O Banco Mundial estima que existam mais de 216 milhões de migrantes em todo o mundo. Trata-se de um valor equivalente a 3% da população mundial. Deste bolo, o organismo internacional estima que 2,3 milhões sejam portugueses.
Não sendo um dos grandes países de emigração, como o México ou a Índia, que contam com mais de 11 milhões de emigrantes, Portugal é o país da União Europeia (e o 22.º do mundo) com mais emigrantes em proporção da população residente.
Os últimos números disponíveis do Banco Mundial sobre o tema apontam para que o número de emigrantes portugueses supere os 2 milhões, “o que significa que mais de 20% dos portugueses vive fora do país em que nasceu”, refere o Observatório da Emigração no relatório estatístico de 2015, publicado em Julho do ano passado.
Para a economia nacional, os últimos anos têm sido particularmente marcados por uma forte saída de portugueses do país. O Observatório da Emigração refere que entre 2010 e 2013, o número de saídas de Portugal cresceu mais de 50%.
O Instituto Nacional de Estatística estima que em 2014 o número de emigrantes portugueses ultrapassou a fasquia das 134 mil pessoas. “É preciso recuar a 1973 para se encontrar valores para a emigração desta ordem de grandeza”, refere o documento.
A crise económica e uma forte política de austeridade que tomou conta do país no último quinquénio são factores que servem para justificar parte destes números. Entre a franja da população onde essa realidade é mais visível destacam-se os jovens.
Com o desemprego jovem a atingir níveis recorde (o valor mais alto foi atingido em Fevereiro de 2012, com a taxa de desemprego jovem a situar-se nos 40,7%, quase o dobro da média dos países 28 países da União Europeia), não havia muitas outras alternativas aos jovens portugueses que não fosse procurar opções no estrangeiro. Foi isso que fizeram Marta Jales e Pedro Valentim.
Namoram há cinco anos e mudaram-se para Londres há quase três. Ela trabalhava numa consultora de comunicação, ele era programador, ambos em Lisboa. Decidiram partir para Londres em 2013 depois de uma proposta de trabalho muito vantajosa que foi apresentada a Pedro. Ele foi primeiro para o Reino Unido, ela juntou-se a ele meses depois.
Vivem agora confortavelmente numa das maiores cidades do mundo, com bons salários e satisfeitos profissionalmente. Ele não pensa em voltar, ela considera essa hipótese.
O Reino Unido é actualmente o país para onde emigram mais portugueses. É assim desde 2011. Em 2014, o país de Sua Majestade recebeu 31 mil portugueses.
O relatório do Observatório de Emigração refere que “os portugueses que aí chegaram nos últimos cinco anos incluem uma proporção de indivíduos com ensino superior mais elevada do que a observada na emigração para outros destinos” e que se trata de um fluxo composto predominantemente por jovens adultos (cerca de um terço tem entre 25 a 34 anos de idade) que se fixam maioritariamente em Londres (cerca de 50% em 2014).
O futuro não é aqui
A partir da capital britânica, numa conversa por Skype, Marta e Pedro manifestam opiniões contraditórias sobre o regresso. Marta tem saudades de Portugal, do sol, da vida portuguesa. Pedro só pensa no próximo passo, que não inclui necessariamente Portugal. Contudo, sabem que o regresso não acontecerá se isso significar um retorno ao mundo do trabalho português como eles o conhecem – e do qual fugiram.
Do ordenado mínimo que lhe queriam pagar em Portugal, Marta passou para uma empresa com possibilidades de progressão de carreira, objectivos claros, avaliações de desempenho regulares e um bom salário. O mesmo aconteceu com Pedro.
“A ideia que tenho é de que as pessoas que saíram não vão voltar para Portugal para trabalhar para outras pessoas. Toda a gente que saiu percebeu que, em Portugal, os gestores e os donos das empresas não têm noção nenhuma do que é trabalhar bem. Ninguém quer voltar para Portugal para as condições que tinham antes”, refere Pedro.
Voltar torna-se assim difícil. O regresso, segundo Pedro, é somente visto em caso de isso significar “abrir um negócio próprio” ou arranjar um trabalho numa empresa “cujos donos sejam desta nova geração, com uma mentalidade diferente” .
