Quando começou a encarar o projecto de fazer o seu próprio sal, Jorge Raiado sabia que este não poderia ser um produto industrial. As duas salinas que o seu sogro comprara há mais de 10 anos em Castro Marim, no Algarve, e a ausência de maquinaria pesada não o permitiam. Mas isso não o demoveu.
Jorge conseguiu uma vantagem competitiva significativa para lutar contra os gigantes do sal que o produzem a preços que rondam os 20 cêntimos de euro por quilo. Associou-se à Universidade do Algarve para obter conhecimento científico que lhe permitisse potenciar o que já tinha e diferenciar o produto que iria colher.
Se a meta estava bem definida na cabeça do empreendedor, a forma para lá chegar era uma incógnita. Contava com o papel de investigadores e estudiosos para o ajudar. Num trabalho de equipa, Jorge percebeu que conseguiria produzir sal de maior qualidade e em maior quantidade se controlasse o movimento das águas.
“Quero manter o projecto mais artesanal possível”, assume Jorge Raiado.
A chave para uma “maior rendibilidade estava em trabalhar em local aberto”, conta Jorge, citando uma pesquisa liderada pelo investigador Tomasz Boski, da Universidade do Algarve, especializado em zonas costeiras e alterações do mar.
Além da investigação – que se focou nas melhorias de processos de produção e na qualidade do próprio sal -, Jorge dedicou tempo e dinheiro para construir uma a marca e até novos produtos, por forma a posicioná-lo mais facilmente nos segmentos gourmet e turístico.
Dessas ideias surgiu a harmonização da flor de sal com outras especiarias, que acabou por dar origem a novos sabores, como a Flor de Sal Aromática, que leva salsa e orégãos, a Flor de Sal Mediterrânea, que “casa” a flor de sal com azeitona e chili, e a Flor de Sal Limão, que além da flor de sal tem como ingredientes a alcaparra e o limão.
Sal artesanal
Extrair sal é um trabalho que exige um especial compromisso. Para quem se quer manter pequeno, artesanal, o labor humano é ainda essencial, do princípio ao fim da cadeia produtiva. É um dos maiores desafios do negócio da Salmarim, depender de uma força de trabalho só necessária sazonalmente, capaz de fazer trabalho manual e com disposição para fazê-lo. Tudo isto é de extrema importância para manter o carácter exclusivo. “Quero manter o projecto mais artesanal possível”, assume Jorge.
Não há grande volta a dar neste ponto: a Salmarim não é, nem quer ser, uma produtora de sal em massa. Os 6 hectares de que dispõem não o permitem.
Pelo que as suas salinas continuarão a ser exploradas como antigamente, sem recurso a maquinaria. “Não é que seja um trabalho pesado. Já não tem a ver com dureza”, apesar de ser ainda assim um trabalho físico, reconhece. “Estamos a ser muito selectivos no que extraímos”, repete Jorge.
A colocação junto do segmento mais gourmet passou muito pela adopção da flor de sal por parte dos chefs nacionais.
Quando fala das salinas desta reserva natural, Jorge fala no seu terroir, pedindo emprestada ao universo vinhateiro a palavra que significa as características especiais de certo solo e clima que influenciam o carácter e a qualidade da produção. “Castro Marim é um sítio com clima excelente. Contei uma vez 121 dias seguidos sem chuva no Verão”, diz.
As salinas têm barros virgens por baixo, que faz com que haja menos infiltração de águas. Estão numa zona húmida, própria para a produção, e a capacidade de evaporação é muito boa. Um potencial já aproveitado em remotos tempos pelos fenícios e pelos romanos, que aí produziam sal.
A colocação junto do segmento mais gourmet passou muito pela adopção da flor de sal, produzida por Jorge, por parte dos chefs nacionais. “Todos os cozinheiros portugueses que têm uma estrela Michelin têm um saleiro nosso”, assegura Jorge.
A primeira abordagem foi feita pelo chef Henrique Mouro, à frente do restaurante lisboeta Bagos, com o qual Jorge mantém uma grande relação. Alexandre Silva, José Avillez, e Benoît Sinthon são alguns dos chefs que trabalham em território nacional erecorrem ao sal da Salmarim.
E, claro, os restaurantes algarvios não escapam, como o Ocean e o Vila Joya. Fornece também sal para os sabores salgados dos gelados Santini, e põe o seu sal em caviar e chocolates, como os do chocolateiro italiano Claudio Corallo, radicado em São Tomé e Príncipe. Assim tornou o canal hoteleiro como uma das maiores fontes de rendimento para a sua empresa, assume Jorge.
Crescer com calma
Castro Marim sempre foi uma localidade habituada ao trabalho de produção de sal, beneficiada por estar à beira de um sapal alimentado pelo rio Guadiana, enchendo e esvaziando os canais consoante as marés.
A vila algarvia era, de resto, conhecida por ser sede de empresas dedicadas à salicultura. Mas a industrialização matou grande parte das empresas existentes que caíram no erro de “tentar competir pelo preço”, conta Jorge. Hoje, sobram alguns empresários a título individual e cooperativas de produção de sal. “É impossível competir com sal a 25 cêntimos o quilo.”
As salinas estavam praticamente abandonadas em Castro Marim nos idos de 2000. Apesar de não perceber nada sobre o processo de produção de flor de sal, Jorge não se intimidou perante o desafio.
“Eu não gostava de facturar muito”, brinca Jorge. Põe os seus objectivos no “meio milhão de euros”, mas quer lá chegar “com calma”, diz.
Assumiu o projecto do sogro em 2007, completamente parado, continuando a trabalhar no sector imobiliário, o seu trabalho a tempo inteiro até aí. Aprendeu o métier nos dois primeiros anos – suficiente para deixar para trás a sua carreira e dedicar-se em exclusivo às salinas.
A capacidade de produção actual é de 14 toneladas de flor de sal anuais. Não produzem durante o Inverno na ausência de um sistema de produção fechado. Mas apanham “o bastante para o nosso cliente, porém em termos de flor de sal precisávamos de mais 3 toneladas para poder crescer”, diz Jorge. A empresa dá lucro e reinveste-o sempre no projecto. “Eu não gostava de facturar muito”, brinca Jorge. Põe os seus objectivos no “meio milhão de euros”, mas quer lá chegar “com calma”, diz.
Por agora, prefere apontar para os “250 mil a 300 mil euros para termos uma coisa pequena que consigamos controlar.
Se eu começar a produzir muito, tornamo-nos numa máquina muito pesada e depois temos de andar a fazer processos que não me apetece fazer. E o que eu gosto de vender é flor de sal, normal, sem mais aditivos”, defende.
Pelo caminho há ainda a luta contra a demonização do sal – a cartilha de que o sal faz mal tout court.
“Sem sal, não vivemos”, contrapõe Jorge, brandindo duas pipetas, uma com sal fino, outra com flor de sal, contemplando os frutos que o acaso trouxe à sua vida.