Trabalha como atriz desde os quatro anos e já esteve em projetos do GNT, Multishow ou Netflix. Como consequência desta exposição, pelo caminho abraçou o trabalho nas redes sociais, mas nunca deixou o foco nos estudos. Hoje, a brasileira Fernanda Concon é atriz, criadora de conteúdo e estudante de Relações Internacionais, e não tem qualquer intenção de separar estas áreas na sua vida, apesar de se identificar mais com umas do que outras.
“Eu digo sempre que [a internet] não é o meu foco, apesar de tudo. Eu sou atriz, sou estudante, hoje é evidente que é uma forma de ganhar dinheiro, de trabalho, mas não é o meu foco. Eu não sou uma produtora de conteúdo nata, não surgi na internet, muitas vezes não tenho as técnicas de um produtor de conteúdo. Eu sou atriz, produzo conteúdo como uma segunda face, mas gosto bastante de mostrar as minhas rotinas de estudante e de atriz”, diz à FORBES Portugal.
Fernanda levou os seus interesses para o digital e hoje produz um conteúdo mais educativo e voltado para temas que impactam a sociedade e os jovens em particular. Foi, aliás, na altura em que o governo brasileiro não estava a ouvir os estudantes em relação ao ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), durante a pandemia, que usou a sua plataforma para se juntar ao protesto. À FORBES Portugal, a atriz, que neste momento está a estudar em Portugal, falou sobre esse vídeo viral, o seu percurso como estudante e a sua responsabilidade como influenciadora.
O que é que a levou ao curso de Relações Internacionais?
Sempre tive uma proximidade muito grande com a área de humanísticas. Aos 11 anos, conheci uma diplomata brasileira e acho que essa foi a grande chave de viragem: entender que também gostava dessa comunicação para um lado político, um lado mais ativo na estrutura social. Ao pesquisar, descobri que normalmente os diplomatas tiravam o curso de Relações Internacionais, que talvez seja o curso que melhor te prepara para o concurso público que existe no Brasil para a admissão na carreira diplomática. Talvez seja o concurso público mais difícil que temos no Brasil.
A diplomacia continua a ser o objetivo?
Entrei na universidade em 2020 e lá percebi que a diplomacia não era muito o meu lugar. Gostava de uma política muito mais ativa e não necessariamente no sistema político. Fazendo a ponte entre a criação de conteúdo, este meu lado artístico, e a minha paixão por relações internacionais, passei a criar conteúdo utilizando o que aprendi no curso, já tendo esta facilidade em comunicar com o público, tendo um público que garanti desde os meus trabalhos na televisão.
Porquê Coimbra e a Universidade de Coimbra para esta experiência de intercâmbio?
Acho que é inegável o prestígio do nome da Universidade de Coimbra, não só no Brasil, não só aqui em Portugal, mas a nível global. É uma universidade muito conhecida e muito reconhecida na academia. Isso chamou-me muito à atenção, poder estudar numa universidade que é património mundial, por onde nomes icónicos passaram: Camões, Eça de Queirós, nomes que conhecemos muito no Brasil e que estudamos. Tenho a pretensão de pesquisar segurança no Brasil, já iniciei as minhas pesquisas há dois semestres. Uma professora, quando me estava a inscrever no programa de intercâmbio, disse-me que aqui em Coimbra existe um foco muito grande em estudos para a paz, professores que estudavam essas dinâmicas de segurança para a paz. Acreditei que isso seria muito agregador não só para a minha formação académica, como para a minha pesquisa.
Considera que falar sobre política nas redes sociais é também uma responsabilidade?
Acredito muito num termo que chamo de responsabilidade de influência. Acredito que o meu público é composto de pessoas que não têm a mesma realidade que eu, na verdade eu sou muito ciente que sou uma exceção dentro da maioria dos jovens brasileiros. Eu pude trabalhar como atriz e seguir os meus sonhos porque os meus pais tinham uma estabilidade financeira muito considerável e sabemos que essa não é a realidade vivida na maioria das casas brasileiras. Isso vai de uma opinião muito pessoal, porque nem todo o mundo é obrigado a pensar como eu penso, mas acho que talvez seja o mínimo que eu posso contribuir socialmente falando na minha comunidade. É talvez tentar transmitir e, minimamente que seja, democratizar aquilo a que eu tive acesso.
Sabemos que as universidades no Brasil ainda são espaços extremamente privilegiados. A primeira turma que se formou em Direito na Universidade de São Paulo com ‘cotistas raciais’ [vagas reservadas a certas etnias] foi agora em 2023, é uma política muito recente. É um espaço muito privilegiado, muito desigual e composto maioritariamente por pessoas brancas, que têm muito dinheiro, que tiveram condições de estudar, não precisaram de trabalhar na infância e outras questões nesse sentido. Acredito que seja a minha responsabilidade devolver isso para a sociedade, para a minha comunidade. Pensando em desenvolvimento, construção, ativismo.
