Filipa Maló Franco não teve dúvidas na hora de levar a psicologia para o digital: encontrou uma lacuna no mercado e decidiu preenchê-la.
“Agora já vemos mais, mas quando eu comecei com o Terra Maya, acho que faltava muito a presença da psicologia nas redes sociais. Temos muito a ideia de que o psicólogo tem que ser neutro, que não se pode mostrar, não pode mostrar que também é humano, e por isso é que eu acho que os psicólogos se resguardavam muito das redes sociais”, conta Filipa à FORBES Portugal.
O blogue ‘Terra Maya’ foi o primeiro projeto que criou no digital. Na altura, enquanto ainda estava a estudar psicologia, a comunicação era um pouco mais generalizada em prol do bem-estar e das emoções. “Com o avançar do curso e do meu conhecimento também fui afunilando para áreas diferentes, com uma comunicação mais científica e mais madura. Neste momento tenho uma comunicação só focada na parte da saúde mental, da parentalidade, do pós-parto, aqui também na área da maternidade”, diz.
Neste momento é a fundadora de dois projetos com raízes no digital. Na parte da psicologia clínica tem uma equipa de 12 psicólogos. Marcar uma consulta é simples: a pessoa faz o pedido através do site de Filipa, indica o motivo da consulta, a disponibilidade e a localidade e é reencaminhada para o melhor profissional. O segundo projeto chama-se “Baby Steps” e é uma clínica fundada em parceria com o professor Eduardo Sá. Neste caso o foco são as áreas perinatal, da fertilidade, gravidez, pós-parto, bebés e parentalidade. Nos dois projetos é possível marcar consultas online e presenciais.
“Acho que às tantas depois acabamos por perder um bocadinho de terreno em prol de todos os life coach e todas as pessoas que comunicam sobre saúde mental sem estarem habilitadas para isso e que inevitavelmente comunicam de uma forma, às vezes, muito perigosa. Acho que esse foi um grande mote para eu começar a comunicar. ‘Ok, então se eu tenho este conhecimento na minha área, vou também aproveitar esta plataforma para sensibilizar em prol da saúde mental, tentar minimizar o estigma pelo menos das pessoas que me leem’”, afirma.
E é impossível negar o alcance que o negócio conseguiu conquistar através do digital. Filipa tem mais de 72 mil seguidores no Instagram e tem pacientes em Portugal, Espanha, Inglaterra, Alemanha, Suíça, Canadá, França e Dubai. Quando questionada sobre as vantagens que o digital lhe oferece, e que de outra forma não tinha, foi exatamente por aí que começou.
“Em primeiro lugar é o alcance. O digital permite-nos ter um alcance muito considerável, que de outra forma não teríamos. E depois a possibilidade de nos podermos comunicar de uma forma didática sobre vários aspetos, neste caso relacionados com a saúde mental, que vão colocar a pensar. Quando nós colocamos a pensar, acho que é o primeiro ponto para a saúde mental. E também para falarmos mais sobre saúde mental, sobre doença mental, emoções”, diz.
Outra forma que encontrou de chegar a mais pessoas foi criando uma bolsa social, atribuída mediante o comprovativo do rendimento familiar, entre outros documentos. Com este apoio, os preços das consultas ficam entre os 17,50 euros e os 30 euros.
Informação para eliminar tabus
Apesar de todas as vantagens, esta solução não reúne um consenso. A dúvida que surge na maioria dos casos é simples: conseguirá uma chamada de vídeo ter o mesmo efeito que uma conversa cara a cara?
“É uma boa questão porque eu própria a tinha antes de começar a dar consultas online. Volta e meia dava, antes da covid-19, mas com a covid-19 fomos obrigados realmente a abraçar o online durante um período. Ou seja, exceto alguns casos com uma patologia mais grave, ou casos de risco de suicídio, em que se justifique um acompanhamento presencial, a verdade é que nós conseguimos escutar o outro e sentir o outro através de um computador. Eu tenho essa experiência não só enquanto psicóloga, mas também enquanto paciente”, afirma.
A relação entre a psicologia e o digital é, assim, um trabalho em desenvolvimento. A presença nas redes sociais é cada vez maior, o que leva à desconstrução de diversos temas, eliminando os tabus que ainda hoje existem na sociedade.
“A psicologia sempre foi uma área da saúde muito mal amada e acho que hoje começou a ser tratada e vista de outra forma porque a saúde mental começou a ter um papel cada vez mais importante e de destaque na vida das pessoas. Acho que antigamente se separava muito saúde física de saúde mental e hoje compreendemos que existe saúde, ponto”, considera Filipa.
A psicóloga ainda descreveu situações que resultam da falta de informação. Desde a insistência em frases como “a ansiedade são coisas da tua cabeça” ou “como é que estás deprimido se tens uma vida tão boa”, ou a desvalorização de temas como as emoções ou a autoestima. É por isso que, entre todas as vantagens já mencionadas, talvez a maior seja esta acessibilidade constante e de forma gratuita a informação que pode mudar a sensibilidade das pessoas em relação a estes temas.
Informação essa que, defende Filipa, deve ser dada por pessoas qualificadas para isso: “Quando nós temos alguém que nos diz ‘lê o meu livro para ficares com uma melhor autoestima’ é de quem não sabe o que está a dizer porque a autoestima não se constrói assim, se fosse assim seria fácil. Acho que é muito importante falarmos como deve ser sobre a saúde mental para também acabarmos com este estigma”.
Nem tudo é bom
Apesar desta liberdade para criar um negócio próprio, e todas as coisas positivas que surgem a partir daí, as redes sociais continuam a não ser uma ferramenta perfeita. A ferramenta vem aliada a alguns problemas que afetam qualquer utilizador, incluindo os profissionais.
Olhando para a psicologia em particular, Filipa identifica como pontos negativos a dificuldade em encontrar um equilíbrio entre o lado pessoal e profissional, assim como lidar com a forma como aquilo que pública é interpretado. Ou seja, nem sempre as pessoas compreendem que não é necessário todos partilharem da mesma opinião. “Acho que esta é uma desvantagem, que é conseguirmos encontrar este equilíbrio entre a nossa vida pessoal e a nossa vida profissional. Isto às vezes é um bocadinho difícil e é difícil nós perdermos o controlo, que aquilo que é dito pode ser interpretado de várias formas por quem nos lê. Acaba por ser um terreno um bocadinho pantanoso”, diz.
Os temas que escolhe partilhar são aqueles em que se especializou, que é a área da gravidez, pós-parto, parentalidade e fertilidade, mas também aquelas que marcam os casos que toda a equipa acompanha. “Desde a ansiedade, à depressão, as emoções, autoestima, relações, amor, o casal”, diz.
“No que depender de mim é uma sementinha que deixo no mundo, nós não podemos mudar o mundo, mas podemos mudar o que está à nossa volta. Depois isto é um bocadinho o efeito dominó”, conclui.