O FBI está a utilizar uma tecnologia polémica, usada tradicionalmente para localizar smartphones, como uma ferramenta de vigilância de geolocalização de automóveis que espia o Wi-Fi a bordo dos veículos.
Conhecida como Stingray ou simulador de uma estação base de telemóvel, a ferramenta disfarça-se como uma torre de telemóveis de forma a forçar todos os dispositivos numa determinada área a conectarem-se a ela. Os agentes podem, então, escolher o número que lhes interessa e localizar o dispositivo.
Wi-Fi do carro age como um telefone
Normalmente seria um telemóvel, mas um pedido de mandado de busca descoberto pela Forbes Internacional mostra que também pode ser utilizado para localizar veículos, desde que tenham Wi-Fi a bordo. Isso acontece porque os sistemas Wi-Fi do carro agem como um telefone, no sentido de que chegam às redes móveis para obter os seus dados. Portanto, faz tecnicamente sentido que a polícia poderia utilizá-lo para encontrar um veículo, contudo este parece ser o primeiro caso registado desse tipo de utilização.
O pedido para usar o Stingray foi feito pelo FBI no Wisconsin em maio, enquanto procurava localizar um veículo – um Dodge Durango Hellcat – que se acreditava estar a ser usado por um homem indiciado por crimes de tráfico de drogas e porte de arma de fogo.
FBI recebeu permissão
O FBI já tinha recebido permissão para usar outros tipos de vigilância para localizar outro veículo, um “Jeep preto”, associado ao suspeito, de acordo com o pedido do mandado. Novamente, eram técnicas de vigilância tradicionalmente usadas para localizar telemóveis, sendo o primeiro um localizador de chamadas que obtém dados de uma operadora móvel para monitorizar as conexões feitas pelo dispositivo a outros telefones ou dispositivos eletrónicos.
O segundo era o chamado “mandato de ping”, ou seja, de localização de telemóvel, o qual mostra a localização das torres de telemóvel utilizadas por um determinado dispositivo. Isso forneceu-lhes a localização de uma concessionária de automóveis, onde souberam que o suspeito tinha trocado o Jeep pelo Dodge.
Depois disso, o FBI decidiu usar o simulador de uma estação base de telemóvel. Um agente federal explicou o motivo, referindo que automóveis como o Dodge eram “frequentemente equipados com modems de telemóvel dentro dos seus veículos. Esses modems são atribuídos a um identificador móvel exclusivo e geram registos históricos semelhantes a um telemóvel”.
Os registos podem ajudar na identificação da localização do veículo, incluindo padrões de viagem e áreas onde o indivíduo pode residir ou frequentar.
“Esses registos podem ajudar na identificação da localização do veículo, incluindo padrões de viagem e áreas onde o indivíduo pode residir ou frequentar. A maioria dos fabricantes de equipamento original (OEM) fez uma parceria nos EUA com os operadores AT&T ou Verizon para fornecer conectividade móvel nos seus veículos. Uma verificação das informações de código aberto da AT&T identifica o Dodge Durango Hellcat de 2021 como um veículo que possui um ponto de acesso WiFi integrado que é atendido pela AT&T”.
A ferramenta Stingray pareceu ter ajudado, com outro documento do governo americano a mostrar que o mandado tinha sido executado e que o simulador do local da célula de comunicação tinha indicado que havia uma “alta probabilidade” de o Dodge estar localizado dentro de uma garagem.
O suspeito no caso, Shaft A. Darby, declarou-se inocente das três acusações que enfrenta. Indiciado em março, foi preso em meados de julho.
Tecnologia suga tudo à volta
Esta tecnologia Stingray é controversa, pois suga dados de todos os dispositivos que se conectam a ela, o que significa que as informações em telefones ou automóveis de muitos inocentes serão também recolhidas.
É por isso que os legisladores propuseram que a lei exija mandados com forte causa provável antes desta tecnologia de vigilância ser posta a funcionar. E é por isso também que os pedidos de mandados vêm com avisos legais “cliché” com isenções de responsabilidade, como a deste caso de Wisconsin: “O dispositivo de investigação pode interromper o serviço móvel de telefone ou de outros dispositivos móveis na vizinhança imediata. Qualquer interrupção do serviço para dispositivos não-alvo será breve e temporária e todas as operações tentarão limitar a interferência com tais aparelhos”. Também se promete excluir os dados registados de não suspeitos.
Este caso ocorrido nos EUA destaca como os automóveis não são mais apenas veículos, mas redes sobre rodas, e todos esses dados podem ser úteis para agências governamentais.
Como a Forbes relatou recentemente, a polícia norte-americana pode e adquiriu dados de localização do sistema de airbag de um carro ou módulo de luz de travão. Também solicitou dados de localização de empresas que possuem sistemas automóveis que rastreiam milhões de coordenadas de GPS de veículos todos os dias, incluindo a GM OnStar e fornecedores de gestão de frotas, Geotab e Spireon.
“Muitas pessoas não percebem que os automóveis modernos não são mais apenas rodas e um motor, são computadores e telemóveis também”, diz Nate Wessler, vice-diretor do Projeto de Fala, Privacidade e Tecnologia da ACLU (American Civil Liberties Union).
“Esses recursos oferecem comodidade e eficiência aos condutores, mas também geram informações confidenciais sobre aonde vamos e o que fazemos. Fortes proteções de privacidade são importantes para esse tipo de informação nas viatutas, assim como o são para as informações geradas pelos nossos telefones móveis e laptops”.