O músico e escritor Fernando Ribeiro acabou de lançar, no FOLIO – Festival Literário Internacional de Óbidos, a sua mais recente obra, “Café Kanimanbo. O artista conta já com seis livros editados: três são de poesia, dois são romances e um sexto é de contos. O próximo a sair da calha será um romance cuja ação decorrerá em Alcobaça. Relembre aqui o percurso de vida do autor, na entrevista exclusiva que deu à revista Forbes.
Não nasceu em berço de ouro, mas teve uma infância muito feliz. Foi a Brandoa, bairro da Amadora, que lhe moldou o carácter e a personalidade, e não trocava essa experiência por nenhuma outra. Fernando Ribeiro, 48 anos, vocalista da banda de heavy metal Moonspell, é músico, escritor e gestor dos seus próprios negócios, mas sonhava ser professor de filosofia. Não se deixem enganar pelo look típico de um metaleiro, que poderá induzir em erro os mais incautos: sob esse manto esconde-se um homem sensível, culto, defensor dos direitos humanos e que escolhe bem as suas causas. Pai extremoso, – é casado com Sónia Tavares, vocalista dos The Gift, com quem tem um filho de 11 anos, Fausto -, vê na família o seu porto de abrigo e admite mesmo que um dia perfeito é passado com eles e não entre aeroportos, onde acaba por estar metade do seu tempo. A viver em Alcobaça, a cidade de Sónia Tavares, a nível pessoal não ambiciona muito mais do que «agarrar no carro, conduzir até à praia, arrendar uma casa com vista para o mar e ler todos os livros que tem em atraso».
Seduzido pela Filosofia
No ensino secundário foi a Filosofia que o encantou – a par com a História e a Literatura – e que o encaminhou para a então Universidade Clássica de Lisboa, mas foi a música que o tirou deste percurso. A banda, composta por cinco elementos e que completou o ano passado os seus 30 anos de existência, nasceu nos arredores da Amadora, no Bairro da Brandoa, no início dos anos 90, com o intuito de entreter um grupo de amigos, que não via nisto um plano de vida. Hoje, são a maior banda portuguesa de heavy metal e uma das mais reconhecidas na Europa, tendo alcançado maior sucesso fora de fronteiras do que propriamente no seu país de origem. É uma das mais internacionais bandas portuguesas – se não a mais – e dá concertos um pouco por todo o mundo. Portugal é um dos mercados onde menos atua, explica Fernando Ribeiro, que vê nisto o resultado de algum preconceito nacional, que agravou, aliás, nos últimos anos.
Recebeu a FORBES em Alcobaça, num bar que frequenta, e onde ia almoçar com o filho que chegava entretanto da escola, numa conversa fluída, que decorreu ao som de música ambiente e dos sinos do mosteiro. Revelou que se sente desiludido com o mundo em geral, que depois da pandemia não melhorou, muito pelo contrário, com a guerra, com o racismo latente, e até a «russofobia». Acredita que a sociedade está profundamente doente.
Memórias de uma infância feliz
“A Brandoa onde cresci, nos anos 70 e 80, foi muito marcante. Tive uma infância feliz, plena, nada traumática, e muito rica em diversidade, a conviver com pessoas de todo o país. O meu primeiro romance, «Bairro Sem Saída», é uma ficção ali passada”, relembra. Gostava de estar em casa, na biblioteca, de ler e de ouvir música e os pais até achavam estranho passar tanto tempo fechado em casa.
Adorou andar na escola, pois gostava de estudar, de descobrir coisas e apesar de nem sempre se portar bem, compensava com as notas altas. O seu sonho era ser professor de filosofia, isto porque se apaixonou pelo tema no secundário e optou por seguir este curso. Mas, ao mesmo tempo, surgiu a música na sua vida, que, inicialmente, era só um hobbie que mantinha o grupo de amigos ocupado e ao mesmo tempo o afastava do caminho da toxicodependência. Fernando Ribeiro, e alguns amigos da Brandoa, tinham uma fanzine de heavy metal e começaram a tocar para ter acesso a mais informação e surgiu assim a sua primeira banda, a Morbid God, que está na origem dos Moonspell. “Fazíamos música, poeticamente falando, para combater o tédio e ninguém queria realmente ser músico. Hoje é diferente, os jovens começam logo com estratégia desenhada, há concursos de talentos para isso, e nota-se na evolução da carreira”, afirma. “Formámos a banda de forma espontânea, para nos divertirmos, para fazermos contactos, e surgimos ao mesmo tempo que a cena musical de heavy metal se desenvolvia pelo mundo”, adianta Fernando Ribeiro.
