A Worldcoin é uma nova moeda digital, cujo lançamento aconteceu em meados de julho, com o mercado português a ser o primeiro europeu a recebê-la. O projeto, que hoje já é unicórnio, com uma valorização de mais de mil milhões de dólares, anunciou uma nova ronda de investimento – série B, cerca de 100M$ – liderada pela Andreessen Horowitz.
A Worldcoin pretende criar o maior ecossistema de cripto de sempre, através da distribuição de mil milhões de Worldcoin e da criação de uma comunidade global esclarecida, enquanto se posiciona como incubadora de um novo sistema financeiro global.
Portugal é o primeiro mercado europeu em que a Worldcoin é lançada, com Ricardo Macieira a desempenhar as funções de Regional Growth Manager, o que significa que será um português a liderar os esforços de expansão da Worldcoin na Europa.
Em entrevista exclusiva à FORBES, Ricardo Macieira refere que este projeto de criptoativos vai “tentar fazer algo que nunca foi feito antes: distribuir criptomoedas por mais de mil milhões de pessoas”.
A Worldcoin é uma nova moeda digital. Em que é que se distingue das existentes?
Ricardo Macieira (RM): A Worldcoin é um projeto muito diferente de tudo o que já foi feito na área das criptomoedas por vários motivos. Em primeiro lugar, porque queremos criar o maior ecossistema de criptomoedas de sempre, garantindo que a nossa moeda seja distribuída de forma justa pelo maior número de pessoas (mil milhões, para ser mais concreto). Em segundo lugar, porque estamos a fazê-lo “no terreno”, com as nossas equipas de operadores, dando a conhecer o projeto e educando as pessoas sobre este universo que são as criptomoedas, explicando-lhes a sua importância para o presente e futuro. Por último, porque acreditamos que a tecnologia que estamos a desenvolver, baseada num sistema de verificação inovador, servirá para dar resposta a alguns dos desafios atuais do setor, nomeadamente o acesso às criptomoedas, e poderá servir de base para o desenvolvimento de outros projetos e startups.
Distinguir novos utilizadores de uma forma que proteja a sua privacidade e escalar esse sistema de verificação para todo o mundo é um desafio. A nossa abordagem (World ID) baseia-se num dispositivo biométrico criado de raiz por nós – chamamos-lhe Orb – que verifica a singularidade de uma pessoa através do reconhecimento da íris, assegurando ao mesmo tempo a sua privacidade através de criptografia. Esta abordagem funciona como “prova única – humana” e, escalada de forma sustentada, poderia permitir-nos desbloquear muitas aplicações. Por esse motivo, acreditamos que a Worldcoin pode mesmo vir a ser a solução para a próxima geração de blockchain e a incubadora para um novo sistema financeiro global.
A tecnologia de verificação “que estamos a desenvolver baseia-se num dispositivo biométrico criado de raiz por nós – chamamos-lhe Orb – que verifica a singularidade de uma pessoa através do reconhecimento da íris, assegurando ao mesmo tempo a sua privacidade através de criptografia”.
Das criptomoedas existentes, quais são as que se posicionam como “benchmark” para vocês?
RM: É difícil olharmos para outras moedas e projetos como um “benchmark” porque nós estamos a desenvolver algo muito diferenciador. Acreditamos que a missão da Worldcoin é bastante única, pelo que a comparação com outros projetos não seria justa, nem para estes, nem para nós. Como referido anteriormente, estamos a trabalhar com o intuito de resolver problemas não só relacionados com a distribuição justa das criptomoedas como com os desafios atuais da Web 3.0, nomeadamente a distinção entre uma pessoa real e um bot e a privacidade dos seus utilizadores. Estamos, por isso, a tentar fazer algo que nunca foi feito antes: distribuir criptomoedas por mais de mil milhões de pessoas. O nosso modelo foi cuidadosamente concebido para superar muitos dos atuais desafios das criptomoedas. O acesso a este universo depende, geralmente, do acesso a três coisas: dinheiro, conhecimento, ou habilidades técnicas. E, geralmente, quanto maior for o acesso a estas três dimensões, maior será o potencial de valor da moeda. A Worldcoin proporciona uma forma simples e acessível de participar neste mundo sem necessitar de dinheiro, conhecimento, ou competências técnicas.
