Segura de si e ponderada, Carminho conduziu a sua carreira artística com passos bem pensados, tornando-se, em poucos anos, uma das maiores referências do fado nacional. O primeiro álbum, Fado, foi aclamado dentro e fora de fronteiras e abriu-lhe as portas do mundo, que conquistou definitivamente com o seu segundo trabalho. Acabou de lançar o sexto disco da sua carreira, Portuguesa, no qual, afirma, se permite descobrir e, sobretudo, praticar o fado.
Tinha apenas 12 anos quando Maria do Carmo Rebelo de Andrade, conhecida hoje apenas como Carminho, enfrentou, pela primeira vez o Coliseu dos Recreios e atuou para cerca de três mil pessoas. Não pensava à época ser fadista, nem via no fado o seu caminho de vida, pois cantava de forma natural. Aliás, sentia até, nos seus tempos de escola secundária, que, de alguma forma o fado a afastava dos seus pares, cuja maturidade não lhes permitia compreender este estranho gosto. Hoje é uma figura incontornável da cena musical, conquistando, além do nacional, mercados internacionais como o brasileiro e o espanhol. Conduz a sua carreira com mestria, sabe o que quer e o que tem de fazer para o alcançar. Apesar da fama, a sua família é o seu porto de abrigo, onde se refugia para retemperar as forças, desgastadas por semanas seguidas em viagem. Tem nos seus pais pilares que sempre lhe deram o amparo e o conselho que necessitou.
Crescer rodeada de músicos
Nascida numa família de músicos, cresceu rodeada de guitarras e discos de fado, jazz e música brasileira. Aos seis, sete anos começou a ter noção da discografia dos pais o que lhe aguçava a vontade de conhecer mais. Nasceu em Lisboa, última filha de cinco, porém o pai, engenheiro civil foi trabalhar para o Algarve, e a família rumou a sul. A mãe, a conceituada fadista Teresa Siqueira, sentia saudades das casas de fado, que não existiam no Algarve, e fazia tertúlias em casa, estando sempre rodeada de fadistas. “Era um hábito, o contacto com os fadistas. Frequentavam a nossa casa o fadista João Braga, os músicos Pedro Veiga, Fontes Rocha, Jaime Santos”, recorda Carminho. De regresso a Lisboa, tinha então 11 anos, a mãe decidiu abrir uma casa de fados em Alfama, a Taverna do Embuçado, onde passava muito do seu tempo. Acompanhava a mãe nas tarefas diárias, como ir à praça, ou comprar velas, pois gerir um espaço destes era muito mais do que simplesmente abrir à noite para a sessão de fados. Dava-se bem com os empregados, com os músicos e era acarinhada por todos. “Foi aqui que conheci a Amália, a Beatriz da Conceição – que além da minha mãe foi uma grande mentora para mim – a Celeste Rodrigues, o músico Paquito, Ricardo Rocha, e mais tarde o Camané, entre muitos outros”, revela. Quando a mãe foi convidada para um espetáculo no Coliseu dos Recreios, com vários fadistas que podiam levar os filhos para cantar, ofereceu-se para participar. “A minha mãe nem sabia que eu cantava e que sabia um fado inteiro. Tive de fazer uma audição com os músicos para ver se tinha o aval deles e só assim é que a minha mãe me deixou participar”, recorda Carminho. Cantou e encantou com o Fado do Embuçado.
De regresso a Lisboa, tinha então 11 anos, a mãe decidiu abrir uma casa de fados em Alfama, a Taverna do Embuçado, onde passava muito do seu tempo.
As influências foram muitas, mas mesmo assim não viu futuro profissional na área da música. Na escola secundária sentia mesmo que o facto de cantar fado lhe dificultava a integração. “Os outros miúdos não gostavam, não compreendiam, o que criava uma barreira, porque nestas idades gostam de tudo o que compreendem para serem aceites. Essa dificuldade criou em mim uma enorme resiliência e o fado foi integrador, criou um sentimento de pertença”, explica a fadista. Tinha amigos mais velhos, os fadistas e músicos com quem partilhava os mesmos interesses.
Porém, nem assim via no fado como o seu caminho de vida. “Não ambicionava nada. Cantar era algo natural na minha família, pois todos cantavam. E eu não pensava nisso como profissão ou carreira”, relembra Carminho. Como sabia que precisava de um percurso profissional, estudou Marketing e Publicidade, em Lisboa, mas quando o terminou, aos 21 anos, não se sentia preenchida.
A viagem transformadora
Foi nessa fase que surgiu a viagem que mudaria a sua vida. Como já cantava nas casas de fado tinha juntado algum dinheiro e decidiu dar uma volta ao mundo, uma viagem de mochila às costas com paragem em vários países durante quase um ano à procura da sua identidade. Inicialmente foi com uma prima, mas acabaram por tomar rumos diferentes. Esta viagem foi o ponto de viragem na sua vida. Já anteriormente tinha recebido propostas para gravar um disco. “Recebi convites das quatro editoras que frequentavam as casas de fado. Foram quatro almoços, com a presença do meu pai, e que acabaram todas por ter uma resposta clara: não me sentia preparada para gravar, nem madura o suficiente, não tinha definido uma escolha de reportório, nem uma mensagem, nem uma identidade artística que me permitisse avançar. Gravar era fácil, difícil era defender esse trabalho”, confessa. O pai foi aqui um grande apoio, sem pressionar, apoiou sempre as suas decisões.
O primeiro álbum surgiu em 2009, tinha a fadista então 25 anos.
No regresso sentiu-me mais preparada para enfrentar o destino. Até então não tinha percebido que o fado seria a sua forma estar. “Eu dizia ao meu pai dizia que não podia fazer da música vida porque era muito fácil, e era injusto receber dinheiro por aquilo que gostava de fazer”, recorda. O pai aconselhou-a que não devia desperdiçar a oportunidade que poucos têm de fazer o que realmente gostam, e por outro lado, que não pensasse que não iria dar muito trabalho, porque iria. Considerou que isto foi realmente um conselho importante e foi esse o seu verdadeiro despertar. “Percebi que iria levar isto mesmo a sério, e tive a sensação clara que este caminho era a minha escolha de vida e nunca mais pensei noutra coisa até hoje”, afirma Carminho.
Surgiu então em 2009, o primeiro álbum, tinha 25 anos. Fado, como se chamava, foi logo aclamado pela crítica e depressa se tornou o trabalho mais destacado desse ano atingindo o disco de platina.
(Leia texto integral na edição impressa da Forbes Portugal que está nas bancas)