“Há uma altura da minha vida que me levou a uma encruzilhada: ou ia em digressão internacional, ou deixava a música”, diz o autor.
“A filosofia foi uma grande revolução na minha vida e na minha cabeça e mudou um bocado a forma como via o mundo. Ajudou também a mudar o teor das letras dos Moonspell, porque os dois foram contemporâneos”, acrescenta. Ou seja, houve uma fase, aos 20 anos, em que o sucesso não planeado da banda, o levou a abandonar o curso. “Há uma altura da minha vida que me levou a uma encruzilhada: ou ia em digressão internacional, – em digressões muito pobrezinhas, de carrinha, mas que não eram conciliáveis com o curso de filosofia -, ou deixava a música”, diz. A música venceu.
Contudo, apesar do sucesso alcançado nos primeiros anos, a banda não ganhava dinheiro: o resultado do esforço dos cinco elementos não era visível. Por isso, Fernando só saiu de casa dos pais, na Brandoa, onde chegou a viver com mais seis pessoas, os pais, dois irmãos, uma tia e uma avó, aos 28 anos. Os primeiros desafios que sentiu como músico foi mesmo entrave o familiar. Vivia-se uma época em que os pais valorizavam muito a educação dos filhos e o facto de largar os estudos para seguir uma paixão musical nem sempre foi compreendido. Depois, admite, outra dificuldade foi lidar com o preconceito a que, apesar de tudo, nunca deu muita atenção. “Nunca quis que esse preconceito pesasse em mim, ou que eu o prolongasse. Por isso participei nos Amália Hoje, no Celebrar Amália, e também fui convidado para coisas que normalmente os músicos de heavy metal não eram convidados”, explica.
O primeiro contrato discográfico
O primeiro contrato discográfico da banda surgiu em 1994, quando decidiram editar em CD o primeiro álbum, com uma editora francesa, muito pequena, com quem negociaram o pagamento em cópias do mesmo. Assim, criaram para o efeito uma pequena distribuidora, que se chamava Céltica para distribuir os discos e o merchandise, através de venda postal. “Eramos, na altura, os maiores clientes dos correios da Brandoa”, graceja Fernando Ribeiro. O primeiro álbum à séria, surgiu em 1995, o Wolfheart, já pela mão de uma editora maior, a alemã Century Media Records, seguindo-se o Irreligious, em 1996. Nesta data já os Moonspell tinham inúmeros discos vendidos, estavam nos tops internacionais e passavam seis meses fora em digressão.
Éramos, na altura, os maiores clientes dos correios da Brandoa”, graceja Fernando Ribeiro.
“O nosso primeiro álbum foi mítico e vendeu milhares de unidades. Andámos um mês e tal na estrada, em digressão na Europa e quando chegámos ao escritório da editora, em Dortmund, o patrão disse-nos: parabéns pelo vosso esforço, acabaram de vender 50 mil unidades num mês. E eu disse: isso não me interessa, estou cheio de fome! Quero ir para o hotel, tomar um banho e ir para aquele restaurante italiano que gostamos. Acho que ainda não tínhamos noção do que poderíamos valer”, graceja Fernando Ribeiro. Ainda assim, não estavam a faturar e foi então que decidiram que teriam de profissionalizar a carreira e rentabilizar mais o seu talento.
Depois de um problema financeiro com um agente alemão, que os explorou e quase destruiu a banda, os Moonspell reergueram-se, e Fernando Ribeiro assumiu a gestão do «negócio». “Temos ainda um agente alemão, mas em Portugal estamos em auto-agenciamento. Vendemos mais de meio milhão de cópias ao longo destes anos. Não chegámos ainda a um milhão, é certo, mas começamos nos anos 90 e os nossos discos continuam a vender – estou a falar das vendas físicas, não das digitais”, explica o vocalista.
