O Grupo Tecnimede (GTM) é o maior grupo farmacêutico português a operar em Portugal, o segundo maior no mercado de ambulatório, incluindo todas as multinacionais e exporta para mais de 100 mercados. António Donato, CEO do GTM revela que o Grupo investe 15% da sua faturação em I&D, acredita que a inovação é crucial para o crescimento e aposta nos value added medicines.
O Grupo Tecnimede (GTM) exporta para mais de 100 países. A que se deve a capacidade de internacionalização da empresa que é 100% portuguesa?
Exportamos para mais de 100 mercados e temos presença direta em Espanha, Itália, Marrocos, Colômbia e Brasil.
Quando se avaliam modelos de internacionalização, têm sido identificadas um número crescente de empresas que não seguem o padrão tradicional. Nascem para ser globais. Um “born global” é uma empresa que desde o seu início persegue esta visão de se tornar global rapidamente, sem ter passado por longo período de crescimento doméstico. Quanto ao sonho e à ambição, julgo que nascemos com estas características. Os “born globals” dependem muito da natureza do decisor e no nosso caso, era justamente essa a perspetiva. Não nos internacionalizámos por necessidade ou por sequência lógica, nascemos para ser internacionais. Em 1980, o nosso fundador, Dr. Jorge Ruas, imaginou uma empresa que investisse na investigação e desenvolvimento e se expandisse globalmente.
Mas a exportação de produtos farmacêuticos é fortemente influenciada pela dimensão do mercado do país de origem. Termo-nos tornado a segunda maior empresa do mercado de ambulatório português foi crucial para irmos alargando a nossa exposição global.
A internacionalização pode parecer atrativa nos discursos políticos, mas é um processo difícil para uma empresa portuguesa. Normalmente falta-nos dimensão e/ou diferenciação.
Por isso é aconselhável que um “born global” português escolha uma área, um mix de produtos relativamente homogéneo, que não necessite de grandes adaptações durante o processo de internacionalização. Não existem recursos para competir com múltiplos modelos. Assim, a nossa internacionalização, tem estado intimamente relacionada com o nosso processo de desenvolvimento de tecnologias. Iniciámos o percurso, através da área de medicamentos genéricos, que sabíamos desenvolver bem e produzir de forma competitiva e com grande qualidade. Para ganharmos maior relevância no mercado internacional, o Grupo Tecnimede foi acrescentando diferenciação ao processo, e é nos value added medicines que temos apostado e na disrupção que apostaremos para crescer mais no mercado internacional.
Atualmente, os nossos produtos exportados mais importantes são um injetável com tecnologia de fabrico patenteada para os Estados Unidos e uma combinação fixa inovadora. Mesmo no domínio dos medicamentos genéricos, o mais importante é um produto oncológico que deve ser fabricado em condições especiais. Estamos a expandir o nosso pipeline de medicamentos de valor acrescentado, que nos permitem a diferenciação necessária para crescer internacionalmente:
“é nos value added medicines que apostamos, e na disrupção que apostaremos, para crescer mais no mercado internacional.”
Sabemos que chegaremos à inovação disruptiva, porque já estamos a trabalhar nestas áreas, particularmente a terapia celular e antimicrobianos. Desta forma, iremos realçar mais esta vertente de “born global”, uma vez que produtos inovadores difundem-se mais rapidamente para novos mercados, porque há necessidades médicas não satisfeitas bastante homogéneas por quase todo o mundo.
E no mercado doméstico? Como descreveria o papel do GTM na indústria farmacêutica portuguesa?
“Somos o maior grupo farmacêutico 100% português a operar em Portugal e o segundo maior no mercado de ambulatório, incluindo todas as multinacionais.”
Mais de 50% dos portugueses tem pelo menos uma doença crónica, a maioria das quais é tratada em ambulatório ou em casa. Embora as doenças crónicas possam afetar pessoas de qualquer idade, estão fortemente ligadas aos idosos, que vivem mais tempo. Por outro lado, os doentes crónicos não adoecem sozinhos; a sua família vive esta realidade e também sofre. Enquanto empresa farmacêutica, o nosso papel consiste em fornecer tratamentos para gerir estas doenças crónicas, melhorando assim a qualidade de vida dos doentes e permitindo-lhes, bem como às suas famílias, viver uma vida mais saudável e mais preenchida. Por isso, temos uma presença muito relevante em áreas como a hipertensão, a dislipidemia, a diabetes, a dor crónica, a osteoporose e, mais recentemente, a respiratória.
Para além disso, temos uma unidade de Consumer Healthcare com enfoque nos cuidados orais. Há uma consciência crescente da saúde e do bem-estar, e a população pretende ter um papel mais ativo na gestão da sua saúde. Para além de permitir a todos um melhor bem-estar, os cuidados de saúde da população contribuem para a sustentabilidade a longo prazo dos sistemas de saúde.
