Depois de a Casa Mendes Gonçalves, dona dos molhos Paladin, lançar na Euronext obrigações sociais no valor de 2,5M€ para a compra de habitações destinadas à integração de refugiados que se queiram instalar na Golegã, onde se situa a sua sede, Bruno Amorim, CFO da Casa Mendes Gonçalves fala da iniciativa e do alinhamento da empresa face aos princípios ESG, olhando ainda para o que são as responsabilidades sociais das empresas em Portugal.
Considerando que a emissão de obrigações em Portugal é feita quase que em exclusivo por grandes empresas, e maioritariamente cotadas em bolsa, por que motivo é que a Casa Mendes Gonçalves decidiu realizar esta emissão de obrigações sociais e porquê agora?
Bruno Amorim: De facto, esta tomada de decisão é algo inovadora para uma empresa que não está inserida no mundo das empresas cotadas em bolsa. A verdade é que, atentos ao framework ESG, cabe-nos alinhar a nossa estratégia e a nossa decisão por este tipo de financiamento, também pelo facto de o ESG estar na base diária das nossas preocupações de gestão. Levamos diariamente a exercício um modelo de trabalho transversal a toda e empresa, e, portanto, caminhamos no sentido de todo o nosso financiamento seguir as linhas ESG. Fizemo-lo agora por estarmos conscientes de ser um imperativo, também ligado ao facto de termos em curso um programa de acolhimento e integração de refugiados que nos impõe requisitos de ordem humana e operacional. São pessoas que precisam de casas para se poderem estabelecer sendo este, neste momento, um dos maiores desafios nacionais, ou seja, ter habitação disponível e acessível para as pessoas que chegam ao país em situação de vulnerabilidade social. A Casa Mendes Gonçalves, fez, por isso, questão de reforçar o seu investimento na compra de habitações que lhe permitissem cumprir o seu grande propósito de integração de cidadãos em dignidade.
Quais são os principais objetivos que a empresa pretende alcançar com esta emissão de obrigações sociais?
Temos como prioridade básica garantir que conseguimos disponibilizar casas às nossas pessoas, a valores totalmente acessíveis, para que possam ter a porta de entrada em Portugal, e muito concretamente na Golegã. É aqui que acreditamos poderem estabelecer-se com um estilo de vida que colmate tantas das limitações com que chegam ao nosso país e, uma vez mais, com a dignidade e a paz que lhes cabe enquanto seres humanos com direitos próprios. Acresce o dever que sentimos, e assumimos, em dar o nosso contributo para uma maior consciencialização e premência do tema da habitação em Portugal. Na verdade, precisamos todos de fazer mais, e bem melhor.
Os 2,5 milhões de euros serão aplicados em que iniciativas sociais? Quais são as necessidades sociais específicas que a Casa Mendes Gonçalves espera atender com os recursos provenientes desta emissão?
Este montante que refere será totalmente alocado ao investimento em parque habitacional. Esperamos conseguir garantir uma disponibilização maior de casas aos nossos colegas que se queiram estabelecer na Golegã e criar aqui um futuro que lhes confira índices mais elevados de realização pessoal e profissional e, obviamente, melhores contributos para o desenvolvimento da região.
Já há projetos concretos com os quais se comprometeram em apoiar?
Estamos ainda numa fase inicial e, assim, com a clara noção de que, sublinho, a prioridade é aplicar, no imediato, a totalidade do investimento em parque habitacional. A seu tempo, e cumprida esta meta, outros projetos surgirão e cá estaremos para os abraçar.
Como é que a empresa pensa medir ou monitorizar o impacto na comunidade dos projetos apoiados?
Nesta fase de arranque não temos, ainda, um processo de monitorização e de avaliação científica em marcha. Uma coisa é certa, à semelhança do que acontece em todas as demais atividades da Casa Mendes Gonçalves, não levar a exercício o que é para nós um fator crítico de sucesso é, mesmo, uma não opção. Estamos, assim, particularmente atentos ao nosso ecossistema, mas também à conjuntura local e global, por forma a podermos desenvolver e aplicar “a” métrica que melhor constitua ferramenta capaz de nos fazer crescer de forma saudavelmente consistente e consequente.
Há outras iniciativas ou programas sociais em que a empresa está ou vai estar envolvida?
A resposta é, claramente, sim. O nosso Fundador e CEO, Carlos Gonçalves, acabou de ver reconhecida em Diário da República a Fundação Mendes Gonçalves. Esta é uma iniciativa por si pensada e fundada com grande empenho e todo o fundamento e que atuará em diversos eixos bem definidos. Alicerçada em dois braços associativos, uma Associação para a Educação e Inovação Social, outra Associação para a Agroindústria, ambas têm propósitos bem definidos. A Associação para a Educação e Inovação Social tem como missão erguer uma escola na Golegã, aberta a toda a comunidade e às nossas pessoas. A Associação para a Agroindústria tem como grande missão difundir a agricultura regenerativa em Portugal, e ser fornecedora de matérias-primas dos nossos produtos, como por exemplo os pimentos que utilizamos nos nossos picantes “Sacana” ou os grãos de mostarda que utilizamos nas nossas mostardas “Paladin”. Temos outros projetos sociais que, no âmbito de empresa, pretendemos desenvolver, como seja o lançamento de um programa de voluntariado entre outras ações que começam agora a ser delineadas e trabalhadas.
As empresas em Portugal estão suficientemente comprometidas com as suas responsabilidades sociais ou entende, ao olhar para o tecido empresarial de uma forma geral, que este é um caminho que está muito por fazer?
Considero que cada vez mais as empresas têm uma grande consciencialização social. Há grandes empresas com projetos sociais muito relevantes e consequentes, com impacto muito palpável e positivo. Mas também existem muitas PME que são, de resto, a maioria do nosso tecido empresarial, que ainda não estão totalmente despertas para esta consciencialização e precisam de trilhar esse caminho. Na verdade, e em meu entender, tal caminho tem duas velocidades. Tenho para mim que as cotadas estão em alta velocidade no que respeita aos seus programas de impacto e responsabilidade social. E a estas juntam-se as empresas não cotadas que se predispuseram a seguir-lhes a passada e a caminhar a seu lado, como é o caso da Casa Mendes Gonçalves. E, depois, há um grande mundo de PME que está a baixa velocidade, até por falta de recursos, apoios e/ou incentivos. Em meu entender uma das grandes lacunas do PRR é, precisamente, não ter apoios capazes de dotar as PME para serem mais socialmente responsáveis.