Francisca Van Dunem foi a personalidade distinguida com o prémio My Forbes, atribuído pela revista Forbes Portugal durante a 2ª edição do evento anual dedicado às mulheres que se destacam em várias áreas de atividade. O Forbes Women’s Summit decorreu ontem, dia 28 de Maio, no espaço TimeOut em Lisboa, e reuniu participantes de todo o país.
O prémio que lhe foi entregue em palco pela equipa da Media Nove, um tinteiro do século XIX, com o seu nome gravado, foi oferecido por António Amante, da empresa Espadim 1985. Das mãos do filho José, recebeu um ramo de flores, gentilmente cedido por Tatiana Vieira, da escola de arte floral A Florista, situada na zona oriental de Lisboa.
A magistrada, que se mostrou visivelmente honrada e agradecida, refere que este prémio é de todas as mulheres, sobretudo de todas aquelas que abriram as portas do espaço onde foram confinadas, nomeadamente a casa e a família, e que seguiram destinos diferentes daqueles a que estavam predestinadas. “Orgulho-me muito de pertencer a esta categoria de pessoas, aquelas que exercem funções de liderança”, disse no discurso de entrega do prémio.
Francisca Van Dunem disse ainda que, infelizmente “as lideranças femininas têm menos de 50 anos, mas temos atualmente lideranças femininas em áreas como a das ciências, das letras, das artes, dos desportos, da economia e das finanças. Porém, acrescenta que “apesar de tudo não encontramos ainda um balanço que nos permita dizer que estamos a viver em sociedades equitativas do ponto de vista da igualdade de género”.
Relembra a audiência que ultrapassamos um estádio de predestinação para que estavam orientadas as nossas mulheres que até para gerirem o seu próprio património, antes do código civil de 1976, precisavam da autorização do marido, que era o chefe de família. “Esta figura do chefe de família existia no Direito, e a partir de 1976 conseguimos romper as barreiras que vedavam a presença das mulheres em múltiplos espaços e também que lhes impediam o acesso a imensas profissões. Sou magistrada e fiz uma carreia como magistrada e não poderia tê-lo feito antes porque esta profissão estava vedada às mulheres através de uma clausula que dizia que o acesso a determinada profissão era possível a cidadãos portugueses de sexo masculino”, referiu no seu discurso.
Explica ainda que, noutros tempos, os tribunais e as policias tinham procedimentos impensáveis como devolver aos maridos as mulheres que abandonassem o lar, como um objeto que é devolvido ao verdadeiro dono. “Contudo, ao vivermos esta experiência de autodeterminação, não podemos esquecer que existem próximo de nós quadros em que raparigas são condicionadas na escolha do seu destino, retiradas muito jovens do ensino formal, alienando qualquer possibilidade de ter outra perspectiva de futuro que não casamentos de sujeição, a maternidade e o envelhecimento precoce. Essas meninas precisam que, por elas, usemos a nossa voz ajudando-as a libertarem-se e a libertar o mundo dessa apologia que ainda persiste”, rematou.
Francisca Van Dunem relembrou ainda no seu discurso de agradecimento que foi contemporânea de Carlos Tiny, pai do N’Gunu Tiny, fundador do grupo Media Nove, proprietário da Forbes Portugal, de quem foi colega nos tempos de estudante, ainda que em áreas de estudo diferentes. A homenageada recorda Carlos Tiny, médico, político e embaixador, falecido em 2022, como sendo “um orador de eleição, brilhante e apaixonado, que enchia de luz as intensas discussões nas casas de estudantes das colónias. Era uma figura notável. Perdemos o contacto, mas sei que fez uma carreira brilhante, nomeadamente na OMS”, refere.
A vida preenchida de Francisca Van Dunem
Nascida a 5 de novembro de 1955, na cidade de Luanda, em Angola, Francisca Eugénia da Silva Dias Van Dunem estava destinada a quebrar barreiras e a inscrever o seu nome na história de Portugal. Desde cedo, a sua vida parecia entrelaçada com a justiça e a incessante busca pela igualdade.
É hoje muito mais do que uma jurista, é um ícone de perseverança. O seu legado vai além das reformas que implementou: reside, sobretudo, na inspiração que oferece a jovens, mulheres e homens de todas as origens.
Cresceu em Luanda, imersa na riqueza cultural e na energia da sua terra natal, e, talvez por isso, tenha absorvido a força e a resiliência de um povo que sonhava com a liberdade.
Em 1973, aos 18 anos, deixou Angola rumo a Portugal, e ingressou na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, uma instituição prestigiada onde os seus talentos jurídicos se evidenciaram. Licenciou-se em Direito, em 1977, e prosseguiu os seus estudos em Ciências Jurídico-Económicas, construindo uma base sólida para a brilhante carreira que se seguiria.
A entrada de Francisca Van Dunem no Ministério Público, em 1979, representou uma lufada de ar fresco num sistema que necessitava de renovação e destacou-se rapidamente pela sua dedicação e capacidade de trabalho. Em 2001, foi promovida a Procuradora-Geral Adjunta e, em 2007, assumiu a liderança do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa.
Em novembro de 2015, fez história ao ser nomeada Ministra da Justiça, no Governo de António Costa, tornando-se a primeira mulher negra a liderar um ministério em Portugal. Esta nomeação representou um símbolo de mudança.
Em 2021, Van Dunem assumiu também o cargo de Ministra da Administração Interna, e enfrentou os desafios da função com a mesma determinação que marcou toda a sua carreira.
Casada com Eduardo Paz Ferreira, advogado e professor universitário, e mãe de dois filhos, Francisca Van Dunem é uma figura respeitada, não apenas em Portugal, mas no mundo da lusofonia. A sua trajetória prova que com coragem e determinação podemos moldar um mundo mais justo e equitativo para todos.
(Com Sita Sebastião)