Enoturismo pode dar a Portugal uma “vantagem competitiva”, antevê especialista

Cláudio Martins, consultor de vinhos e CEO da Martins Wine Advisor, olha para 2025 como um ano decisivo para o setor do vinho, marcado por uma mudança estrutural no comportamento dos consumidores e por um teste à capacidade de adaptação dos produtores e das regiões. “2025 foi um daqueles anos que obrigaram um setor inteiro…
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Num contexto de queda histórica do consumo mundial de vinho, o enoturismo surge como uma das principais alavancas para reforçar o setor em Portugal, defende Cláudio Martins, consultor de vinhos e CEO da Martins Wine Advisor, que vê no país uma combinação rara de autenticidade, diversidade e capacidade de criar experiências com valor económico e cultural.
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Cláudio Martins, consultor de vinhos e CEO da Martins Wine Advisor, olha para 2025 como um ano decisivo para o setor do vinho, marcado por uma mudança estrutural no comportamento dos consumidores e por um teste à capacidade de adaptação dos produtores e das regiões. “2025 foi um daqueles anos que obrigaram um setor inteiro a olhar-se ao espelho”, afirma, sublinhando que os números globais deixaram pouco espaço para leituras otimistas.

“Os dados da OIV (Organização Internacional da Vinha e do Vinho) não permitiram romantismos: o consumo mundial caiu para os 221 milhões de hectolitros, o valor mais baixo em quase três décadas”, recorda. Para o especialista, esta quebra está diretamente ligada à transformação das preferências das novas gerações. “As novas gerações, cada vez mais preocupadas com saúde, sustentabilidade e moderação, beberam menos, e quando beberam, escolheram com rigor cirúrgico o que valia a pena.”

Ainda assim, Cláudio Martins recusa uma leitura pessimista do momento vivido pelo setor. “Na minha opinião, não foi um ano de retração; foi um ano de revelação”, defende. E explica: “A queda do consumo mostrou algo essencial: que o vinho precisa, mais do que nunca, de contexto, de cultura, de experiência.”

“A queda do consumo mostrou que o vinho precisa, mais do que nunca, de contexto, de cultura, de experiência.”

É precisamente neste ponto que Portugal, na sua análise, ganha uma vantagem clara. “Enquanto muitos mercados tentaram resistir à mudança, Portugal escolheu acompanhar a mudança com inteligência, transformando fragilidades em vantagem competitiva.” E essa vantagem tem um nome: “O enoturismo tornou-se a prova mais evidente disso.”

Para este especialista, “com um crescimento superior a 14%, Portugal posicionou-se como um dos destinos vínicos mais desejados do mundo”, afirma, sublinhando que esta atratividade vai muito além da qualidade do produto: “Não apenas porque temos vinhos extraordinários, isso já sabíamos, mas porque conseguimos oferecer algo que nenhum algoritmo imita: autenticidade.”

Segundo Cláudio Martins, o visitante atual procura uma ligação emocional com o vinho e com o território: “O visitante de hoje não quer apenas provar; quer participar, sentir, aprender, envolver-se na narrativa.” Quer, acima de tudo, compreender o processo. “Quer perceber como nasce um vinho, como respira uma vinha, quem são as mãos por trás da garrafa.”

Dimensão experiencial faz a diferença no posicionamento internacional de Portugal, refere Cláudio Martins.

“Ao percorrer Portugal, depara-se com um país capaz de transformar um simples passeio numa experiência emocional”, descreve Cláudio Martins, traçando um retrato que atravessa o território. “Da brisa atlântica que atravessa o Minho ao silêncio quente do Alentejo ao fim da tarde.”

Na leitura do consultor, o enoturismo funciona como um multiplicador de valor para todo o setor, criando ligações duradouras entre o consumidor e as marcas, as regiões e os produtores. “O vinho precisa de contexto, de cultura, de experiência”, reforça, voltando à ideia central que, para si, explica a resiliência do setor em Portugal.

