se os testemunhos de jornalistas, conselheiros e antigos conselheiros das comunidades portuguesas na Alemanha, empresários, investigadores, operários e atores, entre outros.
José Luís Carneiro, antigo secretário de Estado das Comunidades Portuguesas e ministro da Administração Interna, escreve no prefácio que a comunidade portuguesa na Alemanha, por estar “num dos países mais evoluídos da Europa”, foi sempre “uma das que mais empreendeu e inovou”, tanto no seu país de acolhimento, como nos “exemplos positivos que levou para Portugal”.
Nos anos 1950, devido à escassez de mão-de-obra, o Governo da República Federal da Alemanha recrutou trabalhadores temporários no estrangeiro através do programa “Gastarbeiterprogramm” para a reconstrução do país.
A 20 de setembro comemora-se a assinatura do acordo bilateral entre Portugal e a Alemanha em 1964.
“Sinto-me bem integrada na sociedade alemã. Aqui casei, aqui nasceram a minha filha e netos. Aqui tenho amigos com quem posso contar. Aprecio imensamente a cultura alemã, que aprendi a amar desde a infância. Posso dizer que cresci entre duas culturas. E hoje continuo vivendo entre estas duas culturas”, partilha a professora Margarida Nörenberg, na Alemanha desde 1965, naquele que é o primeiro testemunho do livro.
“O contacto com estes emigrantes da assim chamada primeira leva encheu-me a alma de um amor e de um respeito muito profundos pela gente da minha terra. Ainda hoje tenho presente a sala da associação, onde, à volta de uma grande mesa, nos reuníamos uma vez por semana. Quantas mãos gretadas e feridas à minha frente, quanta humildade, quantos rostos e palavras falando de saudade, quanto sacrifício, vigor e determinação no desejo de contribuírem para o bem dos que tinham ficado longe”, pode ler-se no livro.
“O 60.º aniversário da chegada dos primeiros portugueses é um acontecimento muito especial para os dois países, mas também para mim”, conta Catarina dos Santos-Wintz, advogada e deputada do parlamento federal alemão.
“Este aniversário é também significativo para as duas comunidades. Para muitos, há 60 anos, marcou-se o início de uma viagem que enriqueceu a paisagem alemã e mudou a vida de muitos portugueses e dos seus descendentes. Na Alemanha, isto pode ser sentido de muitas formas, seja através de celebrações partilhadas, do cultivo de tradições, da difusão da cozinha portuguesa ou da língua portuguesa. É o meio através do qual podemos transmitir histórias, música e literatura”, pode ler-se.
O livro “Portugueses na Alemanha – 60 anos – 23 histórias”, da Oxalá, já foi lançado e pode ser adquirido na página oficial da editora.
(com Lusa)