Numa reunião a cinco, Nuno Sebastião aponta o olhar ao gestor que tem à sua direita, um dos homens-fortes da Cognizant, tecnológica que factura 15 mil milhões de euros, supera os 30 mil milhões de euros de capitalização bolsista e emprega mais de 250 mil pessoas.
O negócio está no ponto caramelo. A dimensão do cliente justifica a presença do presidente-executivo da Feedzai numa das várias reuniões que marcará presença ao longo do Money2020, em Las Vegas, nos EUA, um evento estrela de empresas tecnológicas da finança – uma espécie de Web Summit, mas focada nas fintech e com vários PIB portugueses acumulados só em valor bolsista dos presentes. “É a única forma de isto escalar. Quando está numa fase final, o negócio validado, tudo definido, é que vais para apertar a mão e fazer aquela cerimónia. São empresas grandes, esperam ter um tratamento de alguma deferência”, explica Nuno sentado no stand da Feedzai do Money2020 deste ano, que decorreu entre 21 e 24 de Outubro.
Há uma espécie de encenação intrínseca a quem, como a Feedzai, chega a este nível do jogo já com rodadas bem altas. “Não podes não aparecer, mas tem de ser no timing certo, se não estás a vender-te barato. É tudo um acto de negociação. São aptidões que aprendes”, diz.
Antes, Nuno esteve numa reunião com uma das divisões do Citigroup, um dos quatro maiores bancos norte-americanos e investidor na sua empresa. A directora-geral queria vê-lo cara a cara para o comprometer com aquilo que a equipa técnica da Feedzai prometia.
Se é verdade que para a fintech nacional uma falha grave na detecção de fraudes pode ser a ruína da reputação e da própria carteira de clientes, aquela executiva, com milhares de pessoas sob o seu comando, pode perder o emprego se o coador de fraudes da Feedzai for demasiado restritivo – impedindo transacções financeiras na plataforma do Citigroup – ou demasiado lasso – permitindo a fraude. “O que nós fazemos é nuclear para estas organizações. Imagina que cometo um erro que tem um impacto financeiro grande no cliente”. Nuno pode ser chamado para uma hora de conversa, como quando o presidente de um dos maiores do sistema financeiro europeu lhe quis perguntar pessoalmente o que pretende fazer da empresa, selando o negócio logo que Nuno lhe explicou que enquanto puder vai ter uma empresa independente – dado relevante quando um banco entrega a determinada empresa um contrato até 10 anos para gerir o risco financeiro. Mas também já lhe aconteceu ser convidado para uma tarde de conversa entre presidentes. “De certa forma estás a ser entrevistado como se fosse para um emprego”, assume.
A pressão é alta e há números que impõem respeito até vistos de fora: só para um dos seus clientes norte-americanos, o sistema de triagem de fraude da Feedzai analisa anualmente 3,5 biliões de euros (quase 20 vezes o PIB português) de operações financeiras.
Esse cliente, que por razões contratuais da Feedzai não pode ser identificado, vai substituir o seu sistema interno de análise de risco pelo da empresa portuguesa.
Num mundo em que a ligação do cliente com os serviços financeiros e o comércio é cada vez mais desmaterializado, a empresa formada em Coimbra por Nuno Sebastião, Pedro Bizzaro e Paulo Marques, teve o engenho de desenvolver o algoritmo certo e a perspicácia do timing de lançamento dos seus serviços.
Hoje, na banca tradicional, acumulam-se encerramentos de balcões físicos, os serviços online são a norma e agigantam-se novos actores da finança como a Revolut, que desmaterializou por inteiro a ligação entre cliente e banco.
Em simultâneo, o comércio explode na internet. Contudo, o equilíbrio é delicado: na Feedzai tenta-se balancear a gestão do risco e a fricção, ou seja, detectar e anular criminosos online, mas em simultâneo não impedir o cliente de executar pagamentos e transacções financeiras, a fonte de rendimento dos clientes da Feedzai.
No clube dos crescidos
O que se passou em Vegas, não ficou em Vegas. Foi tempo de criar pontes. Foi esse o pressuposto para Nuno aceder ao repto lançado por um dos co-fundadores do Money2020, Jonathan Weiner.
