O estuário do Sado é um local de tradições. Um dos dias que leva mais pessoas para as águas do rio é a sexta-feira santa de cada ano, quando várias pessoas ligadas à comunidade piscatória costeira vão mariscar. É um pouco esta a imagem – ainda que numa escala menor – do que acontece diariamente.
São muitas as pessoas que vão mariscar para o estuário sempre que o tempo e as correntes o permitam. Às vezes vão até sem que estejam reunidas as melhores condições atmosféricas. Na região, a actividade é quase um modo de vida.
É ali, em plena foz, onde o mar e o rio disputam a terra ao sabor das marés, que muitos residentes da região trabalham e passam a maior parte do tempo. É um local onde pessoas estranhas não são bem-vindas. Foi o que aconteceu na fase inicial da Exporsado, uma empresa que se dedica à produção de ostras.
Os locais consideraram que este negócio vinha ocupar um espaço que era deles e, através da junta de freguesia, colocaram vários obstáculos a Pedro Ferreira, director-geral, e aos accionistas da empresa.
Dos cinco hectares que exploram actualmente só saem ostras especiais, produzidas de forma totalmente artesanal e com França como destino.
Para evitar o conflito com os locais, acabaram por ceder e “negociar com a junta”, conta Pedro à FORBES. Instalaram o negócio um pouco ao lado da zona pretendida. “Ficámos numa zona mais mole, até temos uma parte de terreno que não estamos a usar”, explica.
Ainda assim, o responsável acredita que o efeito de uma má convivência seria pior do que as condições do terreno. Esse ponto revelou-se certo, até porque após as cedências da Exporsado as coisas melhoraram e “hoje em dia o convívio é pacifico”, diz.
Dos cinco hectares que exploram actualmente só saem ostras especiais – com um índice de carne superior a 11%, sendo que por norma está nos 15% – que são produzidas de forma totalmente artesanal e têm como destino a exportação para França.
Chegam a Setúbal provenientes da maternidade francesa Grainocean, que pertence a Eric Marissal, um dos accionistas da Exporsado (detentor de 32,5%), e a peça-chave do negócio.
O processo de produção começa pela colocação de 3 mil sementes por saco, quando cada estes atingem os três quilos, dividem-se as ostras novamente por três sacos, e assim que esses três sacos chegam aos três quilos.
O processo repete-se até que as ostras chegam à fase adulta, quando cada saco tem entre 80 a 100 bivalves. Já criadas, as ostras são vendidas aos clientes da empresa em França: cadeias de supermercados, restaurantes, entre outros. Parece um processo simples, mas, na realidade, não é. É trabalhoso.
Sempre que as ostras são divididas é necessário mudar a malha dos sacos (começa pequena e vai aumentando). E, todos os dias, é necessário virar e abanar os sacos de forma a que o folho da ostra parta, para evitar que apenas a casca cresça.
Além disso, ainda há a considerar um potencial riso de mortalidade, mas a menos que aconteça uma catástrofe natural, é um risco sob controle.
Corrida de obstáculos
A Exporsado existe desde 1989, quando foi fundada por António José Silva, mas só em 2012 – e após alguns anos em que a actividade da empresa esteve suspensa – é que o filho do fundador, João Silva, optou por retomar o negócio, desta vez totalmente focado nas ostras.
Até aqui, a empresa produzia e comercializava vários tipos de marisco, mas após um período experimental que durou até 2015, decidiu dedicar-se somente à produção de ostras e desde esse momento o crescimento tem sido contínuo.
De uma facturação de cerca de 300 mil euros em 2016, aumentaram para os 500 mil euros em 2017 e contam agora, em 2018, chegar aos 700 mil euros. Contudo, marcar uma posição no mercado não foi tarefa fácil e, pelo caminho, foi preciso enfrentar alguns obstáculos.
Com a entrada do accionista Eric Marissal, através da sua Grainocean, o projecto ficou muito focado na produção e João Silva, que se interessa mais pela área comercial, decidiu sair.
O que começou como uma pequena experiência, ganhou uma dimensão maior e foi aí que os sócios procuraram um parceiro financeiro: o Millennium Fundo de Capitalização, que passou a controlar 35% do capital.
A Exporsado decidiu dedicar-se somente à produção de ostras e desde esse momento o crescimento tem sido contínuo.
Os outros dois accionistas da Exporsado são a Trocar Opiniões (representada dor Pedro Trovão do Rosário) e a Widely Positive – SGPS (representada por Paulo Silva), ambas detentoras de uma participação de 16,5%.
Pedro explica que este é um sector em que grande parte das empresas trabalham com parceiros internacionais que em troca do fornecimento da semente ficam com a comercialização do produto final. Garantir a recompra é bom, mas como Pedro diz “ficam com a mais-valia do negócio”. Este é o ponto de entrave ao desenvolvimento do negócio em Portugal, e a Exporsado conseguiu ganhar essa autonomia. “Nós somos donos do nosso próprio destino”, refere Pedro.
Bem, em parte. As ostras são vendidas ao fornecedor das sementes a um preço que varia entre os quatro a seis euros por quilo, consoante a qualidade, embora sejam “especiais”, mas é este que lhes dá o tratamento final para que os bivalves sejam comercializados junto do consumidor final.
As questões governamentais foram também um desafio difícil de vencer. José Leal, o responsável pelo departamento financeiro da empresa, explica que o seguro que existe para a aquacultura não funciona na prática. “Existe do ponto de vista jurídico e legal existe, mas não funciona porque nessa lei incluíram a cobertura de vários riscos que a seguradora não está disposta a cobrir”, conta.
Para contornar a questão, a Exporsado teve que recorrer a uma seguradora em Londres e pagar um prémio cujo montante, além de representar um desafio financeiro, não cobre todos os riscos.
Novas metas
Os planos para o futuro da Exporsado são muitos, ainda que uns estejam mais delineados que outros. Certa está já a criação de dois novos parques e um armazém.
A primeira parte desse projecto – um dos parques e o armazém – já tem financiamento e ficará concluído até ao final do ano. A segunda fase será executada posteriormente.
No total, a aposta no crescimento irá custar 4,7 milhões de euros – 2 milhões para cada parque e 700 mil euros para o armazém. José conta que o investimento de 2,7 milhões de euros referente à primeira parte do projecto foi feito “pelos accionistas e pelo projecto Mar 2020”.
O programa da União Europeia que apoia o mar e a pesca vai entrar com cerca de 1,4 milhões. Com os novos parques chegará também um novo método de produção, que levará ao abandono da técnica artesanal usada actualmente.
Se no início da conversa com a FORBES era clara a aposta a 100% na exportação, no final Pedro acabou por confessar o interesse em Portugal e na criação de uma marca própria. “Acho que faz sentido termos presença no mercado nacional”, afirma.
Para tal é necessário que sejam feitas algumas mudanças e mais uns quantos investimentos. Preparar ostras para entrega junto do consumidor final não só exige a criação de uma embalagem, linha de embalamento, mas muito cuidado ao nível da limpeza do bivalve.
Ou seja, para que consigam fazer o que faz o seu parceiro francês – comercializar as ostras junto do consumidor final – a Exporsado terá que criar uma unidade própria, quase uma fábrica para o efeito. Pedro espera um dia conseguir fazê-lo, mas, para já, o enfoque está no crescimento e na estabilização da produção.