Antes de nos encontrarmos com o presidente-executivo da Autodesk, Andrew Anagnost, temos de percorrer a galeria que ocupa o segundo andar da sede da empresa, em São Francisco, e passar por um Mercedes-Benz de tamanho real, versão desportiva, criado a partir de sementes geneticamente modificadas.
Segue-se um manequim com um vestido de nylon impresso em 3D, um implante craniano e um modelo do edifício mais alto da China. Resumindo, estamos no museu dos maiores êxitos de uma fabricante de software que, há 36 anos, foi pioneira em software CAD – desenho assistido por computador.
Anagnost assumiu o cargo em Junho de 2017, depois de uma longa batalha com o activist-investor e da demissão do seu antigo patrão.
A Autodesk passou anos e anos em busca do segundo grande sucesso, comprando start-ups e investindo em investigação, sempre a pensar no longo prazo.
A missão de Anagnost era muito simples: escolher um vencedor. Wall Street acredita que ele acertou em cheio. O preço das acções da Autodesk quase triplicou nos últimos três anos; o seu valor de mercado, cerca de 27 mil milhões de euros, equivale a 13 vezes o valor das receitas.
Ou seja, aposta-se forte numa empresa que tem vindoa perder dinheiro desde 2016. A aposta de Anagnost tem passado por investir em software para a construção civil.
O know-how adquirido com os algoritmos de design e de arquitectura será aplicado à gestão de projectos de construção. Para isso, terá de reduzir a estrutura da empresa e despedir 1.200 colaboradores. “Se tem sido fácil? Não. Mas só poderemos vencer se formos uma empresa que vai do desenho à execução”, realça Anagnost.
Sinergias valiosas
O homem incumbido de desenhar novos softwares para construção cresceu na Califórnia, é fã de ficção científica e de aventuras espaciais. Tem uma personalidade algo rebelde e é um tipo inteligente.
Licenciou-se em Engenharia Mecânica pela California State University, e seguiu para Stanford, onde fez o mestrado e doutoramento. Trabalhou na Lockheed Martin e na NASA, mas a indústria aeronáutica era demasiado lenta para o seu gosto.
Escolheu mudar de indústria e apostou no software. Juntou-se à Exa Corp. em 1992 e, cinco anos depois, ingressou na Autodesk como gestor de produto.
Quando chegou à empresa, o AutoCAD estava no auge e era usado por arquitectos e engenheiros para desenhar desde arranha-céus a componentes automóveis.
Passados 20 anos, o AutoCAD e produtos de design relacionados continuam a assegurar 80% das vendas. Após uma década de crescimento, a Autodesk caiu a pique durante a recessão de 2009, quando as acções transaccionaram abaixo dos 11 euros, menos 75% do que em 2007.
No tempo de Carl Bass, que sucedera a Carol Bartz, a Autodesk fez grandes investimentos em investigação e desenvolvimento (I&D) e apostou num amplo leque de projectos, mas nenhum obteve um êxito tão retumbante como o AutoCAD.
Além disso, ainda teve de lidar com o enorme desafio da computação em nuvem, que veio agitar as águas da indústria de software.
A Autodesk teve de se ajustar e criar parcerias com outras empresas, como a Adobe, e migrar de um modelo algo estático para software online, que pudesse ser actualizado e vendido por subscrição. Até aqui tudo bem, mas a Autodesk não se podia limitar a vender melhor o seu velho negócio – tinha de transformar-se.
Anagnost elegeu o mercado da construção como alvo. Os analistas estimam que o mercado de software de construção possa ascender aos 9 mil milhões de euros até 2020.
À procura de um futuro
No Royal BAM Group, uma empresa de construção sediada na Holanda, o software Autodesk é absolutamente crucial para a sua actividade, desde o desenho de projectos à monitorização da construção in loco.
O software para a gestão de dados e colaboração na nuvem, BIM 360, é outra ferramenta muito utilizada. Dos cerca de 100 projectos concluídos na Irlanda e no Reino Unido, entre escolas e hospitais, todos utilizam o software Autodesk ao nível da manutenção, embora com novas funcionalidades desenvolvidas em conjunto pelos engenheiros da Royal BAM e da Autodesk.
Brian Tolles, analista na Jackson Square Partners, um dos maiores investidores da Autodesk, diz que a empresa tem sido mais rápida que os concorrentes mais directos (e de dimensão idêntica) e que está a conquistar mais clientes do que as pequenas empresas que viram uma oportunidade de negócio nas tecnologias de construção.
Mas nem toda a gente afina pelo mesmo diapasão de Anagnost. Na opinião de Stephen Bersey, analista do banco de investimento japonês Mitsubishi UFJ Securities USA, “o modelo de subscrição não constitui, por si só, um motor de crescimento. É preciso que a empresa continue a inovar em termos de produtos e que estes tenham a adesão do público”.
Anagnost alega que ao estreitar o foco da empresa não está a limitar a inovação, mas sim a pôr a Autodesk a pensar fora da caixa novamente. “Em termos de inovação, éramos muito mais rápidos do que os nossos clientes”, explica Anagnost.
Isso está longe de ser verdade em relação a produtos como o BIM 360 Project IQ, que a Autodesk tem vindo a desenvolver e que usa inteligência artificial para alavancar dez anos de dados de clientes e 39 milhões de problemas reportados por clientes (como danos provocados por água) para antecipar os problemas que requerem uma solução mais rápida num estaleiro de construção. “Quero que a Autodesk fique para a história como a empresa que industrializou a construção”, sublinha Anagnost.
É aqui que entra algum do seu vocabulário mais futurístico: desde as fundações em betão impressas em 3D ao design urbano num mundo de carros autónomos, passando pelas micro-fábricas para artesãos Etsy. Não, isto não é ficção científica. Em menos de uma década tudo isto será uma realidade, diz Anagnost.
A Autodesk vende software estiloso e eficiente para engenharia e construção civil. Os engenheiros são fãs, mas será que isso paga a anuidade?
No passado houve outros produtos que também deram muito que falar – Netscape, Netware, dbase, lotus 1-2-3, AltaVista –, mas dos quais já ninguém se lembra.
Os pacotes da Autodesk são caros. O EV/EBITDA (valor da empresa sobre o lucro operacional) é duas vezes a média entre empresas como a Alphabet, Microsoft, Oracle e VMware. Mas, ao contrário destas, está a perder dinheiro.
Ora, será que os investidores já pensaram que o software que hoje todos querem pode muito bem ser aquele de que ninguém vai precisar um dia mais tarde?
Até ver, o veredicto da Autodesk é simples: uma boa empresa, mas com más acções.