Ele próprio investidor na Feedzai – colocou ali cerca de 1 milhão de euros seus –, disse a Nuno que era preciso dar um passo mais ambicioso para entrar no campeonato da primeira divisão dos serviços financeiros. A jovem start-up portuguesa não fez por menos: levou Sir Richard Branson ao palco principal do Money2020, um momento alto de notoriedade que, sintomaticamente, marcou o início da reunião com os representantes da Cognizant.
No dia seguinte a Nuno e Branson terem subido ao palco principal, os homens da Cognizant começaram por parabenizar o português pela sua postura descontraída no palco perante o magnata britânico fundador da Virgin, 388.ª pessoa mais rica na lista de milionários da FORBES, com um património de 4,4 mil milhões de euros.
“Devias estar a entrevistar pessoas”, dissera-lhe Branson no dia anterior, durante as designadas “Feedzai Frontiers Speaker Series”, palestras promovidas pela empresa em grandes eventos, e que já incluíram Steve Wozniak, fundador da Apple.
Branson acabaria por fazer a sua parte de diplomacia económica não só pela Feedzai, como até por Portugal, quando aludiu ao exemplo do país no combate ao consumo de heroína, exaltando a criação, no ano 2000, de infra-estruturas para tratamento dos heroinómanos e o fim da criminalização do consumo.
Portugal surgiu, nas palavras de Branson, como um exemplo a seguir pelos restantes países –reportagens nos jornais Guardian, Washington Post e New York Times dedicados ao exemplo português podem ajudar a explicar este elemento da cultura do magnata.
Uma elevação do orgulho lusitano bem distinta dos tempos em que Nuno foi funcionário da Agência Espacial Europeia, de onde tirou as bases para se lançar na Feedzai com os dois amigos de Coimbra. Na altura, chegaram a perguntar-lhe se em Portugal havia Ciência.
A mise en scène à volta de Branson acrescentou à Feedzai a imagem de figura de topo num evento onde cabiam grandes bancos como o Goldman Sachs, Deutsche Bank, Bank of America, Citigroup e BBVA, o “grande bazar” online Amazon, a emissora de cartões American Express, Visa, a plataforma de pagamentos PayPal e multinacionais como a IBM e a Google. Parte destes são clientes dos portugueses, tal como o Lloyds Bank, banco que contribui para que cerca de três quartos dos cidadãos do Reino Unido passem pelo crivo da inteligência artificial da Feedzai. “Imagina o que é uma empresa de um país pequeno a vender para eles”, enfatiza o presidente da tecnológica coimbrã.
Mas apesar de o banco britânico liderado pelo também português António Horta Osório ser um importante cliente na carteira da Feedzai, não é o maior.
No Money2020, a fintech portuguesa gastou entre 200 mil a 300 mil euros dos 3 milhões de euros alocados anualmente ao marketing. Os contratos ali assinados juntaram-se a uma carteira onde já estavam 350 milhões de euros (a facturação é habitualmente diferida ao longo de cinco anos).
As receitas têm crescido a um ritmo de 60% ao ano, prevendo-se que este ano as contas fechem com um volume de negócios de 71 milhões de euros. “Só com o negócio [fechado em Las Vegas] com o Citi já paguei o evento todo. Fora os outros”, confidencia o engenheiro nascido no interior de Portugal, filho de um pedreiro e de uma mãe “doméstica”, que enviaram o filho de 15 anos para estudar em Coimbra – após uma professora sua do sétimo ano ter dito aos pais que em Cantanhede não conseguiria explorar todo o seu potencial.
Nuno faz do sorriso, intervalado com valentes gargalhadas, imagem de marca. Foi com ele e com um aperto de mão que, no final de cerca de meia hora com os responsáveis da Cognizant, fechou contrato.
“Obrigado por confiarem em nós”, proferiu com humildade. Nuno admite que há uma preparação minuciosa antes das reuniões. “Nos EUA aprendi a ser obcecado com preparação. Só tens uma oportunidade de impressionar o cliente, só tens aquela hora, ou meia-hora”.
Em Novembro, duas semanas depois da Money2020, a Feedzai juntou em Lisboa o conselho de administração da empresa, o que significou trazer a Portugal os investidores norte-americanos.
