A FORBES contactou expatriados com empregos fixos e remunerações em Angola, que consideram assertiva a medida do BNA, mas lamentam que o processo de transferência de divisas para o estrangeiro seja muito difícil, sendo que os bancos comerciais não são penalizados pelo regulador.
“Pela transparência, é normal que sejam os trabalhadores a transferirem o seu dinheiro para o estrangeiro. O BNA tem vindo a afinar o processo para que o país deixe de ter desvio de dinheiro para o estrangeiro, processo que tem sido protagonizado por muitas empresas que alegam estarem a fazer pagamentos de salário”, disse Cléber Corrêa, empresário brasileiro e CEO da Promoveis em Angola.
Apesar de concordar com o aviso, o empresário considera que os bancos em Angola devem melhorar os seus serviços respondendo positivamente à necessidade dos seus clientes. “Com essas novas medidas, é necessário que os bancos cumpram com o seu papel, deixando de criar situações que inviabilizam o processo de transferência de divisas”, alertou.
Cléber afirma que os bancos angolanos fazem o que bem entendem e ainda assim são protegidos pelo BNA. “Em cada reclamação, o BNA deveria aplicar uma multa. Recebem os documentos, mas as transferências não são feitas, sendo que com essa mudança de câmbio do mercado o cliente é o maior prejudicado. Os clientes passaram a ser reféns dos bancos porque sofrem represálias. Não obstante prestarem um mau trabalho, os bancos são as empresas que mais lucram”, disse o empresário.
A expatriada Sílvia Prata entende que o Aviso do BNA é o princípio de mais embaraços para os expatriados em Angola, que todos os meses terão que se dirigir a um balcão para transferir divisas. “Os balcões estarão mais cheios, mais expatriados terão de deixar o local de trabalho para tratar de um processo que as entidades patronais assumiam, mais trabalho administrativo para os bancos e mais motivos para a demora nas transferências de divisas para o estrangeiro”, antevê.
Sílvia Prata espera que o BNA consiga criar medidas para que o processo de transferência seja eficaz e que se altere o quadro negativo dos bancos que não têm honrado com os prazos estipulados neste processo.
Por outro lado, José de Carvalho, expatriado a trabalhar em Angola, deseja unicamente que os bancos comerciais sejam sérios e responsáveis nesta matéria. “O BNA tem conhecimento que os bancos não cumprem os prazos e que os mesmos fazem o que lhes apetece, mas, infelizmente, não se tomam medidas e vamos construindo um setor bancário que finge ser organizado aos olhos dos distraídos”, lamenta.
José de Carvalho partilha que este ano já apresentou reclamações sobre o mau desempenho de dois bancos, mas até agora não teve feedback do processo. “Mesmo depois das reclamações não resolveram o meu problema. Fui chamado, mas alegaram que, pelo facto de estarmos num período em que não há viagens, o banco tem restrições em fazer transferências de divisas”, revela.
O Aviso do BNA
O Banco Nacional de Angola (BNA) procedeu à revisão do Aviso que regula as operações cambiais ordenadas por pessoas singulares, determinando que todos os trabalhadores estrangeiros que auferem remunerações ao abrigo de um contrato de trabalho devem obrigatoriamente abrir uma conta num banco domiciliado em Angola, devendo a transferência da sua remuneração para o exterior ser feita exclusivamente através dessa conta.
Acrescenta ainda que esta disposição elimina a possibilidade da transferência ser feita através da conta da entidade empregadora domiciliada num banco em Angola diretamente para a conta do trabalhador no estrangeiro.
Para o economista Rui Malaquias,“o que acontece é que as empresas que têm colaboradores estrangeiros no seu quadro de pessoal remunerados lá fora, estavam a usar o argumento de pagamentos dos salários para sustentar a fuga de divisas para o exterior, enviando muito mais do que a massa salarial. O BNA, com esta medida, vem pôr fim a esta prática, fazendo com que sejam os próprios trabalhadores, por meio de uma conta bancária num banco comercial, a enviarem os seus rendimentos para o país de origem”.
O aviso nº 17/2020 de 3 de agosto esclarece ainda que existe a necessidade de se melhorar e alinhar os procedimentos referentes às transferências de não residentes cambiais à demais legislação que rege esses pagamentos.
“A exigência aos cidadãos estrangeiros de terem conta em bancos comerciais angolanos faz todo o sentido e existe em qualquer parte do mundo, pois se estes recebem rendimentos em moeda nacional ou estrangeira, devem manter estes rendimentos no sistema financeiro, o que implica ter uma conta bancária. Caso queiram enviar para fora de forma legal e cómoda, só mesmo pelo próprio sistema financeiro nacional, daí que a regra não me perece ter nada extraordinário”, disse o economista.
Questionado sobre o impacto que poderá causar na renda dos trabalhadores expatriados, o economista respondeu que “o aviso destina-se a todos os estrangeiros que trabalham em Angola, e penso que o artigo 15 na sua alínea 1 fala sobre os estrangeiros que são remunerados em Angola, e não é extensivo aos que não são. Os que são remunerados em Angola devem, e muito bem, ter contas em bancos comerciais angolanos. Aliás, como acontece em todo o mundo”, defende Rui Malaquias.