A União de Associações de Comércio e Serviços (UACS) completa 152 anos neste dia 1 de abril, representando milhares de empresários que desenvolvem a sua atividade na cidade de Lisboa.
Carla Salsinha foi a primeira mulher a ser Presidente da UACS – depois de já ter estado à frente da associação entre 2011 e 2017, está agora de regresso para assumir o comando da instituição, numa altura em que os pequenos empresários procuram reerguer-se da crise provocada pela pandemia.
Na semana em que o Governo tomou posse, Carla Salsinha defende uma redução da carga fiscal que recai sobre as empresas como a melhor maneira das PME superaram as dificuldades.
Dirigiu a União de Associações de Comércio e Serviços, em 2011. Agora regressa, num segundo mandato. No período de cerca de uma década, quais as principais diferenças que assinala no comércio tradicional, designadamente o de Lisboa, que representa, entre 2011 e 2022?
Carla Salsinha (CS): Encontro três diferenças principais. A entrada de uma nova geração no setor do comércio com um elevado grau de formação e conhecimento, que traz novas abordagens, novos conceitos e novas formas e realidades de trabalho, mesmo quando são seguidores de negócios com um forte pendor tradicional. A consciencialização da importância das redes sociais para o sucesso nos negócios neste novo século, tentado a estar nas diversas plataformas e redes sociais, e também a aposta na diferenciação dos seus espaços relacionado com a associação de novos e diferentes serviços aos produtos, que se comercializam. Acrescento, ainda, a importância de acrescentar valor aos seus produtos pela presença de um consumidor cada vez mais informado, mais conhecedor do produto, que pretende comprar e cuja exigência é cada vez maior, colocando desafios constantes aos empresários.
Como é que o pequeno comércio resistiu à pandemia? Tem números sobre insolvências?
CS: Resistiu com uma capacidade de superação e de resiliência notáveis. Adaptando-se quase diariamente ao longo destes dois anos de pandemia e às sucessivas proibições e limitações a que foi sujeito. Relembro que o setor do comércio que a UACS representa na sua quase exclusividade não vendem produtos de primeira necessidade (sapatarias, livrarias, lojas de vestuário, etc) e foram as primeiras atividades a sofrerem as limitações e as que mais tempo estiveram encerrados. Foi ainda impactado pela duração do teletrabalho com a ausência das pessoas na cidade durante largos meses, mesmo após o levantamento das restrições e o receio do regresso à normalidade e às rotinas diárias. Sobre as insolvências, não temos um número certo, no entanto, diria que ao longo da cidade entre 10 a 20% das empresas não reabriram. Como exemplo, só na primeira fase na Baixa de Lisboa encerraram mais de 100 lojas, um número exemplificativo das consequências da pandemia para o nosso setor.
Para se reerguer, que medidas poderiam beneficiar o comércio mais tradicional?
CS: Das medidas mais significativas, saliento uma redução da carga fiscal que recai sobre as empresas e a redução da taxa do IVA, do IRC, que teria um impacto mais direto do que linhas de crédito, que são apenas mais uma forma de as empresas se endividarem e não as ajuda a reequilibrar. Poder contar com o apoio ou redução nos custos diretos das empresas, tais como a eletricidade e água. Por exemplo, em Lisboa 50% do valor da fatura de água das empresas, não representa na realidade o seu consumo, mas sim taxas para a Câmara Municipal de Lisboa. Reforço que a melhor forma de ajudar as empresas não são os subsídios ou linhas de crédito, mas sim diminuir os seus custos e criar condições para que possam de uma forma estável, competitiva, sem entraves e burocracia desenvolver a sua atividade.
“A melhor forma de ajudar as empresas não são os subsídios ou linhas de crédito, mas sim diminuir os seus custos”
O governo tomou posse esta semana. O que entende que deveria ser feito para proteger o comércio tradicional?