Um deles é Steven McLaughlin (conhecido por Steve), um ex-membro da Goldman Sachs que em 2002 formou a sua própria companhia, a Financial Technology Partners (promotora de operações de compra e venda de empresas e do lançamento de empresas em Bolsa), sendo hoje um influente investidor em fintechs. Steve diz à FORBES que “a razão principal” para investir da Feedzai foi a personalidade de Nuno, mas também o poder do algoritmo criado pela Feedzai. “Vi todo o interesse do mercado e quão bem a empresa estava financeiramente. Sabia no meu coração que seria uma companhia de 20 bi [20 mil milhões de dólares] algum dia”.
Steve vai mais além no que parece um devaneio: “Não venderíamos por 5 mil milhões. É como se o Mark Zuckerberg tivesse vendido o Facebook por 5 mil milhões. Ele podia, mas não o fez. Olho para concorrentes do Facebook, como o Friendster ou o Myspace… e só há um Facebook. Acho que a Feedzai vai ser o Facebook da Inteligência Artificial e da fraude nos serviços financeiros. Essa é a razão principal por que achamos que 5 mil milhões não é assim tão interessante”.
A conversa começa a parecer-se com a de um profissional de marketing, mas o conceituado banqueiro mostra-se inabalável na convicção de que a empresa vai acelerar para os 20 mil milhões de dólares, cerca de 17,5 mil milhões de euros – o equivalente a cerca de 1,5 vezes a capitalização bolsista da EDP ou da Galp. “Fiz uma chamada para o Nuno a meio do processo, disse ‘nunca fiz isto na minha vida, mas quero fazer este negócio’”, recorda.
Acabaria a aplicar na tecnológica portuguesa, do seu bolso, cerca de 31 milhões de euros na última ronda de investimento, realizada em Outubro de 2017. Assumiu assim mais de dois terços dos 42 milhões de euros que a empresa levantou naquela fase.
Entre Maio de 2011 e Maio de 2015, nas quatro vezes anteriores que foi ao mercado levantar capital, a Feedzai tinha totalizado cerca de 21 milhões de euros. Nuno salienta que a última ronda de investimento, realizada em Outubro de 2017, só avançou porque os sócios não quiseram desperdiçar as manifestações de interesse de investidores.
A tecnologia da Feedzai está cada vez mais aprimorada e poderosa, ao mesmo tempo que o conjunto de dados que o algoritmo trabalha não pára de crescer, e Steve vê nesta combinação um efeito de rede exponencial. “Só vendo quando este senhor vender”, diz-nos, apontando para Nuno. “Ao não vender, estamos na realidade a investir. Dizemos que não. Um dia diremos que sim”, dispara.
A confiança do norte-americano na Feedzai parece não ter barreiras. Joaquim Sérvulo Rodrigues, da Armilar Ventures, é mais contido, mas salienta o crescimento anual das vendas na ordem dos 60%, consecutivamente, e diz que “para o ano será muito maior”.
A Feedzai não necessita de dinheiro e atinge estes crescimentos sem entradas de novo capital, realça o também administrador. Tal como Steve, Joaquim salienta que não tem pressa em sair da Feedzai. “Crítico para nós não é o tempo de venda, é a criação de valor”, explica o gestor português, que participou em 3 das 5 rondas de financiamento, detendo actualmente mais de 10% do capital da empresa.
Um somatório de sinais que revelam absoluta confiança, destaca Nuno, que alude ainda ao que designa de “Steve effect” (o efeito Steve): bastou referir a colaboração do dono da FT Partners na elaboração da ronda de investimento de Maio de 2015 para que o preço da venda de capital se tornasse mais elevado.
A OAK, por exemplo, teve de reforçar o cheque para obter a sua posição na Feedzai, explica Nuno, que puxa dos galões da sua lista VIP de investidores.
Entre estes, destaca três dos nomes apontados no ranking dos 40 maiores investidores em fintech, pela conceituada revista Institutional Investor: Patricia Kemp, fundadora e presidente do fundo Oak HC/FT (que já investiu mais de 15 milhões de euros); Vanessa Colella, líder da Citi Ventures (6 milhões de euros injectados na Feedzai) e responsável pela inovação (chief innovation officer) do grupo Citi, em 11.º lugar; e o próprio fundador e presidente da Financial Technology Partners como o número 1 desta lista “Fintech Finance 40”.
