O diretor da Médicos Sem Fronteiras Portugal, João Antunes, foi convidado a fazer o encerramento do “Forbes HealthCare Summit – O futuro da Saúde” que decorreu no Hotel Doubletree By Hilton Lisbon – Fontana Park. Com base no desafio lançado pela Forbes Portugal para que deixasse uma mensagem sob o lema “Saúde próxima de todos”, João Antunes sublinhou que hoje ação humanitária não se resume apenas a prestar cuidados de saúde como indicia o nome da organização humanitária. É também estar próximo das populações que estão a viver em situações de emergência, a quem prestam assistência, e criar impacto. Nas palavras do diretor geral da Médicos Sem Fronteiras Portugal é também “restaurar dignidade, trazer esse alívio ao sofrimento que estas populações estão a sofrer”. Sem esquecer os aspetos tradicionais que se incluem na ação humanitária como água, saneamento, nutrição, alimentação, entre outros.
João Antunes referiu que “percebermos também que apesar dos desafios, temos de sentir que a nossa resposta nestes lugares é extremamente importante”. E socorreu-se da verdade dos números para salientar o impacto que a organização vai tendo junto das populações dos 74 países onde está presente. “Só em 2023 prestámos mais de 16 milhões de consultas, tivemos cerca de 1,4 milhões internamentos em estruturas de saúde geridas diretamente pela Médicos Sem Fronteiras. Foram 300 mil partos num ano”, detalhou o responsável pela filial portuguesa da Médicos Sem fronteiras. E destacou que, para se chegar a estes números e estar presente nestes países “faz com que a nossa dedicação, o nosso compromisso tenha de ser muitas vezes sete dias por semana, 24 horas por dia, 365 dias ao ano”. Esta dedicação a tempo inteiro faz ainda perceber que “se formos dividindo estes ratios percebemos que, por exemplo, por dia, damos cerca de 40 mil consultas, internámos mais de quatro mil pessoas em estruturas apoiadas pela Médicos Sem Fronteiras e foram quase mil partos por dia nestes países”.
Mesmo com este desempenho, João Antunes não deixou de lamentar que “ainda assim não conseguimos estar suficientemente próximos de certas populações, um dos grandes desafios da ação humanitária”. E aqui destacou o exemplo da Faixa de Gaza, onde “com todos estes desafios que estamos a sentir, mesmo com a Médicos Sem Fronteiras, com o espaço humanitário cada vez mais questionado, pois em cerca de um ano de conflito conseguimos ainda assim prestar cinco mil cirurgias neste contexto”.
Na Ucrânia, também outro palco de crise humanitária mais mediatizada, João Antunes destacou que “sentindo também que entre a linha da frente, que há uma sobrecarga dos hospitais que estão ali na proximidade, de pacientes graves em estado muito grave conseguimos implementar um comboio medicalizado que faça as evacuações de pacientes graves até mais de 2 mil, 3 mil, 4 mil quilómetros de distância onde possam ser atendidos”. Por isso, sublinhou que “perante estes desafios da proximidade, reafirmamos esta proximidade com a nossa presença, como em Gaza ou com uma presença, de certa forma, inovadora, medicalizando um comboio inteiro”.
Ainda sobre o trabalho da organização humanitária fundada em 1971, o administrador português da Médicos Sem Fronteiras sublinhou que “somos uma transferência direta do que é a solidariedade da sociedade civil portuguesa que se mostra cada vez mais presente, preocupada e querendo também colaborar no trabalho que fazemos no terreno”. A prova é que “98% dos nossos fundos vem de pessoas, como qualquer um de nós aqui. Dependemos quase inteiramente de donativos ou de doações, de não-governos, digamos assim, de donativos privados”.
Para João Antunes é esta força que dá a capacidade de estar presentes em todos estes países. E sublinhou que “não estamos sozinhos. O trabalho de proximidade não se faz, eu, João Antunes, que vou a um determinado país, missão, não implemento com a minha equipa internacional, porque estes números obviamente são impossíveis lá chegar”. Por isso, 90% das equipas são profissionais recrutados no terreno. “E aqui vem o nosso grande exemplo de resiliência. Podemos pensar nos dois exemplos que dei em conflitos, sentindo que a tua própria família, sentindo que a tua própria vida pode estar em risco e são sempre os primeiros a dar resposta, muitas vezes, sem receber salário, muitas vezes trabalhando horas inumanas, dia após dia, e sentindo realmente o quanto podes aprender com esta proximidade com os profissionais locais”, detalhou.
Outro exemplo de como o apoio local está sempre presente aconteceu entre 2015 e 2016 quando deflagrou a epidemia do Ébola, na Serra Leoa, e João Antunes esteve no terreno. Na altura, lembrou que “ainda muito pouco se sabia sobre isso, não havia ainda a vacina, havia tantas dúvidas, e eram as primeiras pessoas que estavam a dar resposta. Eram os profissionais locais de saúde, mas não só, num contexto verdadeiramente apocalíptico”.
E concluiu lembrando as palavras do presidente internacional da organização quando receberam o Prémio Nobel da Paz, em 1999, que “dizia que tínhamos a certeza de que, se calhar, as palavras não salvam vidas, mas que não sabemos realmente se o silêncio verdadeiramente pode matar ou não”.