Os ovos não estão todos no mesmo cesto
O modelo de negócio da banda é repartido. “Não colocamos todos os ovos no mesmo cesto. Não há melhor expressão para os rendimentos dos músicos independentes do que «grão a grão enche a galinha o papo»”, explica Fernando Ribeiro. O negócio, gerido através da Worst Case Scenario, é composto por uma parte de receitas com origem nos espetáculos ao vivo, que é de longe a maior fatia, por uma parte de merchadise, e por último o dinheiro institucional, como lhe chama Fernando Ribeiro, que são os direitos conexos. “É preciso ter uma gestão muito vigorosa disto tudo”, explica o artista. Adianta que “quando veio a pandemia estive arredado do meu trabalho e do meu estilo de vida, mas a primeiro coisa que fiz foi cobrar dívidas. Temos as várias fontes de rendimento, e para cada fonte, temos um departamento. Eu trato de tudo o que sejam direitos de autor, publishers, e também trato do merchadise. Um dos meus papéis na banda é gerar dinheiro”.
“Isto vem preencher uma lacuna importante no mercado, já que me fartava de dar conselhos de graça, e agora cobro 50 euros por hora, o que não é nada de especial”, afirma.
A título pessoal, Fernando Ribeiro tem ainda outras atividades: fez uma colaboração com um business manager, o alemão Frank Hessing, que trabalhou alguns anos em Portugal e com o qual tem uma espécie de negócio de consultoria musical. “Isto vem preencher uma lacuna importante no mercado, já que me fartava de dar conselhos de graça, e agora cobro 50 euros por hora, o que não é nada de especial”, afirma. Explica que, no caso de um contrato discográfico, devido à sua experiência, consegue ajudar bastante numa hora de consultoria. “Já consigo dominar bastante bem esse mundo, e tornar-me muito melhor nos negócios da música”. Ou seja, está de tal forma afinado que, quando encomenda merchandise para a tournées, se tiver 20 e tal datas marcadas – como foi o caso da mais recente aos Estados Unidos -, já calcula bem o que vai necessitar, sem ter problemas de stock. “Nesta tour norte-americana vendemos cerca de 700 t-shirts, e consigo trazer apenas 10 para devolver. A necessidade aguça o engenho”, conta.
“Se os Moonspell vão à Finlândia ganhar 15 mil euros num concerto, vamos ter apenas 20% a 30% de lucro. Em Portugal, se tenho um caché de 16 mil euros por espetáculo pirotécnico, e este custa 3 ou 4 mil euros, no fundo o nosso caché é de apenas 13 mil euros. Não saímos de casa por menos do que isso”, revela Fernando Ribeiro. Mas, na verdade, como confessa, nem sempre há lucro. “A nossa loja online foi o que permitiu em pandemia, ter continuado a viver da música. Nesta confusão toda, quando o pó assenta, é o nosso modelo de negócio que nos sustenta”, remata o músico empresário.
Pedro Paixão é o seu companheiro da gestão
Na banda Moonspell, o seu companheiro de «gestão» é o músico Pedro Paixão, que é a «pessoa responsável pelo excel, e tem o seu método de projetar as tournées. Vamos sempre para uma tour com o risco controlado e com muita atenção nas despesas”, explica Fernando Ribeiro. Adianta ainda que uma digressão europeia nada tem a ver com uma no leste da Europa, ou com uma norte-americana. “A Europa tem um sistema muito mais sustentável, ou seja, os músicos itinerantes têm uma rede de clubes, que proporcionam serviços como duches, lavandaria, catering, tudo incluindo nos contratos. Quando contratamos um promotor, ele subcontrata um clube, que tem essas avenças. Nos Estados Unidos é diferente: eles inventaram as tournées, mas ali há orçamentos para tudo”, revela. As digressões europeias são também as mais vantajosas financeiramente.
A outra área de negócio de Fernando Ribeiro é a editora Alma Mater, que fundou em 2016 com o sócio Pedro Videirinha, um investimento de 5 mil euros que se tornou lucrativo logo no primeiro ano. A editora começou por distribuir Moonspell em Portugal, com o primeiro álbum em português, o 1755, que saiu em 2017. Este foi um disco diferente, já que foi lançado de uma forma original: criaram um evento musical com um bilhete-disco, ou seja, cada entrada dava direito a um CD. “Em dois dias esgotamos a sala, que dá para 2 mil pessoas, vendemos 4 mil discos, e juntando a sala do Porto, que foram mais 1.200 entradas, vendemos 5.200 discos e bilhetes em dois dias. Foi uma ótima iniciativa, quase um pop up store, e fazemos isso com várias bandas na nossa editora”. Atualmente, a Alma Mater está a apostar em vários artistas heavy metal nacionais e também já tem alguns brasileiros. Além da distribuição, acumula os direitos todos dos Moonspell, o que é ativo valioso, e que estava completamente disperso.