Tesouro poderoso
Durante todo o Money2020, Nuno desdobrou-se em várias solicitações, repartindo-se entre as reuniões no próprio stand da empresa e as salas privadas onde vai ao encontro de figuras de alguns dos principais bancos norte-americanos. Nas três noites do evento vai às festas oficiais do Money2020 e a dois jantares, um deles oferecido pela sua empresa a convidados VIP.
Um destes, o presidente-executivo da North American Bancard (emissor de cartões que afirma processar anualmente mais de 45 mil milhões de euros em pagamentos electrónicos), com quem o líder da tecnológica esteve uns minutos a regatear valores para novo contrato, culminando em mais um negócio fechado. “Ando tão cansado… quando aparece alguém nem sei se já lhe disse isto ou aquilo”, desabafa o engenheiro português, no segundo dia do evento, sem largar o característico sorriso.
Um esforço diminuto, comparado com as suas investidas por empresas norte-americanas, em 2013 e 2014, para vender o algoritmo dos três amigos de Coimbra. “Foi muito duro, não conhecia ninguém”, relembra. “Vender é passar confiança e entregar. Se defraudares expectativas estás tramado e tens de ir atrás do prejuízo”, diz-nos.
Joaquim vai mais além e nota que quando é o presidente da empresa que vai vender o produto, a exigência é acrescida: “Não pode ser banha da cobra, porque tem de regressar [ao cliente]”.
Vezes há em que a confiança técnica necessita da companhia da sorte, como quando Nuno bateu à porta da Capital One e foi recebido por um responsável da empresa financeira cuja mãe já trabalhara em Portugal. Quebrou-se o gelo e fez a primeira venda nos EUA. A Capital One emprestou o seu prestígio ao investir, tal como fizeram Citi Ventures, SAP e Oak FT/Partners.
A co-fundadora desta empresa de capital de risco, Patricia Kemp, a quem Nuno nos apresenta da sua forma descontraída como “a minha patroa”, cola o seu gabarito à Feedzai num painel madrugador do Money2020. Perante umas dezenas de pessoas na assistência, diz: “vocês não são uma tecnologia à procura de um problema, são uma solução para um certo problema”.
Membro da administração da Feedzai, Patricia ajuda ali no palco a dourar o algoritmo criado por Nuno Sebastião e pelos dois sócios iniciais, Pedro Bizarro, líder da divisão científica, e Paulo Marques, responsável pela estratégia tecnológica e pelo desenvolvimento de produto.
A cúpula da Feedzai acolhe ainda os também investidores Joaquim Sérvulo Rodrigues e Steve, além de um gestor independente nomeado pelos três amigos portugueses.
A palavra de ordem é “construir”, em oposição a vender a empresa. Nuno não concebe o cenário de levantar-se da cama e não ter a Feedzai como destino. Tal como Steve, acredita que a Feedzai pode ser o Facebook da luta contra a fraude financeira, não tendo qualquer receio de avançar com uma avaliação superior a mil milhões de euros para a sua empresa. Se isto nos soa hoje mais a Hollywood do que Silicon Valley, para Nuno e para os seus investidores isso é bem real.
A EDP, por exemplo, que através da sua empresa de capital risco, a EDP Ventures, detém cerca de 4% da Feedzai, refere no relatório e contas de 2017 que a sua posição da fintech (que é avaliada de acordo com os resultados da empresa) valorizou 5,3 milhões de euros no ano passado.
Já Steve aponta para uma avaliação actual da empresa de 2 mil milhões de dólares – o dobro do valor do místico unicórnio. Nuno hesita em comprometer-se com um número, mas acaba por pôr na “etiqueta” 1,5 mil milhões a 1,75 mil milhões de euros, um valor superior a 20 vezes o montante de receitas que espera concretizar em 2018.
Empresas comparáveis com a Feedzai e cotadas em Bolsa estão a negociar com este múltiplo na ordem das 16 ou 17 vezes, e crescem a um terço do ritmo da empresa de Coimbra.
