Nos últimos 10 anos, o sector da banca sofreu alterações profundas. Desde a turbulência da crise financeira internacional, passando pelo colapso do universo Espírito Santo até à mais recente intervenção do Estado no Banif, foram várias as peças que contribuíram para o efeito dominó.
Danos reputacionais que o sector ainda está a gerir. E que segundo Fernando Faria de Oliveira vão levar algum tempo a sarar. Isto apesar de o presidente da Associação Portuguesa de Bancos (APB) garantir que as instituições estão mais sólidas.
Em entrevista à FORBES, Faria de Oliveira conta como os bancos nacionais estão a enfrentar os actuais desafios do crédito malparado e da digitalização. E admite que apesar de o ritmo da nova regulação ser “excessivo”, era “imprescindível” haver uma mão mais pesada dos reguladores e supervisores para evitar erros recentes.
No ano passado disse que 2017 seria o ano de recuperação do sector. Isso confirmou-se? Os bancos estão mais estabilizados?
Sem dúvida. Foi um ano de sensível progresso. Os bancos estão, desde logo, mais sólidos com aumentos significativos dos respectivos rácios de capital. Estão melhor preparados para enfrentar eventuais problemas futuros que venham a ocorrer.
Mas o sector como um todo ainda não é rentável, muito por causa dos prejuízos do Novo Banco…
A rentabilidade do sistema bancário ainda é muito baixa. O return on equity dos resultados antes de impostos situa-se em redor dos 13,5%. Se tivermos em conta os resultados líquidos, a rentabilidade ainda é marginalmente negativa por causa dos resultados do Novo Banco, basicamente. Mas houve um progresso enorme em relação aos anos anteriores.
Claro que a conjuntura que estamos a viver é particularmente favorável e ajuda. Mas o trabalho interno das instituições foi muito importante.
O regresso à rentabilidade positiva implica que os bancos conseguirão gerar capital ou vai ter de passar obrigatoriamente por aumentos de capital?
O regresso à rentabilidade, como sabemos, depende da evolução dos proveitos e dos custos. E na área dos proveitos temos uma situação em que a procura de crédito continua a ser inferior ao que os bancos gostariam.
Mas considera que não é expectável que haja mais aumentos de capital nos próximos cinco anos, por exemplo?
Os aumentos de capital podem sempre vir a revelar-se necessários ou convenientes. O capital é a primeira fonte de absorção de perdas e do risco dos bancos. Daí a necessidade de os bancos estarem bem capitalizados. Contudo, neste momento estão.
No que diz respeito a entradas novas de capital, depende muito da rentabilidade das instituições. Ninguém investe em situações desfavoráveis. Mas não é só em Portugal que não tem havido movimentos significativos de entradas de accionistas. Acontece quase em toda a Europa porque o return on equity da banca ainda não é aliciante.
E importa salientar que na área de custos têm sido feitos enormes esforços, os quais têm uma contrapartida negativa pelo aumento brutal dos custos relacionados com a resolução, supervisão e com a própria regulação.
De quanto?
Na resolução todos conhecemos lindamente a situação particular, específica, única da banca portuguesa que enfrenta um caso de um banco sistémico com impactos brutais no sector. No caso da supervisão e regulação, saiu recentemente um estudo da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico] sobre o que tem sido o custo da resolução sobre a economia e sobre os bancos que aponta para um impacto de 640 mil milhões de euros a nível global.
A 3 de Agosto faz quatro anos do anúncio da intervenção pública no BES. Teme que a factura possa aumentar ainda para os bancos?
Os bancos não podem ser responsabilizados por decisões onde não estiveram envolvidos. As questões de litigância não estou a ver que possam recair sob o sistema bancário.
Os números conhecidos actualmente vão-se manter?
Os números que se conhecem já são muito elevados. Se o mecanismo de contingência viesse a ser totalmente aplicado, estamos a falar de uma carga sobre os bancos que representa quase 5% do PIB português.
Embora, seja verdade, que conseguimos da parte do Estado um financiamento público – porque o fundo não estava devidamente capitalizado – vai ser pago pelos bancos ao longo de um período longo.