O adiamento do regresso a casa por parte do jovem casal não é uma excepção. Um inquérito realizado em 2014 pelo Observatório de Emigração a enfermeiros portugueses no Reino Unido, um dos grupos profissionais com taxas de emigração mais elevadas para este destino, permite aferir isso mesmo.
Os resultados “permitem concluir que estamos perante uma imigração predominantemente jovem de recém-licenciados, recrutados por agências empregadoras, já com percursos de mobilidade profissional e com fracas intenções de regresso a Portugal”, salienta o organismo nacional.
Depois de se ganhar experiência num percurso profissional no exterior em áreas que, em Portugal, têm limitações em termos de escala, como a investigação científica ou a cultura, torna-se difícil voltar a entrar no país nas mesmas áreas, com poucas oportunidades. Bernardo Sousa de Macedo é um desses casos.
Licenciado em Direito pela Universidade Nova de Lisboa, tem vocação para a área cultural e, em específico, para o teatro musical. Depois de um ano a trabalhar no Ministério da Justiça, resolveu, insatisfeito, ir-se embora de Portugal para “se aventurar nesta área muito específica”, conta.
Como já tinha estado em Munique ao abrigo do programa para estudantes “Erasmus” em 2007, e como já tinha experimentado trabalhar na área de gestão cultural em 2008, em Bayreuth, a escolha natural foi a Alemanha. Conseguiu um trabalho na Ópera Estatal da Baviera pouco tempo depois de lá ter chegado.
“Nós temos uma tradição de apoio à ópera, mas que estava morta quando saí de Portugal. Não tinha grande alternativa. Naquela altura era um absoluto vazio”, diz.
Agora trabalha no Gartnerplatztheater, uma sala de espectáculos na cidade de Munique, e voltou aos bancos da faculdade, para estudar Teatrologia na Ludwig-Maximilians Universität. Bernardo imagina-se a regressar “daqui a uns anos valentes, talvez dez.”
Para já não faz sentido. Estou muito bem integrado. Tenho os meus amigos, alemães, não estou a viver numa redoma de expatriados, foi um investimento muito grande em termos emocionais e de tempo e não quero voltar e deitar tudo a perder”.
Segundo João Peixoto, sociólogo e professor no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), especialista em migrações, “muitas das pessoas que saem têm sempre um projecto de regresso, mesmo que seja um projecto adiado.”
Contudo, Peixoto refere que “nós, os cientistas, sabemos pouco sobre a estratégia dos migrantes, mas os próprios migrantes também não sabem o que fazer daí a alguns meses. É normal que nos projectos de saída exista uma ideia de regresso, que só o tempo provará se se vai consubstanciar em realidade”.
O regresso é, em grande parte, impedido por este tipo de futuras expectativas da parte dos emigrantes em relação às carreiras profissionais. “Se quiséssemos ter uma política eficaz que conseguisse que as pessoas regressassem, teríamos não apenas de criar empregos, mas fazer com que os salários deixem de ser salários de 500 euros e desbloquear as carreiras para as pessoas mais jovens”, explica o professor do ISEG.
“As expectativas em relação à economia são decisivas para a análise de um eventual regresso”, acrescenta.
Para Bernardo, a questão do regresso só se porá quando sentir que amadureceu profissionalmente na área: “Não quero trabalhar numa função intermédia em Portugal”.
O jovem adianta que “se voltasse, à partida, não seria numa de voltar e mandar currículos. Idealmente, começaria a fazer contactos a partir de Munique, a falar com pessoas, e mudar-me para Portugal se houver alguma coisa de apetecível”.
Saudades de casa
Na hora da decisão de um eventual regresso, há ainda outra variável importante: os afectos. “Cada um de nós é um indivíduo único, com uma história única. O regresso tem sempre a ver com particularidades da história de cada um”, salienta Peixoto.
Elementos como família, parceiros amorosos e amigos vêm baralhar as contas da simples racionalidade financeira. André Vidal, de 24 anos, é um desses casos. Licenciado em Ciências da Comunicação com mestrado em Jornalismo, resolveu fazer as malas e ir para Budapeste, na Hungria, depois de meses à procura de emprego, e não necessariamente na sua área.