A Feedzai está cada vez mais longe do mundo das start-ups e a ocupar um lugar de referência no universo empresarial dos gigantes. Além de facturar mais de 70 milhões de euros, é regularmente consultada pelos reguladores aquando da feitura de leis anti-fraude; acabam de se mudar para um dos ex-edifícios da EDP na Praça do Marquês de Pombal, em Lisboa; foram um dos patrocinadores de cinco estrelas do Money2020 (BBVA, Bank of America, Google, IBM, Paypal e Visa, por exemplo); levaram Sir Richard Branson a Las Vegas; e já têm cerca de 400 pessoas a trabalhar sob as suas ordens.
E, diz-nos o co-fundador Pedro Bizarro, no prédio da delegação de San Mateo há dezenas de milhares de milhões de euros em capitalização das start-ups vizinhas da Feedzai, enquanto no edifício de 70 pisos em Nova Iorque há mais startups que em Portugal inteiro. Uma vizinhança de luxo.
“Se lutas com gigantes, tens de ser muito melhor”, ouvimos de Branson no palco do Money2020, recordando o investimento da sua Virgin numa cola para o mercado britânico, gorado por uma poderosa investida comercial da Coca-Cola para o aniquilar. Já a Feedzai quer ser a líder da nova geração de combatentes contra a fraude nos serviços financeiros, superando poderes instituídos como a IBM. “Acredito genuinamente que podemos vir a ser um desses players de nova geração”, proclama Nuno.
À compra de sinergias
Para progredir por via do crescimento orgânico, Nuno diz ser preciso continuar a ganhar a confiança dos clientes e cumprir com o prometido. É preciso não deixar de lutar por negócios como o do Lloyds Bank, cujo tratamento anti-fraude em todas as aberturas de conta online é feito pela sua empresa. Mas a estratégia não se esgota aqui.
Nuno diz estar actualmente a olhar para algumas, depois de confessar que, no ano passado, tentou comprar a ThreatMetrix, start-up dedicada à busca de comportamentos de risco e fraude. Essa empresa gere dados dos smartphones em mais de 200 variáveis, desde a localização às impressões digitais dos utilizadores de telemóveis que têm este método de desbloqueio, passando pelo comportamento – as aplicações sabem se somos nós o utilizador através da velocidade com que digitamos palavras e números ou inclinamos o telefone quando o usamos, por exemplo.
A ThreatMetrix acabaria vendida ao Relx Group por cerca de 715 milhões de euros, bem mais que os cerca de 400 milhões oferecidos pelos portugueses. O poder de fogo da Feedzai já sobe a este nível. Ou só sobe a este nível, consoante a perspectiva.
Steve, dono da FT Partners, acredita que a chave para a estratégia de aquisições que se vislumbra acontecer nos próximos meses está nos dados, que podem ser alugados e outros comprados. Várias empresas têm uma base de dados muito especializada e única relativamente a uma geografia ou sector, mas carecem de escala e capital. “As sinergias de combinar os conjuntos de dados deles com os nossos, com a nossa tecnologia e equipa, pode acelerar ambas as companhias”, defende.
“Tem tudo a ver com dados e o seu processamento”, resume. Por esta altura, Nuno tem em mãos um estudo de quatro possíveis aquisições. Todas com não mais de 250 trabalhadores, abaixo dos 400 da Feedzai, condição para não deslocar o azimute da liderança para longe de si, de Pedro e de Paulo.
É certo que a tecnológica nacional poderia apontar para voos ainda mais altos, dado que poder de fogo não falta. Steve, que deixou o Goldman Sachs em 2002 para fundar a sua empresa de investimento em tecnológicas financeiras, por via dos seus conhecimentos em Wall Street e outras praças financeiras tem mais de 200 milhões de euros de private equity à distância de um telefonema que não teriam problemas em embarcarem num negócio desses – Nuno confessa que já chegou a avaliar algumas dessas propostas.
Contudo, dar um passo maior que a própria perna poderia colocar demasiada coisa em jogo, nomeadamente colocar em risco o controlo da gestão da Feedzai. “Há um equilíbrio entre perder controlo e o que se recebe disso, por isso é preciso ver o custo/benefício”, salienta Steve.
