Está num site internacional e quer solicitar algo, deixar um comentário ou fazer uma reclamação. Se o fizer em português, o funcionário do lado de lá pode usar a tradução robótica do Google, a que falta qualidade, ou recorrer à profissional, dispendiosa. Entre os dois mundos está o modelo híbrido da Unbabel. Na start-up fundada por cinco portugueses e com escritórios em Lisboa e São Francisco, a inteligência artificial faz a tradução e ao humano cabe tão-só rever. Comparada com o tradutor da Google, não dá borlas e exige uma espera entre cinco e dez minutos, nas línguas já mais avançadas.
No entanto, se um serviço convencional traduz perto de 400 palavras por hora, a Unbabel faz 1200 e caminha para o horizonte de 5 mil. Quanto mais apreender o robô, maior a produtividade e menor o esforço do humano, sintetiza Vasco Pedro, o presidente executivo da empresa. Com os também fundadores Bruno Silva, Hugo Silva, Sofia Pessanha e João Graça, colocou na linha de montagem 50 mil humanos, prontos a aperfeiçoar as traduções da inteligência artificial. Cada um é submetido a testes e só depois chega a tradutor pago. Cada língua tem o seu linguista, que anota 10% a 20% de todos os trabalhos e atribui pontuações por erro.
A metodologia é simples: quando o tradutor de carne e osso identifica um erro, assinala-o e o computador aprende de forma a não voltar a tropeçar. Pense-se em palavras polissémicas ou numa expressão idiomática como “suar as estopinhas”, intraduzível à letra, mas aplicável ao que significou a entrada da empresa na Y Combinator, em 2014. Stephan Morais, ex-administrador da Caixa Capital e um dos investidores da Unbabel quando esta acedeu àquela reputada aceleradora de Silicon Valley, fala de uma equipa madura que se tem aproximado dos investidores: “Os resultados estão a começar a aparecer”, realça à FORBES.
Criada em 2013, a empresa está a traduzir textos por etapas: conversação, e-mails e fóruns com potencial escalável. O passo seguinte, já em curso, é a escrita técnica, mais hermética. No topo, o conteúdo emocional, o maior desafio, com figuras de estilo e estados de espírito, típicos de um livro. Quanto maior a emoção do autor, menor a valia da inteligência artificial.
“Há uma arte, não é só transliteração, tem que haver quase transcriação”, explica Vasco.
Agosto de 2018 marcará uma nova etapa para a Unbabel, que pretende levantar 10 milhões de euros numa ronda de Série B, depois de, na Série A de Setembro de 2016, ter garantido 4,5 milhões de euros. Para tal, terá de demonstrar que o negócio é escalável e atingir receitas nas ordem dos 7 milhões a 9 milhões de euros – o que significa crescer 1000%: dez vezes num só ano. Para garantir esse disparo, a empresa conta desde Janeiro com o veterano das start-ups Wolfgang Allisat que ocupa o cargo de director de receita. Um “investimento sério”, diz Vasco, sublinhando que Wolfgang foi escolhido para liderar o processo de expansão após a ronda de Série A e está em curso a exploração de comércio electrónico, viagens e gaming.
Paraíso da aceleração
Para se tornar na primeira empresa portuguesa na influente Y Combinator, a Unbabel começou pela candidatura com um vídeo de três minutos e respostas a uma bateria de perguntas. Trabalho de um dia. Só uns 5% são chamados, diz Vasco, e eles foram. Enfrentaram então um júri implacável numa entrevista de 10 minutos. Aceites, passaram à implementação, focados no cliente e na construção do produto, e alheados do investimento. Trabalho duro, de sol a sol, dentro de um apartamento, com tempo apenas para jantar fora à terça-feira – Hugo Silva, um dos fundadores, não podia beber, porque ainda não atingira os 21 anos– com a restante comunidade de empreendedores “acelerados” na Y Combinator, após uma tarde de reuniões.