“Fui a mais de 20 entrevistas e nunca tive a oportunidade de ficar em nenhum sítio. Primeiro comecei por concorrer em coisas na área de jornalismo e da comunicação empresarial, depois comecei a concorrer a tudo o que aparecia, desde lojas, trabalhar em restaurantes”, sendo que a inexperiência o impediu de conseguir um trabalho.
André decidiu então partir para a capital da Hungria, onde já tinha um primo a viver, e arranjou um trabalho como administrativo na petrolífera BP. Contudo, no seu horizonte estava desde a primeira hora o regresso ao seu país.
“Sempre quis viver e trabalhar em Portugal. Desde o momento em que vim, que penso em voltar. Penso nisso frequentemente”, conta, antecipando que planeia ficar pelo menos um ano na Hungria antes de reavaliar um regresso definitivo.
André nunca pensou em fazer uma carreira internacional. Por isso, o plano do jovem é voltar a enviar currículos, explica, “e ter já um emprego assegurado quando regressar.” A via tradicional para arranjar emprego, no fundo.
Para esta geração que parte, o país tem de mudar, pois esta nova emigração qualificada não voltará para as mesmas condições das quais, desiludida, fugiu. É por isso que os regressos irão muito provavelmente passar pelo empreendedorismo dos emigrantes.
“É preciso criar meios para que os portugueses que estão lá fora que querem fazer alguma coisa cá dentro possam voltar”, salienta Peixoto, referindo-se a programas como o VEM ou o FAZ da Gulbenkian e da COTEC – Associação Empresarial para a Inovação.
Um país de emigrantes
A emigração portuguesa não é um fenómeno recente. Em rigor, nunca desapareceu. Cresceu desde a adesão de Portugal à União Europeia, depois da retração que se seguiu ao 25 de Abril de 1974, e acelerou desde que a economia portuguesa entrou em estagnação prolongada, no início deste século.
“Relativamente à década de 1960 já temos respostas: sabemos que algumas pessoas voltaram, mas que a maioria ficou, e foi voltando”, de forma sazonal ou depois da reforma, segundo Peixoto. O historiador Victor Pereira, investigador sobre a emigração portuguesa em França, na Université de Pau et des Pays de l’Adour, constata que “é difícil conhecer os regressos porque nenhuma administração os contabiliza. Depois do 25 de Abril de 1974, os regressos são livres e não há formulários a fazer para regressar”.
Contudo, “nos anos 1980, alguns investigadores portugueses estimavam que, nos anos 1990, metade dos emigrantes das décadas de 1960 e 1970 teriam regressado”, refere o investigador.
Segundo Michel Poignard, geógrafo francês autor do estudo “Le Va-et-Vient identitaire”, publicado nos anos 1990 sobre a emigração portuguesa da década de 1960 radicada em França, a maioria dos regressos foi parcial, com apenas o chefe de família a voltar a Portugal junto da mulher ou dos pais ou tios.
O regresso da totalidade da família rondava, segundo o investigador, os 24%. As principais razões apontadas para o regresso eram razões de ordem familiar, como o regresso para junto da família, ou vontade de educar os filhos em Portugal.
Motivações profissionais seguiam-se, com o regresso devido à reforma ou a situações de doença à cabeça – sendo que apenas 6,6% regressavam devido a uma proposta de trabalho melhor do que em França.
As saudades de Portugal eram outra razão forte para o regresso às raízes, rondando os 25% de respostas afirmativas. Já os Censos dão-nos uma visão mais alargada sobre os regressos.
Entre 1971 e 2011, tinham residido fora do país por mais de um ano mais de 1,7 milhões de habitantes (França é, há largos anos, o país com mais emigrantes portugueses: as últimas estimativas apontam para mais de 500 mil).
Entre 1971 e 1980, regressaram a Portugal cerca de 485 mil emigrantes – anos da crise petrolífera e da queda da ditadura portuguesa – um número que não voltou a ser ultrapassado.