O accionista com mais capital investido na Feedzai (o que não significa ter a maior participação, já que a valorização da empresa tem estado num crescendo constante e Steve entrou apenas há um ano) é peremptório: “todos os investidores de fora com quem falei e que fizeram o seu trabalho de casa têm imensa fé na empresa e estão dispostos a dar o controlo à companhia porque acreditam que a companhia e a administração sabem mais que eles”.
Assim, para já, são os três amigos de sempre que lideram, com aval dos accionistas, o destino da Feedzai. E estes estão igualmente felizes enquanto haja liquidez para que possam sempre alienar a sua, com um prémio, logo que o pretendam, nota o presidente da Feedzai.
Foi isso que sucedeu em 2017 quando a Novabase, através do seu fundo de capital de risco, o FCR Novabase Capital Inovação e Internacionalização, alienou parte da sua participação na Feedzai às norte-americanas Sapphire Ventures e Sapphire Sap.
O negócio permitiu à Novabase gerar um ganho de 70%, que se traduziu numa mais-valia de 3 milhões de euros. No final de 2017,
a Novabase detinha uma posição directa na Feedzai de 1,7%.
No horizonte dos investidores está sempre uma operação de abertura do capital da empresa em Bolsa. A concretização de uma operação pública de venda (OPV) da Feedzai poderia valer muitos milhões para os investidores e também para os fundadores, que detém mais de um terço do capital. Mas, para Nuno, esse passo não está no horizonte.
Apesar de confirmar que já foi falado entre os membros da administração, garante que o plano da empresa passa por se manter longe do mercado de capitais e posicionar-se como uma empresa inteiramente independente.
Sem ilusões
Num dos painéis do Money2020 ouvimos o chefe de operações do Paypal, Bill Ready, dizer que “o melhor investidor é o dinheiro que vem do cliente”. Para o presidente da Feedzai, o dinheiro dos investidores serve sobretudo como reserva reputacional.
Se um grande banco pede para ver os “fundamentais” da empresa antes de se fazer cliente, Nuno sabe que ele quererá constatar que esta tem dinheiro acautelado para qualquer ocasião, de modo a não “morrer” algures pelo caminho durante a vigência do contrato de serviços.
Mas Nuno só não é esbanjador por opção, visto que até já tirou dinheiro da empresa (parte aplicou em sete fintechs em fases iniciais de desenvolvimento dos EUA, Holanda, Portugal), e garante-nos que até os 42 milhões de euros que foram levantados na última ronda de investimento, em Outubro de 2017, permanecem intactos no balanço da Feedzai. A evolução do negócio tem sido vigorosa.
Na folha de salários estavam 140 pessoas no início de 2017, hoje há mais de 400 pessoas entre Lisboa, Coimbra, Porto, Atalanta, San Mateo (em São Francisco, na Califórnia), Nova Iorque e a nova geografia desbravada este ano, Hong Kong.
Lá, na China, trabalham com a Starbucks. A Feedzai combate ali problemas universais – como a lavagem de dinheiro através de cartões recarregáveis, um risco reputacional para qualquer cliente – e outros específicos, como as aplicações multitarefa.
É o caso da Wechat, que além do chat e troca de fotos permite fazer pagamentos nas lojas físicas com uma mensagem de texto. É mais fácil evoluir das 400 pessoas para as 4 mil do que ter chegado aqui, diz Nuno. Agora há uma reputação que traz clientes e investidores de topo, os quais trazem outros clientes e investidores de primeira linha, numa lógica de círculo de confiança na alta roda dos investidores.
Nesta posição, a empresa já alicia os melhores cérebros, como Vincent Horovitz, responsável de parcerias e veterano deste ecossistema. Está na Feedzai apenas há seis meses, período em que liderou a equipa nas negociações com a Cognizant ao longo de 26 reuniões. Mas não é isso que destaca quando fala connosco: “Gosto muito do Nuno e desta equipa”, diz-nos.