“Estamos a trabalhar com o intuito de resolver problemas não só relacionados com a distribuição justa das criptomoedas como com os desafios atuais da Web 3.0, nomeadamente a distinção entre uma pessoa real e um bot e a privacidade dos seus utilizadores”
Qual é o valor atual desta nova moeda?
RM: Como outras moedas, o valor da Worldcoin será determinado por uma série de fatores de mercado, como o número total de utilizadores e a oferta total de Worldcoin em circulação. Neste momento, a moeda não está na mainnet (rede onde as transações de criptomoedas podem ser processadas), apesar de já estarmos a distribuí-la justamente. Ou seja, não conseguimos atribuir-lhe um valor porque ainda não está em circulação. Atualmente, já 600.000 pessoas aderiram ao projeto em todo o mundo.
Como pensam potenciar o valor da Worldcoin?
RM: As criptomoedas como a Worldcoin têm valor devido aos efeitos de rede – em suma, isto significa que o seu valor depende do número de pessoas que as utilizam. Quanto mais pessoas possuírem a mesma moeda, mais útil esta se torna, uma vez que é possível fazer transações com mais pessoas e utilizá-la de mais maneiras. Isto, por sua vez, torna-a potencialmente mais valiosa. Acreditamos que este universo não está nem perto de realizar todo o seu potencial (e valor), porque as criptomoedas são ainda detidas por uma percentagem muito pequena da população mundial. Esta é a ideia que alavanca todo o nosso projeto: se mil milhões de pessoas detiverem Worldcoin, cada uma poderá enviar dinheiro muito facilmente a outras mil milhões de pessoas em todo o mundo. Ao dia de hoje, a nossa comunidade já tem mais de 600 mil pessoas.
Quais são os principais investidores desta nova proposta de criptoativo?
RM: O nosso projeto está a ser apoiado por investidores bastante relevantes, que têm contribuído muito positivamente para que seja possível desenvolver e produzir as Orbs, o atual sistema que estamos a usar para que as pessoas adiram ao projeto. Tivemos, desde logo, várias pessoas interessadas e que acreditaram bastante no projeto. Desde a Andreessen Horowitz, a Coinbase, Reid Hoffman e até o próprio Sam Altman (um dos cofundadores). Mas mais importante do que o “valor” que nos dão, é o conhecimento que conseguimos aportar tendo estas pessoas onboard. Isto dá-nos garantias de que estamos a construir algo coeso, uma vez que estamos a receber conhecimento e feedback de pessoas que já desenvolveram outros projetos muito grandes.
A sede da Worldcoin é Berlim, na Alemanha. Qual a razão para terem escolhido Portugal como o primeiro mercado europeu?
RM: Portugal é um mercado fantástico para apresentar produtos. Temos uma população que é bastante informada sobre o que está a acontecer na área da inovação e aberta a isso. Além disso, é um mercado pequeno, o que nos permite recolher mais atenta e eficazmente o feedback dos utilizadores e aperfeiçoar a forma como atuamos e desenvolvemos o projeto.
Este é também um mercado onde conseguimos extrair muita aprendizagem sobre o que resulta, porque o utilizador português sabe muito bem o que quer. O facto de eu também ser português e estar à frente do projeto também ajuda um pouco a perceber quais são as estratégias que podem funcionar melhor neste mercado.
Como é que o Ricardo Macieira assume este desafio?
RM: Assumo este desafio com muito compromisso e entusiasmo. Mas é muito curioso porque, se me perguntassem há 10 meses se eu estaria a trabalhar no universo das criptomoedas, eu diria que não, apesar de ter trabalhado durante dois anos na Revolut.
