Quem subscreve um serviço de afectação de activos ou contrata um novo consultor financeiro tem, geralmente, que preencher um questionário e indicar o risco que está disposto a assumir. Mas isso é algo que não acontece na Ellevest, um novo “site robô” de investimento, pensado explicitamente para mulheres. “Ninguém sabe ao certo qual a tolerância das mulheres ao risco”, afirma Sallie Krawcheck, presidente executiva e co-fundadora da empresa.
Contudo, Sallie refere que os homens têm geralmente uma grande predisposição para assumirem riscos, enquanto “as mulheres param para pensar, afirmam que vão ver melhor, e depois nunca mais ouvimos falar delas. É algo que as deixa, de certo modo, petrificadas.”
Esta observação – baseada nas próprias pesquisas da Ellevest e consubstanciada por conclusões de estudos académicos, segundo os quais as mulheres têm menor predisposição para arriscar, por medo de sofrerem consequências – não parece justificar por si só a existência de uma plataforma de investimento só para mulheres.
Mas Sallie e os seus apoiantes de peso apostam que estas informações comportamentais, aliadas ao facto de as mulheres viverem mais tempo, ganharem menos e não gostarem de Wall Street, vai gerar uma grande procura de serviços, como este que foi lançado em Novembro.
Na Ellevest, por uma comissão anual de 0,5% dos activos, uma mulher pode subscrever planos de poupanças e carteiras personalizadas de fundos cotados (Exchange Traded-Funds – ETF) para finalidades distintas como, por exemplo, construção de um complemento reforma, a compra de uma casa ou um suplemento de maternidade.
Apesar de ser metade do que um consultor humano cobra, não deixa de ser o dobro de uma comissão normal na Betterment, o maior consultor robô independente, ou robo-advisor (espécie de consultor financeiro on-line com o mínimo de intervenção humana) – um segundo consultor robô concebido só para mulheres, o WorthFM, abriu ao público em Fevereiro. E cobra também 0,5%.
Gestão discricionária
Sallie, de 52 anos, é um elemento crucial no branding da Ellevest. Durante mais de uma década, ocupou cargos em algumas das maiores empresas de Wall Street, com destaque para o Merrill Lynch, conhecido pelo exército de 15 mil corretores maioritariamente masculinos.
Depois de ser afastada do Merrill, no seguimento de uma reorganização levada a cabo em 2011 pela empresa-mãe, o Bank of America, reinventou-se como grande defensora da causa feminina. Em 2013, comprou a 85 Broads, uma empresa que opera programas de networking para empresas e para profissionais do sexo feminino, mudando o nome para Ellevate Network. O site separado da Ellevest aponta para este tipo de clientes potenciais.
A Ellevest diferencia-se, na verdade, pelo seu marketing com uma tónica política, mas a tentativa de conquistar um número crescente de mulheres investidoras é cada vez mais comum. O que é perfeitamente compreensível. Só 16% dos 311 mil consultores financeiros são mulheres.
Mas as mulheres controlavam 35% da riqueza norte-americana disponível para investimento em 2015, segundo estimativas da consultora Boston Consulting Group. E este número está a aumentar, já que as mulheres millennial ganham cada vez mais, têm mais estudos do que os homens e vivem mais do que os seus colegas. No entanto, estudos académicos sobre esta indústria apontam para o facto de continuarem a existir diferenças entre os sexos.
As mulheres, por exemplo, preocupam-se geralmente mais com os riscos a jusante, são, por norma, prudentes em matéria de investimento e têm menor predisposição para comprarem e venderem activamente acções, por receio de verem o retorno do seu investimento diminuir. (Por outras palavras, são investidoras natas em fundos cotados.)
Por outro lado, no que toca ao desempenho da sua carteira, as mulheres “focam-se mais num objectivo quando comparadas com investidores que analisam diariamente o mercado,” afirma Sheila Shaffer, consultora ligada à Janney Montgomery Scott e uma das principais mulheres gestoras de fortunas dos EUA. Actualmente, gere cerca de 500 milhões de euros e metade dos seus clientes são mulheres.
Início do caminho
No meio desta “guerra de sexos”, há uma grande diferença entre falar com mulheres em pé de igualdade ou falar com elas a partir de uma perspectiva superior. Quando estava em Wall Street, Sallie refere que rejeitava programas especiais para investidoras femininas por achar que eram condescendentes e “normalmente resumiam-se a tentar compensar a falta de formação financeira [com] algum Chardonnay à mistura.”
Sallie afirma que fala da mesma forma com todos os seus clientes – mas, à semelhança de muitos consultores bem-sucedidos, gosta de chamar a atenção para os objectivos de cada um. E resume assim a sua abordagem: “Cada pessoa é um indivíduo. Tem desejos, precisa de dinheiro para fazer ‘XYZ’. Vamos falar do que é possível e do que não é.”
A Ellevest parece apostar nesse sentido. A questão reside em saber se acrescenta valor suficiente para justificar uma comissão de 0,5%,
já que os consultores humanos normalmente oferecem aos seus clientes mais do que mera afectação de activos e conselhos em matéria de poupança.
Até ao momento, a Ellevest já angariou cerca de 19 milhões de euros de capital junto de vários investidores, onde se destacam a Morningstar, Mohamed El-Erian e Venus Williams. Para o cargo de directora de investimento, a Ellevest recrutou Sylvia Kwan, doutorada por Stanford e que passou dez anos a chefiar o departamento de carteiras de poupança na Financial Engines.
As grandes diferenças no que toca às recomendações da Ellevest, segundo Sylvia, advêem do facto de se basearem nas curvas salarias típicas de cada género: as mulheres licenciadas atingem o pico do seu salário aos 40 anos, em média, enquanto nos homens isso só acontece aos 55 anos. Em virtude disso, as mulheres começam a poupar uma percentagem maior do seu salário mais cedo, afirma.
Em meados de Março, a Ellevest tinha 3 mil contas e cerca de 18 milhões de euros em activos – cada conta com um montante médio de 6 mil euros. A cliente típica está na casa dos 30, uma parte do seu salário antes de impostos vai para um plano de poupanças — que a Ellevest aconselha como investir gratuitamente – e não tem dívidas no cartão de crédito, apesar de poder ter contraído um empréstimo para estudar. É um negócio viável? Ainda é demasiado cedo para dizer. Mas o sector financeiro está atento a este mercado.