Mesmo fora da engenharia, a Feedzai já tem “cachet” para atrair os melhores, designadamente Dalia Turner, a agora ex-directora de Recursos Humanos da Microsoft em Portugal. Nuno aponta ainda o técnico que em Las Vegas vemos executar demonstrações do novo produto estrela da companhia (Feedzai Genome). Há poucos meses, este técnico desenvolvia sites de revistas e jornais portugueses. “O gozo que me dá ver o ‘tuga’ que há ano e meio ‘não sabia batatas’ de fraude ou pagamentos…”.
Na mole humana que desenvolve a máquina da Feedzai tem-se ampliado a diversidade de currículos. Já não são só engenheiros e informáticos a ser alvo da equipa de recrutamento. Nuno dá exemplos, como o da técnica que veio da bioengenharia, onde estudava o cancro da pele a partir do algoritmo.
Ou o do vencedor da competição Hakhaton no Money2020 – desafio aos concorrentes para usarem as suas aptidões e criarem algo novo no ramo do combate à fraude financeira –, um jovem de 25 anos cuja formação é em matemática. O foco da contratação na empresa está nas pessoas que sabem pensar seguindo a lógica do algoritmo e do machine learning. Nos últimos tempos, a média é de 15 a 20 contratações por mês. “Pegamos no conhecimento dessa pessoa e impactamos no produto”, explica o engenheiro.
Não passaram ainda 10 anos do lançamento da Feedzai. Parece que foi ontem que a tecnológica incubada em Coimbra foi visitada no seu cubículo por um sorridente José Sócrates. Nesse dia, em 2011, o então primeiro-ministro disse, com a sua característica confiança, que esta seria a nova Critical Software, na altura com 300 funcionários.
Nuno recusou a gentileza e disse: “não, nós vamos ser muito maiores”. Se a bitola for a mão-de-obra, já são por esta altura 30% maiores, além de constarem também já no portefólio de clientes da Critical.
Ao início, na partida à conquista dos EUA, valeu aos fundadores o aconselhamento de Pedro Carvalho, fundador da Novabase, que alertou para os cuidados a ter com a questão legal, e de um partner do escritório de advogados Garrigues, salienta Nuno, com humildade. Quando se encontrava com potenciais investidores, Nuno deixava claro que os fundadores não aceitavam perder o controlo da empresa.
Uma condição que escapa a outros empreendedores que criam empresas e que, para captar capital, deixam que os donos do dinheiro determinem o rumo da empresa, acabando esta muitas vezes tomada e até vendida contra a vontade dos fundadores. Outra condição era manter a empresa em Portugal.
Não é por acaso, e serve como exemplo para outras: em caso de litígio com os investidores, a Feedzai joga em casa. Nos EUA, a litigância seria feita segundo leis estranhas aos fundadores e há um risco extra, alerta Nuno: os grandes advogados locais são, não raras vezes, compagnons de route dos investidores nas partidas de golfe… E é por essa razão que a sede legal da Feedzai está em Portugal – mais precisamente no edifício Pedro Nunes, em Coimbra, onde nasceu. “Se os investidores estiverem verdadeiramente interessados em nós não se preocupam onde a empresa está sediada. Isso é uma falsa questão”, diz.
Nuno pára para regressar à terra. Não se pode tirar os pés desta, diz-nos, assegurando que o repete a si próprio e aos funcionários. Por isso comprou a ferrugenta Ducati da década de 1970 que nos mostra na fotografia no seu iPhone. Numa tarefa que lhe pôs travões ao ritmo louco que leva, reconstruiu-a, mesmo sem possuir grande background mecânico, até ao brilho original, como exibe noutra foto.
Ele é filho de um pedreiro e de uma “doméstica” do interior de Portugal, trabalhou na banca de fruta de um amigo em Coimbra para ajudar nas despesas e não quer perder essa noção das origens para não se deixar enfeitiçar pelo sucesso que a sua Feedzai ostenta no meio das fintech. Nos EUA, ao lado da velha Ducati restaurada, tem um Porsche 911.
Comprou-o em segunda mão e já com mais de 100 mil quilómetros andados pelo anterior proprietário. Se ele e os dois amigos co-fundadores vendessem hoje os 35% que detêm na Feedzai, teriam mais de 500 milhões de euros para se entreterem a contar.