E qual considera ser o papel da indústria farmacêutica e do Grupo Tecnimede na sustentabilidade do sistema de saúde em Portugal?
O Grupo Tecnimede contribui para a viabilidade a longo prazo do sistema de saúde português a partir de diferentes perspetivas de valor.
A primeira é a do valor para o doente, que é a base da existência da indústria farmacêutica. O Grupo Tecnimede procura oferecer soluções que respondam às necessidades de tratamento e prevenção, contribuindo para a saúde e qualidade de vida dos cidadãos através do seu próprio desenvolvimento e de parcerias com empresas internacionais.
O segundo é o valor para a população, que passa por garantir a disponibilidade e o acesso. A pandemia e o conflito na Ucrânia mostraram a vulnerabilidade da fragmentação internacional das cadeias de produção e a necessidade de alguma independência em determinadas áreas. O abastecimento suficiente através de empresas portuguesas em áreas críticas como os medicamentos essenciais é uma questão de soberania.
Por último, em termos do valor económico da investigação e da produção farmacêuticas. Se não houver economia, não há Estado-providência. Para acomodar o aumento das despesas de saúde, temos de criar mais prosperidade. A indústria farmacêutica tem um desempenho superior a todos os outros setores da indústria transformadora em termos de produtividade. Tem um valor acrescentado por trabalhador mais elevado do que, por exemplo, os setores automóvel ou aeroespacial. Cria mais emprego qualificado do que indústrias como a eletrónica ou os sistemas informáticos.
“Somos um grupo que investe cerca de 15% das suas receitas em I&D, tem unidades industriais em Portugal e no estrangeiro, exporta e gera riqueza para o país.“
Exportamos medicamentos com valor acrescentado crescente e empregamos centenas de pessoas em Portugal. Temos uma unidade de medicamentos genéricos, a Tecnigen (Portugal, Espanha e Itália), porque sabemos que os medicamentos genéricos reduzem a despesa farmacêutica, aumentam a acessibilidade e criam espaço para a inovação devido às poupanças geradas. Investimos em inovação disruptiva em áreas com necessidades médicas não satisfeitas, empregando pessoas altamente qualificadas em investigação e desenvolvimento.
Referiu-se a parcerias com empresas internacionais. Qual é a relevância destas parcerias no setor farmacêutico?
A criação de ecossistemas com parceiros permite desenvolver capacidades, desenvolver produtos e entrar mais rapidamente em novos mercados, alargando simultaneamente os limites e possibilidades. As abordagens baseadas em clusters têm de ser utilizadas pelas empresas portuguesas. As organizações devem dar prioridade à expansão do negócio, às exportações e às aquisições conjuntas, enquanto desenvolvem a identidade de um cluster e reforçam a inovação através de projetos de I&D em colaboração.
Dado o ritmo acelerado da inovação e o custo do processo, há que dar prioridade aos interesses estratégicos do país, procurar metodologias ágeis, livres de burocracias intransponíveis e do individualismo, assegurar alianças estratégicas, fusões e aquisições, estar disposto a experimentar, ganhar conhecimento rapidamente, falhar e evoluir, e investir em oportunidades de escala.
Que projetos está o Grupo Tecnimede a desenvolver referentes ao desenvolvimento de novas terapias e para responder a necessidades clínicas não satisfeitas, que é a visão da empresa?
A terapia celular, a dor neuropática e os anti-infecciosos estão entre as nossas áreas específicas de inovação.
No que diz respeito à primeira, criámos em parceria com a Universidade de Coimbra o Laboratório UpCells para desenvolver um projeto inovador que consiste em criar uma vacina de células dendríticas direcionada para células cancerígenas, em particular para o tratamento dos carcinomas do pâncreas e do pulmão.
No caso da dor neuropática, uma condição comum de dor crónica que tem um impacto importante na qualidade de vida de uma pessoa, estamos a iniciar ensaios com um novo composto que pode ser utilizado isoladamente ou em combinação para gerir a dor neuropática.
Quanto aos anti-infecciosos, estamos conscientes da necessidade de novos medicamentos, atendendo às taxas crescentes de resistência aos antibióticos. As doenças resistentes aos antibióticos já matam pelo menos 700.000 pessoas por ano e poderão chegar aos 10 milhões em 2050. Por este motivo, temos um pipeline muito interessante neste domínio, mas também sabemos que, apesar das taxas crescentes de resistência aos antibióticos, são necessários novos modelos regulamentares e financeiros para incentivar a inovação em matéria de antibióticos. Estaremos disponíveis para continuar a investir nesta área como parte do nosso compromisso com a sociedade.