Referiu os custos que a nova regulação implica. Mas tendo em conta os recentes episódios, como o do Banif, além do BES, não acha que era essencial haver uma mão mais pesada sobre o sector?
É indiscutível que a nova regulação era imprescindível. Nós vivemos um período de desregulação e desregulamentação de que resultou a crise financeira global e muitos excessos. Era absolutamente essencial. Mas a calibragem e o ritmo das medidas de resolução provavelmente têm excessos e redundâncias.
Independente deste tipo de impactos, importa considerar que os bancos tiveram de se apetrechar para se adaptarem à nova regulação. E, de acordo com estimativas de outros estudos, cerca de 10% dos seus custos são orientados para responder a estas necessidades.
Com as novas regras podia-se ter evitado um caso BES ou Banif?
A nova regulação já tem efeitos brutais, designadamente em termos de governance das instituições, de maior aprofundamento e rigor aos métodos de gestão de risco e, principalmente, na preocupação de, nos processos, se olhar sempre numa óptica de previsão de um futuro que pode vir a ter problemas. […] E aqui não estou a falar de créditos ditos de favor, de situações de relações intragrupos que terão facilidade de acesso a crédito. Isto está fora do contexto de generalidade.
Estão melhor preparados para uma eventual nova crise?
A nova regulação já impõe métodos e rigor acrescidos, como a criação de almofadas de capital, que naturalmente conduzem a que a preparação dos bancos para enfrentarem períodos de crise seja incomparavelmente mais forte.
Isso é indiscutível. E quando dizemos “a banca não está a conceder crédito à economia” e que “a banca concedeu demasiado crédito”, há um preso por ter cão e um por não ter.
A verdade é que no novo paradigma regulatório, a necessidade de conceder crédito apenas a empresas ou particulares solventes é indiscutível.
Já há mais cuidados dos bancos a darem crédito?
Pode dizer-se dessa maneira. Prudência na concessão de crédito era obrigatória, mesmo no sistema anterior. Qual é o problema maior para nós portugueses em relação à criação de riqueza e geração de prosperidade? O facto de termos um vício estrutural na economia que é a descapitalização das empresas. Nós vivemos décadas, para não dizer séculos, em que a nossa economia dependeu e continua a depender brutalmente do financiamento da banca. Isto porque ao mesmo tempo não há mercado de capitais.
Concorrência digital
As fintech são vistas como aliadas ou inimigas dos bancos?
Bem…o maior cliente das fintech são os bancos… Mas também são rivais… Os bancos, neste momento, têm duas formas de responder a estes desafios tecnológicos e comportamentais: desenvolver internamente competências para esse efeito ou aliarem-se às fintechs. Hoje em dia é indiscutível que essa é a grande via. Depois têm a segunda frente, que ainda é insípida, da medida em que os “big techs” [como a Amazon.com ou Facebook] ainda não enveredaram a 100% por uma entrada propriamente no sistema financeiro. Os bancos têm de se preparar para uma competição. Nalguns casos, para também fazerem alianças.
Como avalia a regulação em curso nesta área? É equitativa?
O que os bancos pretendem é que as regras sejam aplicadas igualmente a todos os intervenientes. O que leva a um playfield regulatório. Penso que hoje há uma aceitação genérica de que é preciso olhar para a regulação dessas actividades com grande premência. Mas não é equitativa.
A digitalização vai levar ao encerramento de mais balcões físicos?
Indiscutivelmente vai levar ao fecho de balcões. Há números que apontam que com a digitalização na banca já se terá registado uma redução de cerca de 25% do número de balcões a nível europeu. Mas aqui temos muitas frentes.
Como por exemplo?
As agências continuarão a ser essenciais. O que vai acontecer é uma redução do número que será acompanhada também com uma redução do número de efectivos bancários.
É expectável que esta dinâmica leve à eliminação de postos de trabalho na banca. Qual será o impacto dessa realidade?
Não há estimativas globais. Cada caso é um caso. Mas os números em Portugal, tanto da redução de trabalhadores como de balcões, estão alinhados com a média europeia. Além disso, há ainda uma terceira vertente: sempre que houve grandes revoluções tecnológicas, ou grandes disrupções nas actividades bancárias, sempre houve um primeiro momento de destruição de emprego.