Distracções mínimas e trabalho de um ano executado em três meses. Neste período dentro da Y Combinator, a Unbabel multiplicou por sete o seu valor. A Notion Capital, Caixa Capital, Faber Ventures, Google Ventures e a própria Y Combinator investiram 380 mil euros. “Foi transformativo para a empresa”, resume Vasco, que tal como os outros quatro só recebia da empresa o vencimento definido pelos fundadores como indispensável para a sobrevivência.
Despedir os clientes
A somar sucessos internacionais na área fundamental que é a da linguagem, a Unbabel já atrai talentos e processa inteligência artificial real com sofisticação só vista na Google e Facebook, garante Vasco, doutorado em processamento de linguagem natural pela Carnegie Mellon. O negócio é apontado por Chris Tottman, partner da Notion Capital e fundador da MessageLabs (vendida por mais de 500 milhões de euros), como meio fundamental para derrubar a barreira da língua neste mundo de comércio globalizado.
A Notion é um dos principais investidores da Unbabel, a par da Caixa Capital. O modelo híbrido máquina/humano é o futuro da tradução, considera a Faber Ventures, também investidora na Unbabel. O mercado actual de tradução supera 30 mil milhões de euros e em 2020 andará pelos 40 mil milhões, aponta a Notion Capital. O que há hoje nas traduções convencionais é baixa tecnologia e alto custo, com muita intervenção humana, afectando a capacidade de escala, considera Chris, que vê ineficiência em blogues, comunicação e conteúdos.
Vasco sublinha o potencial da sua tecnologia nos call centers, com a possibilidade de preferir especialistas em determinado tema, aptos a responder a questões técnicas, do que alguém contratado apenas por dominar uma língua. Outro segmento importante para a empresa é o da legendagem de vídeos, em que já se encontra presente e visa crescer ainda mais, à boleia do YouTube. Este é um dos meios para atingir os 200 clientes – “se tudo correr bem não falta assim tanto”, diz Vasco –, numa lista que já conta com Ebay, Mailchimp, Microsoft, Oculus (Facebook), Google e Pinterest.
No caminho trilhado desde 2013, a Unbabel percebeu a necessidade de escala nos serviços já a “viagem” decorria, o que levou a um passo que soa a paradoxo: rescindiu com alguns dos clientes. No dia em que o presidente executivo da Unbabel se preparava para assinar o primeiro contrato de financiamento, foi chamado, com os restantes fundadores, à entrevista na Califórnia. Aberta a porta ao mundo, no acelerador de empresas e investidor com capital semente, voltaram a afinar a estratégia um ano depois. “Despedimos 30% dos clientes”, explica Vasco sem hesitação, perante o nosso sorriso. Representavam 70% das receitas, mas geravam prejuízo. “Era um conteúdo muito emocional, blogues, para o qual não estávamos preparados e em que a inteligência artificial não trazia valor. Não somos uma agência de tradução, não é esse o objectivo”, aponta. Estavam a meio do processo da ronda de capital de Série A e foi preciso explicar aos investidores a estratégia que retiraria cerca de 70 mil euros aos 100 mil que a empresa lhes apresentara de receitas anuais. “Foi uma decisão muito difícil aqui dentro”, explica Vasco, que é também o factor de desempate nas decisões tomadas pela equipa de gestão de número par – Sofia Pessanha saíra meses antes. Mas esta não foi a única decisão complicada de tomar.
Logo ao início da actividade, e apesar das sugestões de clientes como a Google (que também é investidor, através da divisão Ventures) Vasco e os restantes fundadores optaram por instalarem a empresa em Portugal em detrimento de Silicon Valley. Se à primeira vista parece estranho, pois todas as start-ups sonham em localizarem-se no coração da inovação mundial, Vasco esclarece que essa decisão foi verdadeiramente assertiva. Isto porque, em Lisboa, ao contrário do que sucede em Silicon Valley, uma empresa pequena pode sobressair e tem mais potencial de captação de talento que num local tão competitivo e dispendioso.
A dimensão que a Unbabel ganhou nos últimos anos fez com que cada vez mais a hipótese de haver lugar à venda da Unbabel a um gigante tecnológico seja mais intença. Apesar de já não terem maioria do capital, Vasco garante que não antevê esse exit para os próximos dois anos. Mas depois, nunca se sabe.