A gelataria Nannarela, em São Bento, Lisboa, é um exemplo do sucesso que o negócio dos gelados está a atravessar. Ano após ano, as vendas da marca que começou numa loja com apenas 18 metros quadrados têm vindo a dobrar e este ano deverão ascender aos 800 mil euros.
A arte pertence a Costanza Ventura, a fundadora, que falou com a FORBES num café do qual é proprietária, mesmo em frente à gelataria e à pizzaria que também são suas – uma zona quase romana, pois foi tudo feito de forma a tornar a experiência dos clientes o mais italiana possível.
Decidida e ponderada, soube dar os passos certos nos momentos certos e isso ficou claro no momento em que foi contactada pelo El Corte Inglés para instalar uma gelataria naquele que é um dos mais exclusivos centros comerciais de Lisboa, um convite que teve que adiar para não correr o risco de dar um passo maior que a perna.
A Nannarella abriu em 2013, no número 68 da mesma rua onde está hoje, a Rua da Piedade, mas agora no número 64. A mudança deveu-se ao crescimento ao estilo start-up, que rapidamente tornou o espaço insuficiente para suportar a produção diária e as filas de pessoas que se acumulavam na rua para comprar um gelado, e obrigou a um investimento de 100 mil euros. Foi nesta fase que Costanza foi procurada pela superfície comercial, mas não se deixou deslumbrar. Sem capacidade de produção, tomou a decisão de pedir ao El Corte Inglés para esperar que a obra estivesse terminada. “Naquele momento não podia aceitar”, confessa a italiana.
O espaço inicial da Nannarella já era insuficiente para suportar as filas de pessoas que se acumulavam na rua para comprar um gelado.
Hoje, olhando para trás acredita que foi a decisão correcta, porque “seria aceitar uma responsabilidade à qual não tinha capacidade de resposta”, explica. Crescer rapidamente implica capital e recursos humanos que Costanza não tinha em abundância para poder responder ao aumento da produção.
A logística com o leite, um dos ingredientes indispensáveis para o fabrico dos gelados, é um exemplo das dificuldades iniciais da empreendedora. O fornecedor fazia entregas duas vezes por semana, mas Costanza não tinha frigorífico para armazenar as quantidades necessárias para aguentar a procura até à entrega seguinte, o que a obrigou a ser ela a ir comprar o leite, de mota. “Cheguei a transportar 80 litros de leite numa motinha”, conta.
Curiosamente, foi após algumas idas ao leite que a italiana se apercebeu que o El Corte Inglés fazia a entrega gratuita de compras acima dos 140 euros e começou a encomendar o leite aos agora parceiros da gelataria. “Eu encomendava 200 litros de leite e eles ligavam-me desesperados porque não tinham essas quantidades”, recorda divertida.
A solução para a logística do leite acabou por surgir quando o antigo fornecedor ofereceu um frigorífico a Costanza para poder voltar a trabalhar com a Nannarella. A gelataria ganhou espaço para o leite e para crescer.
Entrou no El Corte Inglés pelo sector do gourmet, com a venda em caixas, e hoje tem um balcão no sétimo andar, um espaço de exclusividade dedicado à restauração de qualidade, que representou um investimento de 50 mil euros.
O convite do El Corte Inglés surgiu no momento em que a gelataria Santini saiu do espaço, mas Costanza não acredita que tenham optado pela Nannarella para ocupar o lugar deles, mas sim que foi contactada porque a outra gelataria ia sair. Da parte do El Corte Inglés, a escolha da Nannarella está relacionada com o facto de esta se ter afirmado em Lisboa “como uma referência de qualidade e exclusividade”. Procuram oferecer aos clientes o melhor do mercado e, por isso, esta parceria sempre lhes pareceu um passo natural. “É uma marca que comunga connosco dessa permanente exigência de qualidade e que os clientes avaliam como tendo os melhores gelados da cidade”, afirmam.
Negócios de família
Quanto vale a Santini? Para Eduardo Santini será uma soma incalculável. Em conversa com a FORBES, na loja de Cascais, Eduardo Santini, o neto do fundador de uma das gelatarias mais conhecidas do país, não conseguiu esconder a ligação afectiva que tem ao negócio. “Quando saí da maternidade vim logo para a loja, os primeiros alimentos que comi foram gelados, a primeira vez que andei de trotinete ou parti a cabeça foi nesta loja”, conta.