Mas a história demonstra que ao fim de um determinado período, essa destruição acaba por ser compensada com a criação de novos empregos e, geralmente, com vantagem para a criação de emprego.
De uma forma geral, como é que os bancos portugueses se estão a adaptar à nova era digital, face aos europeus?
A banca portuguesa está bem posicionada. Neste domínio, foi sempre muito dinâmica. Muitos dos nossos bancos já tinham sistemas de ebanking e moblie banking eficazes. Naturalmente que a evolução neste domínio é exponencial e temos de estar preparados para novas iniciativas. Não diria que estamos no topo. Mas Portugal está dentro da média.
Uma enorme dor de cabeça
Uma das questões prementes do sector é o problema do crédito malparado. O que tem sido feito neste campo?
Registou-se uma redução de 9 mil milhões de euros no último ano. O rácio de NPLs [non-performing loan na sigla em inglês] reduziu-se de 17,6% para 13,3%. Foi, sem dúvida, no contexto europeu, um dos casos onde houve uma redução mais significativa. Mas estamos muito longe da meta europeia.
Qual foi o contributo da plataforma que foi criada em 2017 para gerir o malparado?
A plataforma tem uma finalidade específica que é procurar resolver a situação de grandes devedores que tinham situações perante várias instituições. Essa plataforma coloca as diferentes instituições credoras juntamente a negociar as saídas para estas situações. E sobre esse ponto de vista é sem dúvida um instrumento que ajuda. Um dos problemas que também temos, no que respeita à tentativa de redução de NPLs, deriva do facto de não termos um mercado de NPLs verdadeiramente dinâmico.
Quando estima que o malparado em Portugal possa registar valores mais próximos da média europeia?
Cada banco é um caso. Quando falamos na média do sector não podemos deixar de considerar que os bancos que têm um problema maior são os de maior dimensão.
Portanto, falar em média do sector desvirtua um bocadinho a análise. Mas cada um desses bancos tem programas específicos que foram acertados com a supervisão, com o Banco Central Europeu (BCE) ou o Banco de Portugal. E a verdade é que esses programas têm vindo a ser cumpridos em antecipação.
A redução de 9 mil milhões num ano e de 13,6 mil milhões num ano e meio são significativos do grande esforço que os bancos têm vindo a fazer.
A maioria do crédito que a banca tem concedido é para habitação, devido ao “boom” imobiliário. A tendência vai continuar? Para que valores?
O crédito à habitação tem vindo a subir, mas está muito longe dos picos registados em anos anteriores. E há uma coisa que posso garantir: com as novas regras de avaliação da solvabilidade dos clientes, os riscos de eventual incumprimento no domínio do crédito à habitação são muito menores.
Hoje é obrigatório os bancos apresentarem ao cliente os respectivos cenários de evolução do valor da prestação à medida que o valor da taxa de juro vai subindo. Há aqui já uma análise preventiva muito relevante.
E a partir de Julho vai ser reforçada com as novas regras impostas pelo Banco de Portugal. Os bancos já estão a fazer isso. A medida do Banco de Portugal é meramente preventiva. É um alerta. E sobre este aspecto acho muito bem.
Qual vai ser o impacto da medida recentemente aprovada no Parlamento para reflectir os juros negativos nos contratos de crédito?
O impacto depende sempre do valor negativo da taxa Euribor e do número de contratos em que o valor dos spreads tenha sido particularmente desfavorável. O BdP fez uma avaliação para uma situação de decréscimo da ordem dos 100 pontos percentuais que representaria para o conjunto do sistema perdas na ordem dos 700 milhões de euros.
Mas como não se atingiu esse valor, não é isso que está em causa. O problema é de natureza jurídico-constitucional, e não podemos não mostrar o nosso total desacordo. É uma subversão da nossa ordem jurídico-constitucional.
Porquê? Qual é a sustentação jurídica?
Vivemos uma circunstância onde, por lei, os depósitos não podem ter remunerações negativas. Como é possível determinar uma medida que seja completamente ao contrário daquela que é adoptada em relação aos depósitos? Além disso, não há qualquer actividade económica em que o fornecedor de serviços tenha de pagar a quem recebe os serviços. É um absurdo económico. Há ainda que tomar em consideração a base fundamental da questão que é estarmos perante contratos de mútuo oneroso, que estão regulados na lei.