Na altura, não estava a ver o real benefício que as criptomoedas traziam, até que apareceu a oportunidade de me juntar à equipa da Worldcoin. O facto deste projeto ser tão diferente, tão apaixonante e almejar ter impacto no mundo fez-me aceitar logo. O que estamos a tentar criar pode levantar algumas questões, nomeadamente se será possível trabalhar a possibilidade de existir um rendimento básico universal à escala, algo que nunca foi feito. Como é que nós endereçamos riqueza de forma justa? Como é que distribuímos uma criptomoeda pelo maior número de pessoas possível? Com todas estas questões, que levantam tantas possibilidades, era muito difícil para mim dizer que não.
A Worldcoin terá também um gestor específico para o mercado português?
RM: Sim, teremos alguém responsável pelo mercado português, bem como nos outros mercados, mas ainda estamos a definir como será a estrutura europeia. O nosso foco, neste momento, é captar talento. Quando tenho à minha responsabilidade a junção de equipas novas, tento sempre contratar menos, mas melhor. Procuro posicionar-me numa situação em que eu seja sempre “the dumbest person in the room”, porque queremos pessoas que aportem conhecimento e se complementem. Temos, neste momento, várias posições abertas. Todas as vagas podem ser vistas em https://worldcoin.org/careers
Quais são os planos para desenvolver o projeto no nosso país? Que objetivos têm para Portugal?
RM: Primeiro, temos um objetivo global: queremos garantir que mais de mil milhões de pessoas têm acesso à Worldcoin num espaço de dois anos. Portugal é o mercado onde nos apresentámos em primeiro lugar na Europa, portanto queremos que o máximo de portugueses consigam ter a sua quota parte da Worldcoin. O nosso objetivo é crescer e distribuir rapidamente, mas de forma consistente. Além disso, queremos educar mais pessoas sobre as criptomoedas, porque acreditamos que o que está a acontecer neste universo da Web 3.0 vai definir muito do que vai ser o futuro, não só financeiro, como das empresas e da sua participação democrática em processos empresariais de distribuição de riqueza.
“Portugal é o mercado onde nos apresentámos em primeiro lugar na Europa”
Na Worldcoin, enquanto plataforma que permite a entrada muito fácil e simples na área das criptomoedas, também queremos, trazendo as pessoas para a nossa comunidade, educá-las e prepará-las para aquilo que vai acontecer quando estes processos começarem a ganhar uma escala maior. Já estamos a fazê-lo de uma forma muito prática: na aplicação da Worldcoin, é possível encontrar uma secção chamada “drops”. Esta permite aos utilizadores fazerem “mini-cursos” explicativos com os conceitos básicos do universo das criptomoedas, atualmente sobre a Ethereum, a Bitcoin e a Dai. Se, no fim, o utilizador acertar nas respostas, a Worldcoin oferece um token da moeda sobre a qual esteve a aprender. Além de estarmos a distribuir Worldcoin, já estamos também a distribuir e a dar uma entrada e acesso real às criptomoedas através da educação. Por exemplo, estabelecemos já parcerias com universidades, nomeadamente com a Nova SBE e o recém-criado Haddad Entrepreneurship Institute, com o intuito de permitir que a nossa tecnologia seja utilizada para outros projetos e startups empreendedoras.
“Estabelecemos já parcerias com universidades, nomeadamente com a Nova SBE e o recém-criado Haddad Entrepreneurship Institute, com o intuito de permitir que a nossa tecnologia seja utilizada para outros projetos e startups empreendedoras”
Qual será a estratégia para a expansão da Worldcoin na Europa?
RM: Neste momento, já estamos a trabalhar na expansão europeia. que passa por ter a equipa toda focada na estabilização de um mercado de cada vez, neste momento, em Portugal. Agora, estamos à procura de operadores ao longo de todo o país – pessoas empreendedoras, com vontade de integrar um projeto inovador e queiram estar nas ruas portuguesas a dar conhecer o projeto, a fazer a distribuição da nossa criptomoeda e a fazer todo o processo de onboard dos utilizadores, educando, assim, sobre este universo que são as criptomoedas.