A outra área de negócio de Fernando Ribeiro é a editora Alma Mater, que fundou em 2016 com o sócio Pedro Videirinha, um investimento de 5 mil euros que se tornou lucrativo logo no primeiro ano
O mercado português não tem muito peso na atividade dos Moonspell, mas mesmo assim a banda faz um esforço para dar alguns concertos em Portugal. “Não há grande espaço para nós em Portugal, apenas vamos ter três ou quatro concertos por cá este. Temos tido uma média boa, num bom ano faríamos 15, mas quem contrata não tem interesse nos Moonspell,”, explica. Refere ainda que há outro mercado que não procura a banda portuguesa: “Em Portugal, há um mercado interdito que são os eventos empresariais,pois nunca somos convidados para este tipo de corporate. Estamos disponíveis, mas não há procura. Os The Gift, por exemplo, têm imensa procura no branding.”, explica Fernando Ribeiro. Questionado sobre o valor da marca Moonspell, Fernando Ribeiro diz que não fez ainda uma avaliação formal, mas que deverá, pelas suas contas, rondar os 200 mil euros – sendo que, por menos de esse valor, não a venderia.
Além disto tudo, e ainda ligado ao negócio da consultoria falado em cima, Fernando Ribeiro vai ainda lançar uma marca própria, a The Portuguese Wolf, que vai apostar em roupa, merchandise e livros. “Será uma marca muito pequena, tipo moda e lifestyle, pessoal e seletiva, tipo Tiger Man com a casa Tigre.
O escritor que mora dentro de si
Ao todo, o músico já escreveu três livros de poesia, dois romances e um conto. O último romance, lançado há uns meses, Café Kanimanbo, é um thriller acutilante, passado no verão, na Lagoa de Albufeira, e que envolve quatro personagens masculino numa espiral de crimes sexuais, vergonha, castigo e demónios. “A literatura é o meu happy place. São as minhas viagens. Eu julgava que não sabia contar histórias e foi um grande desafio fazer o primeiro romance. É um hobbie que quero desenvolver, porque é compatível com a música, e sinto-me extremadamente feliz a escrever”, explica. Esta é, para ele, outra área que não dá muito dinheiro, mas traz felicidade. “Hoje estou para a literatura como já estive para a música. Agora sinto-me um pouco perdido na música, tenho muitas ideias, mas o próximo disco Moonspell ainda não me arrebatou, como foi o do terramoto de 1755. Sei que quero fazer outro álbum em português, mas ainda não sei bem o que vou fazer. Falta-me ainda um clique”, diz. Porém, em relação aos livros, sabe exatamente o que quer: o novo romance, que sairá daqui a um ou dois anos, será sobre um emigrante que esteve muitos anos nos Estados Unidos e que tentou trazer para Alcobaça o sonho americano e se deu bastante mal.
“Os Moonspell vendem 500 discos num concerto. Está tudo faturado e pagamos impostos”, afirma.
O artista bate-se ainda para que o top português, feito pela GFK, inclua as vendas do marketplace, “porque hoje é ridículo não fazer isso. Os Moonspell vendem 500 discos num concerto. Está tudo faturado e pagamos impostos”. Adianta ainda que não lhe interessam as vendas por uma questão de notoriedade, “faço isto por causa do dinheiro, porque se tiver 1% de quota de mercado ganho mais dos direitos conexos de editor”, explica. E, acrescenta, que Portugal é um caso único onde as vendas dos marketplaces não contam para as estatísticas. “Cerca de 90% das vendas dos Moonspell é por venda postal. Quando saiu o Hermitage, em plena pandemia, em 2020, os correios de Leiria tiveram de alugar um camião só para expedir os produtos Moonspell. Nós vendemos dois mil e tal exemplares só para Portugal e essas vendas caem no limbo”, reclama.
Admite que não acredita que a música seja eterna, e por isso a banda tem um prazo de validade: mais 5 ou 10 anos e deixará de existir. Por isso mesmo já está a preparar todo o seu futuro para que não lhe faltem atividades quando essa hora chegar.