O recente acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) impondo o pagamento de óculos ou lentes de contacto por parte das entidades empregadoras aos funcionários que deles precisem para trabalhar em frente a um ecrã não é verdadeiramente nova. E não é bem aquilo que pode dar a entender.
Os especialistas em direito do trabalho da Abreu Advogados explicam que este acórdão elucida o modo de aplicação das obrigações previstas no Decreto-Lei n.º 349/93, o qual transpôs para a ordem jurídica portuguesa o conteúdo da Diretiva 90/270/CEE.
Madalena Caldeira, sócia contratada da Abreu Advogados, e Cláudia C. Ribeiro da Silva, associada da Abreu Advogados, abordam este tema, clarificando ainda que esta obrigação não se aplica a qualquer caso, antes a situações específicas, mais concretamente, “sempre que os resultados dos exames médicos o exigirem e os dispositivos normais de correção não puderem ser utilizados, devem ser facultados aos trabalhadores dispositivos especiais de correção concebidos para o tipo de trabalho desenvolvido”.
Que consequências pode ter no quadro jurídico português esta decisão?
“Esta decisão apesar de estar a ser divulgada como uma novidade no ordenamento jurídico europeu, ela não traz, efetivamente, qualquer novidade nem no plano europeu, nem para Portugal. Com efeito, a Diretiva que foi interpretada (Diretiva 90/270/CEE) já data de 1990 e foi transporta para Portugal em 1993, com o Decreto-Lei n.º 349/93, de 1 de outubro, que prevê precisamente que sempre que os resultados dos exames médicos o exigirem e os dispositivos normais de correção não puderem ser utilizados, devem ser facultados aos trabalhadores dispositivos especiais de correção concebidos para o tipo de trabalho desenvolvido. Temos ainda a acrescentar que o Decreto-Lei determina que o incumprimento da obrigação acima referida constitui contraordenação grave punível com coima entre 612,00€ e 9.690,00€”.
Ela é replicável em Portugal? Se sim, em que circunstâncias?
“Esta decisão torna-se importante na medida em que as obrigações previstas no Decreto-Lei n.º 349/93 de 1 de outubro devem ser interpretadas de acordo com a decisão do Tribunal de Justiça, nomeadamente, quanto ao modo de disponibilização destes dispositivos especiais de correção, isto é, se têm de ser facultados diretamente pelo Empregador ou se o custo de aquisição dos mesmos pode/deve ser reembolsado pelo empregador (como decidiu o Tribunal de Justiça), bem como se estes dispositivos devem ser utilizados exclusivamente no local de trabalho ou não, como decidiu o Tribunal de Justiça”.
O caso em concreto analisado
Esta decisão do TJUE surgiu após o recurso de um funcionário público romeno, que trabalha no Serviço de Imigração do Departamento de Cluj, que no exercício da sua atividade trabalha com equipamentos dotados de visor e que exigiu o reembolso de 530 euros gastos nuns óculos graduados.
O funcionário justificou que “o trabalho com visor e outros fatores de risco, como a luz ‘visível descontínua’, a falta de luz natural e a sobrecarga neuropsíquica provocaram uma forte deterioração da sua vista. Por conseguinte, mediante recomendação de um médico especialista, teve de mudar de óculos graduados, a fim de corrigir a diminuição da sua acuidade visual”.
Perante esta situação, o Tribunal Europeu justifica que o “artigo 9.°, n.° 3, da Diretiva 90/270/CEE do Conselho, de 29 de maio de 1990, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde respeitantes ao trabalho com equipamentos dotados de visor (quinta diretiva especial na aceção do n.° 1 do artigo 16.° da Diretiva 89/391/CEE), deve ser interpretado no sentido de que: os ‘dispositivos de correção especiais’, previstos nesta disposição, incluem os óculos graduados especificamente destinados a corrigir e a prevenir perturbações visuais relacionadas com um trabalho que envolve equipamento dotado de visor”, sendo que “estes ‘dispositivos de correção especiais’ não se limitam a dispositivos utilizados exclusivamente no âmbito profissional”.
Deste modo, às entidades empregadoras compete a “obrigação de fornecer aos trabalhadores em causa um dispositivo de correção especial”, sendo que esta decisão “pode ser cumprida quer pelo fornecimento direto do referido dispositivo por esta última, quer pelo reembolso das despesas necessárias efetuadas pelo trabalhador, mas não pelo pagamento de um prémio salarial geral ao trabalhador”.