Quais os próximos países em que pensam entrar e quando?
RM: Neste momento, estamos totalmente focados no mercado ibérico, uma vez que são dois países tão próximos e que partilham tantas similaridades. Depois, iremos adaptar-nos e moldar as aprendizagens que vamos ganhando em cada um dos mercados. Contamos estar em todos os países da Europa, contudo, queremos fazê-lo da forma mais sustentável e estratégica possível. Só assim é que conseguiremos extrair o máximo de conhecimento para que de cada vez que pensarmos em iniciar as operações da Worldcoin num novo local, o consigamos fazer com mais agilidade, informação e eficiência.
“Contamos estar em todos os países da Europa”
Vão ao mercado numa ronda de investimento de 100M$ de Série B com que objetivo?
RM: Levantámos a ronda de investimento há seis meses com o objetivo de apoiar a missão da Worldcoin de democratizar o acesso às criptomoedas e continuar a desenvolver o nosso modelo de negócio. Muitos dos investidores que participaram nesta ronda são os mesmos da primeira que levantámos, o que nos leva a acreditar que estamos na direção certa, porque eles continuam a apostar e a acreditar no projeto. Os nossos investidores têm elevada experiência de décadas no setor e estão habituados a escalar negócios com modelos mais disruptivos e que têm um verdadeiro impacto mundial. Por isso, o facto de esta segunda ronda ter tido tanto sucesso como a primeira, foi uma vitória para nós e dá-nos força para continuar a trabalhar na missão da Worldcoin.
Há quem olhe para os criptoativos como um risco de poderem constituir meios de crime financeiro ou fuga fiscal. Reconhece que essa possibilidade existe?
RM: É uma pergunta bastante pertinente. Estas questões de crime financeiro e fuga fiscal também acontecem no modelo financeiro atual. É um problema que todos queremos resolver e, por isso, importa que trabalhemos em conjunto para uma solução melhor do que a que existe hoje, porque a inovação tem de avançar, ainda que com algum risco. Só assim será possível criar o espaço concreto para melhorar e evoluir. Compreendo a preocupação, mas a verdade é que a blockchain traz benefícios e ferramentas que neste momento não existem na área financeira tradicional. Na blockchain, todas as transações estão listadas e são completamente transparentes e públicas. É muito diferente do sistema financeiro tradicional, onde muitas vezes estas transações são feitas dentro de uma black box e ninguém consegue aceder ou visualizar.
Acredito que esta estrutura, como está construída, acaba por ser muito mais transparente e democrática. E o lado positivo é que podemos continuar a trabalhar para construí-la de uma forma cada vez melhor, o que nos vai dar muito mais garantias de segurança e transparência.
“Na blockchain, todas as transações estão listadas e são completamente transparentes e públicas. É muito diferente do sistema financeiro tradicional”
Até quando será possível não tributar este tipo de ativos digitais?
RM: Penso que esta é uma questão muito relevante e que deve ser refletida (e respondida) pelas autoridades competentes. Contudo, da minha perspetiva, compreendo a necessidade e o porquê de o serem, mas também considero que todo o processo deva ser feito de forma transparente e justa. Nesse sentido, considero que devem seguir-se os mesmos parâmetros que existem noutros ativos. Compreendo que vá acontecer muito em breve e faz todo o sentido que assim seja, mas temos de garantir que não impede o desenvolvimento de outros modelos de negócio que vão aportar ainda mais valor ao mercado português. O facto de Portugal estar muito bem posicionado na área das criptomoedas e ter muitas pessoas de outros países a vir para cá montar os seus próprios negócios, dá muita força e traz muito conhecimento ao mercado. Já perdemos a primeira revolução agrícola, perdemos também a segunda revolução industrial, por isso, não podemos perder esta. Estamos numa posição em que a probabilidade de estarmos na vanguarda é muito alta.
“Já perdemos a primeira revolução agrícola, perdemos também a segunda revolução industrial, por isso, não podemos perder esta”