Filho de um médico e de uma enfermeira, Francisco Neto Nogueira desde cedo conviveu com a área da saúde. Talvez por essa influência intrínseca tenha enveredado pelo curso de Engenharia Biomédica. Contudo, não imaginava que iniciaria a sua vida profissional logo como empreendedor na área dos dispositivos médicos. A ideia do negócio da Glooma surgiu de um caso pessoal: uma prima sua, a Filipa, detetou, ao fazer auto palpação da mama, que havia qualquer alteração no peito, mas desvalorizou e não foi logo ao médico. Quando foi finalmente a uma consulta confirmou-se o diagnóstico de cancro da mama, que, embora numa fase mais adiantada, foi devidamente tratado.
Foi então que Francisco, recém-formado, pensou em desenvolver algo que pudesse ajudar as mulheres a ter confiança na auto palpação e que fossem ao médico o mais cedo possível. “Apercebi-me de que muitas outras mulheres não têm confiança a fazer auto palpação, ou esquecem-se de a fazer, verificando-se que 35% dos cancros da mama não são detetados na sua fase mais precoce. É um cancro muito comum, mas que ainda é detetado, muitas vezes, tardiamente”, explica o CEO e co-fundador da Glooma.
Foi com base neste problema que Francisco falou com o amigo Frederico Stock – atual CFO-, optometrista de profissão, e com um mestrado em gestão, que se disponibilizou a ajudar no lançamento do negócio. Partindo desta ideia, em maio de 2020, começaram juntos a desenvolver o projeto mais a sério. “Comecei a ler imensos artigos científicos nesta área e a encomendar alguns sensores. Como tinha feito o curso de Engenharia Biomédica tinha alguns conhecimentos e aprendizagens de eletrónica e comecei a fazer um circuito em casa e testar alguns sensores. Em maio ainda não tínhamos protótipo, mas já tinha uma ideia daquilo que viria a ser”, explica Francisco. Durante o ano de 2020, em plena pandemia, foram desenvolvendo os sensores, aplicados a uma luva. Surgiu assim a SenseGlove, um dispositivo médico de rastreio doméstico e portátil, que complementa o auto exame mamário.
“Trata-se de um dispositivo de saúde para as mulheres monitorizarem em casa a textura do seu tecido mamário, e sempre que surgir uma alteração terem disso registo”, explica o CEO. O dispositivo está ligado a uma aplicação de telemóvel que regista o baseline de cada mulher, acompanhadas de uma série de perguntas de despiste, tais como, se a mulher teve uma semana muito stressante, se está no período menstrual, se mudou a pílula ou começou a introduzir medicamento hormonal. “Através destas perguntas verifica-se se há alguma coisa que possa despoletar uma alteração. Se houver, o que fazemos é recomendar a utilização da luva passado uma semana ou mais”, diz Francisco.
Na aplicação está o tutorial para fazer a palpação, mostrando como a mulher deve fazer quadrante por quadrante. Esta aplicação alerta para todas as alterações, sejam benignas ou malignas. Trata-se de um dispositivo de saúde, de wellness e não de deteção de cancro, esclarece o CEO. “É um processo muito simples. Caso surja uma alteração em comparação com o mês anterior a utilizadora é alertada para isso. Uma das hipóteses ainda em aberto é conectar logo estas mulheres aos seus médicos”, explica Francisco.
Os primeiros 500 mil euros de financiamento
Desenvolvido o protótipo, foi montado o negócio e candidataram-se a um programa de pré-aceleração na Universidade Católica, um programa de três meses que acabaram por ganhar. E foi o primeiro de muitos. Quando viram que o negócio tinha “pernas para andar” formaram a empresa, com sede em Braga, em junho de 2021, sendo que inicialmente a equipa era apenas constituída pelos dois fundadores. Hoje já são seis elementos, dos quais três engenheiros, e mais quatro pessoas em part-time.
O investimento inicial foi apenas capital próprio, conseguido com a ajuda de familiares e a abordagem foi a seguinte: “em vez de irmos logo à procura de investimento, fomos à procura de programas, para aprender mais e ganhar algum dinheiro. Arrecadamos 100 mil euros só em programas, equity free, sem dar percentagem da empresa”, explica o co-fundador. Entretanto, três anos passados desde a ideia, a empresa fechou uma ronda de investimento 250 mil euros, realizada através da Portugal Ventura e de um grupo de business angels. Além disso está em processo de financiamento via Banco Português de Fomento, onde entrarão mais 233 mil euros. “Assim fechamos esta pre-seed com quase 500 mil euros”, explica Francisco Neto Nogueira. Este primeiro montante serviu para entregar os primeiros pilotos pagos. As pré-vendas foram feitas através de uma página no site, no qual qualquer mulher podia fazer uma pré-reserva. “Às 100 primeiras fizemos uma promoção de 44,99 euros”, explica o responsável. Todo o desenvolvimento e produção é feito em Portugal.
Nova ronda de investimento com os Estados Unidos na mira
Francisco Nogueira revela que estão agora a preparar uma nova ronda de investimento. Este financiamento é necessário para avançar com o próximo passo: a internacionalização para os Estados Unidos. “Daqui a três anos vemo-nos no mercado norte-americano, é este o nosso objetivo. Há aceitação por parte do consumidor final, há interesse do lado das seguradoras e há também interesse da parte dos investidores”, diz. Procuram, sobretudo investidores norte americanos que tenham interesse na área da femme tech e investidores de impacto. “Estamos a conversar com um investidor de Boston, que investe muito em femme tech e em impacto e podem muito bem vir a esses esses os nossos primeiros investidores”. revela.
Certo é que o caminho de certificação nos Estados Unidos é menos dispendioso e muito mais rápido do que na Europa. “Estivemos num programa de aceleração nos Estados Unidos, entre março e junho, e como percebemos que podemos ter um dispositivo médico de Classe 1 nos Estados Unidos, uma vez que as nossas reivindicações estão de acordo com isto, devemos chegar muito mais rápido ao mercado”, explica o CEO. “Queremos fazer a diferença na vida das mulheres e por isso é que vamos agora com uma classe médica mais baixa e depois quando lá estivermos o objetivo é crescer para uma Classe 2. Aqui na Europa somos sempre 2A, o que exige mais tempo e mais dinheiro”, remata.