Multiculturalidade, inclusão, diversidade. Estes são alguns dos ingredientes que caracterizam o Festival MED que decorre na Zona História da cidade algarvia de Loulé, Portugal. Uma iniciativa que vai beber ao World Music e que teve na sua primeira versão a vontade de trazer a animação para as ruas durante a realização do Europeu de Futebol de 2004, já que, a cidade recebia uma Fan Zone associada ao estádio do Algarve onde decorreram alguns jogos. Passados 20 anos transformou-se num festival que junta não só música, mas também várias formas de cultura desde gastronomia às artes plásticas, animação de rua, artesanato, dança, teatro, cinema, poesia de diferentes pontos do globo.
O MED já recebeu mais 380 mil visitantes e 710 bandas, em representação de 77 países. Este ano recebeu mais duas participações: País de Gales e Porto Rico.
O nome MED vem de Mediterranné. E porquê? A explicação é simples e é dada pelo até agora diretor do evento e vereador do Município, Carlos Carmo: no início, o cartaz era sobretudo inspirado na cultura da Bacia do Mediterrâneo. Mas o MED ganhou asas, cresceu e concretizou a ambição de alargar o portfólio cultural.
Em entrevista à Forbes Portugal, o diretor do evento e vereador da autarquia de Loulé sublinha que, nesta edição de 2025, a estrela do Festival foi Cabo Verde e as várias vertentes da sua cultura. No Claustro do Convento Espírito Santo, no coração de Loulé, ergueu-se o “Pátio” onde se sentiu, experimentou e viveu a cultura cabo-verdiana. A morna, cachupa, tabanca, pano di terra, grogue, funaná e muitos outros “sabores” do Arquipélago foram destacados pelo facto de Cabo Verde ter sido o “País Convidado” sucedendo a Marrocos.
Alargar o espetro
O diretor do Festival MED lembra que nos primeiros anos o evento – cujo mentor e primeiro diretor entre 2004 e 2013 foi o falecido autarca Joaquim Guerreiro –, assentava à volta daquilo que era “a musicalidade e a cultura mediterrânica. E, nos primeiros anos, cumpria os objetivos, mas, percebeu-se que isto podia se tornar muito redutor em termos culturais, em termos de sonoridades, porque a sonoridade balcânica e mediterrânica cinge-se aquilo que são os países que estão à volta da Bacia do Mediterrâneo”, o que poderia criar um círculo vicioso em termos culturais. É aqui que surge a decisão de “abrir aquilo que era o espectro do Festival MED para as músicas do mundo e abrangendo, como o nome diz, todas as sonoridades possíveis e imaginárias dentro deste segmento das músicas do mundo”, detalha Carlos Carmo.
A mesma fonte explica que “a Câmara Municipal percebeu que estava aqui um produto, em termos de atratividade para o concelho, que, em primeiro lugar, não havia. E, em segundo lugar, tinha uma grande margem de projeção e de crescimento”. Por isso, logo no ano seguinte, a segunda edição já foi transportada para o local onde hoje decorre o Festival MED, o Centro Histórico.

Âncora económica
O diretor do festival refere que “o MED se posiciona como uma âncora muito grande para a dinâmica económica do nosso concelho e para a projeção cultural que o concelho quer ter a nível nacional e também para a promoção da cultura de todo o mundo. E destaca outro aspeto que considera fundamental, ainda mais nos tempos que correm: “A cultura tem de ser e tem de continuar a ser o promotor da coesão territorial a nível europeu e mundial. Aqui não há barreiras, não há fronteiras, porque não temos pudor em convidar e em ir à procura de sonoridades de todo o mundo. Não estamos preocupados com as questões geopolíticas, porque a cultura não tem essas fronteiras. E esse também é um dos argumentos que o festival MED tenta cumprir que é a igualdade e a coesão da integração”.
A mesma fonte salienta que: “Os visitantes que vêm ao festival, na esmagadora maioria, não conhecem o cartaz e vêm à descoberta de uma experiência e daquilo que é fruto de um estudo recente que fizemos com a Universidade do Algarve em que uma das palavras-chave que os inquiridos caracterizaram o festival que é a multiculturalidade. Vêm à procura da diversidade, daquilo que não é usual presenciarmos em salas de espetáculos e em festivais. Daí o segmento da world music ter essa riqueza”. E realça uma expressão que se tornou repetida entre a organização: “Nós trazemos o mundo para dentro de Loulé. Quando abrimos as portas do Centro Histórico, o mundo está cá dentro”. Carlos Carmo detalha que o mundo estará em Loulé em termos musicais, mas também nas diversas valências culturais que promove. “O Festival MED não é só música. A música é aquilo que é mais conhecido e mediatizado e que também consegue atrair mais pessoas. Mas temos hoje, o MED tem também uma outra face de promoção cultural em diversas áreas”.