Esse conteúdo deve estar sempre presente?
Para mim é irreal que te desligues completamente do que está a acontecer ao teu redor. Isso não existe. Sou uma pessoa que acredita em justiça social, muito mais do que em políticas progressistas, e acho que esta é a minha forma de contribuir com o que eu acredito para o mundo. Não é necessário fazerem conteúdo de política, eu entendo que não gostem de política, mas eu acho quase cruel um distanciamento total da realidade que se vive. Deve existir uma responsabilidade, sim, de construção, de apoio às pessoas que te estão a apoiar, te colocaram no lugar onde estás. Muito mais do que te colocares no papel de influencer e seres uma pessoa que só influencia, acredito que muitas pessoas que têm muitos seguidores têm um canal aberto para também terem uma conversa e poderem aprender com quem as segue. É muito importante aprender com quem te acompanha, justamente por terem realidades diferentes. Não só eu influencio pessoas, mas eu também sou muito influenciada, aprendo muito com as pessoas que me acompanham.
O que é mais difícil, comunicar sobre política para um público jovem ou lidar com as pessoas que acham que um jovem não deve falar sobre política?
Com certeza a segunda opção. Hoje temos jovens e pessoas muito mais abertas a novas ideias, temos um contacto muito maior além do nosso núcleo familiar. Temos contacto com muitas outras opiniões, experiências, acho que também é outro benefício da internet. Acredito que os jovens estejam mais abertos também por conta disso. Para mim, com certeza a dificuldade maior é poder dialogar com esse público mais velho e que, por qualquer motivo que seja, tem uma cabeça um pouco mais fechada, é mais relutante em desconstruir algum tipo de pensamento e tem aquela ideia antiga de que o jovem não se mete em política.
Que vídeo foi esse sobre o ENEM?
Estávamos na pandemia do coronavírus no Brasil, com um governo que obviamente e evidentemente não colaborava com medidas de segurança sanitária e questões de saúde no país, que era relutante em fazer o distanciamento social, em pedir que as pessoas ficassem dentro de casa, no uso de máscara, nos tratamentos comprovadamente eficazes, nas vacinas com comprovação científica. O ENEM é uma prova considerada o maior ingresso dos brasileiros às universidades públicas. O que se pedia naquela altura era que a prova fosse adiada. O ENEM é feito ao mesmo tempo, no mesmo dia, no Brasil inteiro. São milhões de estudantes que são colocados em salas de aula. Naquela altura do campeonato era impossível que tivéssemos contacto com tantas pessoas por questões sanitárias. Várias medidas eram pedidas na época e havia uma relutância muito grande do Ministério da Educação, na altura o ministro era o Abraham Weintraub, depois ele deixou o cargo. Ele declarava que ia manter a data da prova. Inclusive, apesar da data da prova ter sido adiada, vários pedidos dos estudantes não foram levados em conta.
O que a levou a fazer esse vídeo?
Na época tinha acabado de entrar na universidade e tinha um apreço muito grande pelo movimento estudantil no Brasil. Já tinha feito o ENEM duas vezes, acabei por não o usar para entrar na universidade, mas entendia a importância dele para que várias pessoas da minha idade pudessem ingressar na universidade. Entendi que tinha uma parcela de responsabilidade. Fiz um vídeo muito indignada, na verdade o meu vídeo nem traz tantos dados, mas era uma questão que parecia tão óbvia que para mim foi um vídeo muito mais indignado e aquilo repercutiu de uma forma muito grande no Brasil. Eu estava a ver ao meu redor porque é que aquela prova não poderia acontecer, então aquele vídeo foi feito como essa chamada de indignação ao posicionamento do governo federal e sobretudo do Ministério da Educação no Brasil.
O que sentiu que conseguiu com a publicação desse vídeo?
Eu acredito que tive ali a minha parcela de responsabilidade em tudo o que aconteceu, mas não fiz isso sozinha. A União Nacional dos Estudantes (UNE), que é talvez a maior entidade estudantil que temos hoje no Brasil e que luta desde a ditadura militar, também teve uma parcela muito grande de responsabilidade, talvez muito maior que a minha. Os estudantes que estiveram ali muito ativos nas redes sociais, era um momento que não se podia protestar na rua, em frente a órgãos públicos, estiveram ali também muito mais do que o meu vídeo. Gosto de dar todos os créditos aos estudantes do Brasil todo. Acho que foi a primeira vez que tive contacto com a força estudantil no Brasil, a força da juventude, isso para mim foi muito impactante.