CS: Apoiar as empresas na redução dos custos de contexto, diminuir a carga fiscal, reduzir a burocracia e essencialmente o Estado deixar de estar tão presente nas vidas das empresas. A questão da mão-de-obra e da dificuldade que o nosso setor tem em recrutar pessoas para trabalhar, problema que atravessa os diferentes setores, tem de ser uma das fortes preocupações do novo Governo. É seguramente importante que o novo Governo mantenha aquilo que se conseguiu durante estes complexos anos de pandemia. É também importante que continuem a trabalhar e a decidir em conjunto com as estruturas associativas empresariais que representam os diferentes setores, ou seja, decidirem em conjunto com aqueles que diariamente trabalham, que conhecem e lutam com os desafios nas suas empresas. Outra medida que seria bem-vinda seria a possibilidade de, até ao terceiro trimestre, os impostos poderem ser pagos de uma forma faseada, sem multas, nem juros.
“Outra medida que seria bem-vinda seria a possibilidade de, até ao terceiro trimestre, os impostos poderem ser pagos de uma forma faseada, sem multas, nem juros”
Que objetivos pretende atingir neste mandato?
CS: Uma nova direção quando toma posse, como é o caso da nossa que está em exercício há apenas dois meses, traça sempre inúmeros desafios, mas diria que prezamos o reforço e o reconhecimento do nosso setor como um dos que mais contribui para a economia das cidades e o que mais emprega. O investimento na digitalização do setor é outro dos objetivos, para que as plataformas e redes sociais passem a ser uma das ferramentas fundamentais na reconversão das empresas, e ainda, fazer entrar nas rotinas e nas tomadas de decisão o tema da sustentabilidade.
Depois das grandes superfícies, o e-commerce. Este é mais um desafio para o pequeno comércio?
CS: O e-commerce é seguramente um enorme desafio, pela dimensão das empresas e pelas características dos negócios.
Em que medidas está a pensar para permitir que o comércio de bairro acompanhe a era digital em que nos encontramos? Tem falado nos bairros digitais. Quer desenvolver mais?
CS: Penso que os Bairros Digitais podem vir a ser uma das vias de transformação digital do comércio das cidades. Pode permitir criar uma nova dinâmica, no que respeita aos moradores/fregueses, através da potenciação, por meio de canais digitais, do conhecimento do seu bairro, permitindo que o comércio do bairro se transforme e reconverta. Com base na criação de meios digitais de divulgação de promoção, queremos que seja possível, interagir com quem trabalha, com quem vive e com que visita o bairro, de uma forma mais eficiente mais rápida e direta. Estes são verdadeiras oportunidades, pois não se necessita de criar nem mais conceitos, nem mais plataformas, nem mais formatos diferenciadores, sendo que eles já existem, teremos apenas de os aplicar de uma forma inteligente e simples ao serviço dos diferentes agentes utilizadores dos bairros.
“Os Bairros Digitais podem vir a ser uma das vias de transformação digital do comércio das cidades”
Levou praticamente um século e meio até haver uma mulher como Presidente da UACS. Cerca de dez anos depois, no pequeno comércio continua a haver poucas mulheres à frente das empresas?
CS: Não, pelo contrário. O mundo empresarial tem hoje, cada vez mais e em maior número, mulheres a dirigir as empresas, e particularmente no setor do comércio, diria que uma grande maioria das empresas são dirigidas por mulheres, o que não acontece no movimento associativo empresarial, em que, aí sim, o número de mulheres é muito reduzido. As mulheres desempenham múltiplos papéis e muitas vezes, por o mundo associativo exigir muitas horas de dedicação que são retiradas à nossa família e às nossas empresas, leva a que muitas de nós não participem. Mas, felizmente tal está a mudar. Estou no mundo associativo desde 1998 e era normal estar em reuniões em que era a única mulher dirigente associativa presente. Hoje tal já não acontece. O desafio é que cada uma de nós, ao abraçar um desafio destes, traga sempre mais consigo.
“O mundo empresarial tem hoje, cada vez mais e em maior número, mulheres a dirigir as empresas. Mas no movimento associativo empresarial o número de mulheres é muito reduzido”.