No negócio dos gelados, é frequente as empresas serem de cariz familiar. Além da Santini que já vai na terceira geração, também a Nannarella surgiu de uma sociedade conjugal, entretanto desfeita, mas Costanza aprecia o termo. “Sim é um negócio absolutamente familiar, ainda que só meu”, diz, a rir.
A Gelato Davvero também não foge ao conceito. Nesta, os fundadores não estão ligados por laços de sangue, mas são amigos desde crianças e decidiram abrir juntos uma gelataria tradicional romana em plena capital portuguesa.
Filippo Licitra e Riccardo Farabegoli produzem os gelados na fábrica em Santos, Lisboa, que fornece “todas as lojas da marca, restaurantes, hotéis e pontos de venda com parceria”, conta Riccardo.
Porém, na Santini, que já vai na terceira geração, esta tradição familiar foi recentemente quebrada. Em 2009, a empresa abriu o capital e Filipe de Botton, fundador da Logoplaste, tornou-se accionista da gelataria ao adquirir 50% do capital da empresa. A sociedade deu-se numa altura em que os Santini queriam dar um passo maior e porque quem estava prestes a entrar para a estrutura accionista era uma família amiga, com experiência na área dos negócios e que conhecia bem a gelataria.
A Santini saiu assim da esfera familiar onde teve durante 60 anos, mas, na visão de Eduardo, a gelataria “continua a ser um negócio de família”. Até pode ser, mas tornou-se com certeza num negócio de maior dimensão. Desde a entrada de Filipe de Botton no capital da empresa, o número de lojas multiplicou-se o volume de também.
A Santini saiu da esfera familiar onde teve durante 60 anos, mas, na visão de Eduardo Santini, a gelataria “continua a ser um negócio de família”.
Em 2016, a Santini facturou 5,1 milhões de euros, quatro vezes mais do que em 2009, um volume de vendas que avalia a empresa em cerca de 25 milhões de euros. Numa altura em que Lisboa está cheia de turistas, é inevitável que grande parte dos clientes das gelatarias sejam estrangeiros. “Nós sentimos muito isso nas filas, por exemplo, ao domingo ou nos feriados metade da fila são turistas”, conta Costanza.
Ainda assim, a empreendedora sublinha que a Nannarella se identifica como “uma gelataria de bairro”, criada para as famílias. Os gelados são feitos de uma forma totalmente artesanal, servidos com uma espátula e com oferta de natas batidas, mesmo ao estilo romano. Há muitas gelatarias artesanais em Portugal.
Foram aumentando ao longo dos anos e hoje são muitas as casas que gozam do estatuto. Costanza gostava de, no futuro, conseguir ver o conceito de gelado artesanal definido a nível politico e acredita que isso levaria alguns locais a perder a posição. No caso da sua gelataria, nenhuma das receitas tem presente produtos químicos e partem sempre da composição dos ingredientes para conseguirem a consistência que desejam para o gelado artesanal: cremosa, sem areias e sem gelo. “O nosso produto é artesanal, feito todo com as mãos”, diz.
O conceito de gelataria artesanal não é um objectivo para todos e há muitas pessoas a arriscar conceitos completamente diferentes e novos em Portugal.
A gelataria HeyMate, negócio de António Dias e Ricardo Paulos, é um exemplo. Os dois amigos decidiram criar uma empresa nesta área durante uma viagem pela Austrália, mas foi na Indonésia que encontraram a ideia de negócio que queriam abraçar. São gelados feitos na hora e servidos em rolinhos, uma técnica com bastante sucesso que desperta curiosidade nas pessoas, levando-as à loja não só para consumir o gelado, mas também para ver o seu processo de criação. “As pessoas que se deslocam aqui vêm ter uma experiência”, conta Ricardo realçando que é também por isso que são diferentes.
Outro exemplo que marca pela diferença é o Laboratório do Gelado Sub 196. A primeira prende-se logo com o facto de Pedro Viana, o fundador, não ter um espaço físico para a gelataria e ter optado por fazer apenas eventos e entregas a particulares. Aqui o gelado é feito no momento com a ajuda de azoto líquido. “O gelado em vez de demorar 20 minutos numa máquina normal, é submetido a um processo que o faz passar do estado líquido para sólido em menos de um minuto”, conta Pedro.
Vencer a sazonalidade
Um dos grandes problemas que qualquer gelataria enfrenta é a sazonalidade. Ainda assim, muitos têm uma ideia errada relativamente a essa questão. A verdade é que Agosto não é o melhor mês no que diz respeito a vendas, nem Dezembro o pior. Muito pelo contrário.