Que avaliação faz das medidas que o Governo tem implementado para a banca?
Este Governo procurou actuar naquilo que era essencial. A estabilização do sistema financeiro era importante e foi conseguida por via dos aumentos de capital nas instituições e por via da intervenção do Estado nos casos mais complicados, como foi a resolução do Banif ou do BES. Nessa matéria, bem como na evolução de alguma legislação, tem havido um diálogo e uma atitude positiva da parte do Governo. Em outras matérias que para nós eram essenciais, não se tem caminhado com o ritmo que seria necessário.
Quais matérias?
Estou a falar da resolução definitiva dos casos dos DTAs [activos por impostos diferidos] ou nalgumas questões relacionadas com problemas ligados à insolvência e recuperação de empresas em situação difícil e que afectam os bancos no que diz respeito aos NPLs. Mas não podemos deixar de reconhecer que tem havido diálogo e esforço.
A nota é positiva então? “Suficiente Mais” ou pelo menos “Suficiente”? Suficiente. [risos]
Crise de reputação
Há razões para preocupação no Montepio?
Por aquilo que foi dito pelo regulador, a única entidade que pode falar sobre esta matéria, neste momento não há razão para preocupações.
Como vê a entrada da Santa Casa da Misericórdia no capital de um banco?
Como presidente da APB não tenho que me pronunciar sobre isso.
Mas como vê a entrada de instituições com carácter social no capital de bancos? Faz sentido?
Enquanto o banco quiser manter o estatuto de banco de economia social, de acordo com os seus estatutos, tem de ter 51% do seu capital detido por instituições dessa área. É isto que está em causa. Os parceiros que, eventualmente, a Caixa Económica Montepio Geral entenda que deve procurar ou rodear-se, são da opção dela.
Tendo em conta o actual cenário do sector em Portugal, ainda há espaço para mais concentrações?
A evolução do crédito à economia, de alguma maneira, indicia que há sobrecapacidade instalada. A prazo, talvez uma ou outra seja possível, mas nós temos um sistema bancário onde seis bancos representam 90% de quota de mercado…
É expectável a entrada de novos players estrangeiros no mercado?
A imagem de Portugal tem vido a melhorar indiscutivelmente. O desempenho da nossa economia não pode deixar de se considerar positiva. Temos de ser realistas. Tivemos um crescimento superior à média da União Europeia em 2017, de 2,7% contra 2,6%, mas também não nos podemos esquecer que ficámos em 18.º lugar entre os 28 no que respeita ao crescimento económico. Temos de ser mais ambiciosos em termos de crescimento.
Dentro de três anos, o mercado português já vai estar atractivo para investidores estrangeiros?
Se continuarmos no rumo certo sim. Temos tido bons resultados no domínio do défice; alguma redução, mas muito ténue, da dívida pública. Mas a análise da imagem do país com base nestes factores é positiva. Estou confiante que, daqui a três anos, estaremos, sem dúvida, melhores. A banca vai estar mais atractiva.
Os portugueses já confiam nos bancos?
Infelizmente, creio que estamos, novamente, a viver um período nada favorável para a banca. Nesta matéria não posso deixar de considerar que não fomos bem-sucedidos. O sector bancário melhorou enormemente, e não só nos indicadores.
Houve tanta evolução positiva e creio que não há o reconhecimento de todo este esforço. Isto porque continuamos a ser profundamente massacrados, não estou a dizer injustamente, por crises profundas do passado que afectaram a banca e não nos largam. Foram crises de reputação dramáticas.
Não acredita que vão recuperar tão cedo?
Vamos ter de continuar um esforço de clarificação. Nós vivemos a maior recessão desde há muitos anos. A economia está intimamente relacionada com a banca. O desempenho da banca depende do desempenho da economia.
O que aconteceu ao sistema bancário era inevitável com a recessão. Só que foi agravado pelas situações inimagináveis que ocorreram. Esse é que é o problema que nos afecta profundamente.