Qual a importância para Cabo Verde a presença nesta Conferência dos Oceanos, promovida pelas Nações Unidas?
Esta presença é um momento para perceber qual o estado da arte, no sentido de como é que os países percebem a situação atual dos oceanos, em relação às mudanças climáticas, ao impacto sobre os oceanos, a poluição, extinção das espécies e as consequências económicas e ecológicas. Para Cabo Verde, como um grande Estado oceânico como agora convencionamos chamar, é fundamental perceber quais são as dinâmicas, as parcerias internacionais que podemos desenvolver a partir da perceção que cada Estado, de cada grupo de países, relativamente, ao estado dos oceanos.
Mas em termos práticos quais os pontos a ter em conta?
Nós temos estado engajados com a ideia de ter uma reserva de 30% dos nossos oceanos como área de não pesca e de preservação das espécies. É algo que temos de adaptar à nossa realidade porque 30% é uma percentagem bastante elevada para um país que não tem território terrestre. Isso significa que temos de ver todas as potencialidades que o oceano pode nos fornecer não só ao nível da segurança alimentar, mas ao nível da exploração dos recursos não vivos, ao nível da indústria pesqueira que tem de ser mais bem regulamentada, regulada e alinhada com práticas que sejam sustentáveis. Ou seja, eliminar as pescas de arrasto que levam espécies que não são consumíveis. Continuar a proteger as tartarugas, os grandes corais e regulamentar todas as formas de exploração daquilo que se pode chamar de economia azul. É fundamental também o processo de privatização dos portos, a sua transformação em portos azuis e portos verdes e a exploração onshore e offshore das energias limpas e verdes.
O que Cabo Verde espera receber da parte da organização do evento?
Quando se tem tantos países juntos é muito difícil termos uma expectativa clara. Mas viemos com a máxima expetativa, nomeadamente, de obter um tratamento especial que os pequenos estados insulares devem ter nessa perspetiva. Porque somos os Estados que mais sentem o impacto imediato das alterações climáticas e que mais sentirão num futuro próximo a não adoção, em Lisboa, de um tratado complementar ao Tratado de Paris, do Clima. É preciso estabelecer metas claras, procedimentos claros. Mas da nossa parte é fundamental que haja uma compensação financeira através, por exemplo, da conversão da nossa dívida em bonds verdes no sentido de também incentivar países como Cabo Verde a investir, em vez de haver o pagamento da dívida pública convertê-la em investimentos em economia azul e economia verde. Seria o melhor que poderia acontecer aqui. Mais do que recomendações seria fundamental ter a perspetiva de um bom pacote financeiro para apoiar os países que imediatamente sofrerão as consequências da forma mais gravosas.
Sente que há abertura para acolher os vossos pedidos?
Estamos no primeiro dia. Os trabalhos preliminares e o draft que está a circular pelos corpos diplomáticos dá alguma esperança. Mas acreditamos que é um primeiro passo fundamental, muito diferente do de 2017. Creio que há maior consciência global. Já temos, por exemplo, a Colômbia que declarou que, na próxima semana, com a aprovação das áreas de reserva já atingirá os 30%. No caso de Cabo Verde, é preciso ainda aprofundar os estudos. Vou ter aqui um encontro com o White Foundation, uma das organizações que se predispuseram a ajudar-nos a fazer o mapeamento e a regulação dessas zonas. Mas é preciso ter alguma ciência. Não pode ser feito apenas com medidas políticas.
Por isso, é que o país traz uma forte comitiva?
É preciso acompanhar, com todo um manancial de informação. É por isso, que temos aqui presente no evento uma importante comitiva liderada pelo senhor Primeiro-ministro, mas que da parte do Ministério do Mar inclui a Direção Nacional da Pesca e Aquacultura, o Instituto de Investigação Marítima, temos a Inspeção Geral das Pescas e o Diretor Nacional de Política do Mar. É exatamente para captar, perceber e incorporar nas nossas políticas aquilo que são as melhores práticas. Mas temos sempre que ter sempre a perspetiva que não podemos ser naïf. Ou seja, um pequeno Estado insular não pode ser o primeiro a adotar as medidas mais gravosas. É preciso que as medidas e as consequências sejam partilhadas por um conjunto de Estados e pelo mundo.
Quanto da dívida poderia ser convertida em dívida verde?
Apenas posso dizer que Cabo Verde está empenhado em converter e em negociar com os seus parceiros a dívida pública porque tornou-se incomportável com as consequências da Covid-19 e agora também com guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Creio que há uma grande abertura por parte dos países para rever as dívidas dos países pequenos como Cabo Verde. Até porque temos sido bons alunos, cooperantes e parceiros a nível internacional.
Nesta fase, a economia azul é então o maior trunfo de Cabo Verde?
Sim, porque é dos poucos recursos tangíveis que temos. O valor do pescado, o valor das nossas águas como espaço de circulação marítima, os nossos portos e a sua localização geoestratégica. A possibilidade enorme que temos de produzir energia verde e limpa tanto onshore como offshore. O nosso enorme potencial quanto à produção de energia solar. Cabo Verde tem todos os ingredientes para se posicionar respeitando sempre aquilo que é o pragmatismo. Somos um Estado pequeno, com o território terrestre muito pequeno pelo que é necessário ter um pragmatismo consciente que não seremos o país que irá fazer a revolução. Somos um pequeno país, podemos fazer as coisas bem, podemos partilhar o know-how com outros países, nomeadamente, da CPLP já que esta só terá peso se agirmos em bloco.