Costanza considera que, do ponto de vista do gelado, o inverno em Portugal resume-se aos meses de Janeiro e Fevereiro e é nesses que as vendas baixam. Desses dois meses para os que vende mais – Junho, Setembro, Dezembro – as vendas chegam a quadruplicar. Agosto, o mês quente, acaba por ser uma baixa nas vendas pois muitas pessoas gozam férias nessa altura e fazem-no fora de Lisboa.
O clima por terras lusas é perfeito para o consumo de gelados. O ideal são temperaturas entre os 20 e os 30 graus e ausência de vagas extremas de calor ou frio. Sendo assim, e ainda que o frio dificulte o negócio, o maior problema é a chuva. Para a Nannarella, a parceria com o El Corte Inglés veio solucionar essa questão. Sempre que a chuva for um impedimento para aguardar na fila da loja, há uma opção num espaço coberto onde os clientes poderão consumir os gelados de forma confortável.
A Santini não tem uma loja mais rentável, varia muito de época para época. A loja de Cascais, por exemplo, é muito forte no Verão e mais fraca no Inverno. Este facto levou à abertura de um novo espaço junto à baía por ser uma zona mais acessível para os turistas. Assim vai ser possível fechar a primeira loja durante a época em que não rende tanto.
O clima por terras lusas é perfeito para o consumo de gelados. O ideal são temperaturas entre os 20 e os 30 graus e ausência de vagas extremas de calor ou frio.
Por outro lado, a loja do Chiado é mais constante e muito procurada, acabando por não sofrer tanto das variações do clima. Ainda assim, este é um problema a que a gelataria não consegue fugir totalmente. Eduardo afirma que no inverno a produção é de cerca de dois mil litros por dia e no verão chega a duplicar.
A criação de uma equipa com as pessoas certas foi um dos passos essenciais para o sucesso da Nannarella, ainda mais depois do fracasso da sociedade que fundou o negócio. Costanza tem ao seu lado pessoas especializadas na parte burocrática, pessoas que a ajudam no laboratório e os funcionários do balcão. Ao todo são cerca de 30, mas a fundadora junta ainda as pessoas do bairro que sempre a ajudaram. “As velhotas todas trabalhavam para mim, agora algumas cansaram-se”, conta divertida recordando as senhoras que a ajudam a cortar a fruta.
Outros ingredientes para o sucesso, segundo Costanza, foram o facto de ter acertado no produto e no momento, ter preços mais baixos e uma história de vida – primeiro pela imagem da família e em seguida pelo facto de ter avançado com o negócio sozinha.
“Aqui no bairro sou muito amada pelas senhoras”, conta a mulher que reergueu o negócio que fundou. Para manter esta boa imagem, é necessário manter a qualidade do gelado e, por esse motivo, quantidade não está nos objectivos de Costanza.
A marca Santini vai continuar a abrir lojas em Lisboa e apostar em voos mais altos, como a internacionalização.
“Abrir, abrir, abrir. É o que toda a gente espera de mim e o que eu não vou fazer”, afirma. Sendo este um negócio totalmente artesanal, a proprietária não considera que consiga aumentar a produção de forma exponencial sem comprometer a qualidade do produto.
Nem todas as pessoas olham para os negócios da mesma maneira e do lado da Santini acredita-se que a massificação não veio comprometer a qualidade do gelado nem retirar o título de artesanal à gelataria. Com a entrada de Filipe de Botton na estrutura accionista da empresa, as decisões passaram a ser tomadas pelas duas partes, ainda que a família fundadora esteja mais focada na produção e os investidores nas vendas.
Mas, se houve um ponto em que sempre concordaram, foi na expansão. Em 2010 abriram a loja do Chiado e, a partir daí, foi sempre a crescer até às actuais dez lojas.
Apesar de ambas as gelatarias terem claro que a aposta no franchising não é uma opção, a Nannarella e a Santini seguem caminhos opostos. Para o futuro, Costanza quer estabilidade, uma forte aposta na formação e a tentativa de levar o conceito de gelado artesanal à esfera politica.
Já a marca Santini vai continuar a abrir lojas em Lisboa e apostar em voos mais altos. Eduardo afirma que a aposta na internacionalização vai acontecer, mas com muita ponderação.
“Se houver algum entrave que achemos que não vamos conseguir, vamos esquecer”, afirma com a certeza de que a internacionalização é um objectivo, mas não uma obrigatoriedade.