A morabeza de Cabo Verde
A escolha do país da morabeza como convidado foi “óbvia”, assume Carlos Carmo. A comunidade cabo-verdiana é a maior do Algarve e uma das maiores em Portugal. Com o aproximar dos 20 anos, comemorados no ano passado, “já há algum tempo que andávamos a pensar como é que poderíamos de forma diferente”. E porque a capacidade de inovar faz parte do ADN da iniciativa pensou-se “como é que poderíamos inserir aqui um capítulo de trazermos um país convidado. E nos 20 anos criámos esse segmento, em que, o primeiro foi Marrocos pela proximidade geográfica, pelo muito trabalho que estamos a fazer em conjunto com este país. E até por estarmos neste momento com o processo de uma candidatura a Geoparque Mundial da Unesco”.
Mas porquê Cabo Verde? “Era óbvio que tinha de ser Cabo Verde por vários fatores. Primeiro, pela presença da grande comunidade cabo-verdiana que temos no concelho. Segundo, pela riqueza cultural que o país tem. Arrisco dizer que, desde os tempos que sou diretor do festival, não me lembro de haver uma edição que não tenha uma presença cabo-verdiana em termos musicais. Isso denota a grande riqueza que Cabo Verde tem em termos musicais”. E depois, “porque percebemos que havia um outro lado da cultura cabo-verdiana, que muitas vezes desconhecemos, que também é rica. No cinema, na literatura, no artesanato que é riquíssimo. Até na gastronomia. Percebemos que havia aqui grande trabalho para poder mostrar ao mundo”.
Conseguida a “parceria exemplar, com a Embaixada de Cabo Verde em Portugal” começou-se a desenhar esta presença no Festival que contou com a “feliz coincidência”, de se estar a comemorar os 50 anos da Independência do Arquipélago. Carlos Carmo sublinha que: “Tivemos a feliz notícia de que foi decidido inserir a edição deste ano do Festival MED nas comemorações oficiais dos 50 anos de Independência de Cabo Verde. Para nós foi uma felicidade enorme e estamos a ostentar esse símbolo em tudo o que é promoção do Festival, porque isso demonstra a importância que tem na promoção cultural de um país. Ficámos muito felizes dessa decisão das autoridades de Cabo Verde”.
Sobre a presença das sonoridades daquele país africano de língua oficial portuguesa, o diretor do MED salientou que: “Tínhamos de trazer um dos grandes ícones da música contemporânea cabo-verdiana ao nosso festival, que também tem raízes no nosso concelho, que é o Dino d’ Santiago. Além de ser um conterrâneo, é um amigo. Já esteve por duas vezes no festival e fazia todo o sentido ele ser um dos cabeças de cartaz”. O cantor foi desafiado a escolher “uma banda cabo-verdiana para fazer a fusão entre o contemporâneo e as raízes e a tradição de Cabo Verde e aquilo que é sua história. Ele escolheu fazer um concerto único com os Tubarões”.
Depois a organização quis trazer um misto com uma geração mais antiga, e trouxe pela segunda vez ao festival os Ferro Gaita. E também a nova geração de músicos cabo-verdianos, como a Ceuzany Pires. Houve espaço para uma homenagem a Cesária Évora, porque “tínhamos de ter presente o grande ícone da música cabo-verdiana”.
A organização já tinha programado um concerto de homenagem à cantora Sara Tavares, que também tem raízes no concelho e tem família na freguesia de Boliqueime, e que seria protagonizado pelo também louletano Nuno Guerreiro, que também faleceu recentemente. “Ele tinha uma grande vontade de fazer esse concerto, eles eram amigos muito próximos, e Nuno tinha essa grande vontade de homenagear a Sara Tavares”, recorda Carlos Carmo.
O artista já estava a trabalhar nesse concerto que teria o nome “Diz-me coisas bunitas… Para Sara Tavares” e decidiu-se em conjunto com a produtora manter o concerto que foi protagonizado pelas vozes de Nancy Vieira e Lígia Pereira, natural da Quarteira e irmã de Dino D’Santiago. O espetáculo contou também com a Orquestra Filarmónica Artistas de Minerva, os Shout, e a Banda dos Mau Feitios que acompanhava o Nuno Guerreiro nos últimos projetos a solo.