Portugal, palco de eventos vínicos com impacto internacional

Este 2025 foi também, na sua perspetiva, um ano de afirmação do país enquanto palco de eventos vínicos com impacto internacional. “Foi também o ano em que Portugal mostrou maturidade no panorama dos eventos vínicos.” Destaca, em particular, o trabalho desenvolvido pela Essência Wine Company. “Organizando encontros que, mais do que eventos, funcionam como plataformas de posicionamento internacional.”

“Lisboa, Madeira e Porto receberam edições de referência da Essência do Vinho”, lembra, mas sublinha que o dinamismo foi mais vasto. “O país vibrava também com dezenas de outros encontros, grandes, médios e pequenos, que reuniram jornalistas, sommeliers, especialistas, compradores, apaixonados e curiosos.” Na sua síntese, “o vinho saiu da mesa e voltou aos palcos”.

No Alentejo, Cláudio Martins aponta um exemplo concreto de como tradição e experiência se cruzam. “A Herdade do Rocim solidificou a sua reputação com o Amphora Wine Day, o único evento nacional dedicado exclusivamente aos vinhos de ânfora.” Um formato que, sublinha, conjuga passado e futuro. “Talhas ancestrais, uma técnica milenar reinventada, produtores nacionais e internacionais, imprensa especializada e um público cada vez mais conhecedor”, num evento que “não só honra o passado, mas reinterpreta o futuro da enologia”.

Outra transformação estrutural identificada em 2025 foi a crescente exigência de personalização. “Se 2025 teve uma palavra-chave, essa palavra foi personalização”, afirma. “O novo consumidor não quer ser mais um; quer ser único.” E isso reflete-se diretamente na oferta enoturística. “Uma prova privada, um jantar íntimo, uma visita exclusiva, um storytelling que se vive, não apenas se ouve.” Na sua leitura, “a personalização deixou de ser luxo: tornou-se expectativa”.

“Se 2025 teve uma palavra-chave, essa palavra foi personalização”

Essa capacidade de adaptação é reforçada por aquilo que considera ser a maior vantagem estrutural do país. “A maior vantagem competitiva de Portugal: a diversidade. Um país pequeno, mas infinito.” Um território onde “castas que não existem em mais lado nenhum, paisagens que mudam de quilómetro para quilómetro, sotaques, gastronomias, microclimas, tradições e modernidades” convivem de forma natural. “É esta pluralidade que permite a Portugal criar experiências irrepetíveis.”

Ao mesmo tempo, o setor entrou definitivamente na era digital. “2025 foi o ano em que o setor percebeu que a digitalização é uma estrada sem retorno.” Para Cláudio Martins, a inteligência artificial deve ser vista como uma ferramenta complementar. “Não para substituir a essência humana, mas para amplificá-la.” Quando bem utilizada, “a IA não desumaniza o vinho; pelo contrário, dá-lhe novos palcos”.

A pluralidade “permite a Portugal criar experiências irrepetíveis.”

Por fim, o especialista destaca a mudança na perceção internacional do vinho português. “Durante décadas, Portugal foi associado ao elogio confortável do ‘excelente value for money’.” Um rótulo que considera limitador. “Em 2025, o setor trabalhou, consciente e estrategicamente, para mudar essa narrativa.” O objetivo é claro. “Hoje, Portugal quer ser reconhecido não apenas pelo preço justo, mas pelo valor intrínseco, pela identidade, pela qualidade, pela inovação, pela profundidade cultural que cada vinho carrega.”

É com este pano de fundo que antecipa o próximo ano. “2026 será o ano em que esta transformação se solidifica.” E conclui com convicção: “Temos os desafios naturais de um mundo em mudança, mas temos também algo que não se compra, não se fabrica e não se improvisa: alma, autenticidade e uma capacidade rara de transformar experiências vínicas em memórias emocionais.”

“Portugal está finalmente a ultrapassar o velho rótulo do ‘value for money’ para se posicionar como aquilo que realmente é: um país de excelência, diversidade, visão e carácter”, afirma. E remata: “2026 não será apenas mais um ano. Será um ano de afirmação, de maturidade estratégica e de oportunidade para todos os que acreditam no futuro do vinho português.”

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