Elisa Ferreira tem estado como Comissária Europeia para a Coesão e Reformas desde dezembro de 2019. Com a nova composição da Comissão Europeia, que deverá ser anunciada em meados de setembro, esta comissária está de saída. Luís Montenegro anunciou esta semana que propôs Maria Luís Albuquerque como candidata para o cargo de Comissária Europeia.
Recorde aqui a entrevista da Forbes Portugal com a agora comissária europeia portuguesa cessante, originalmente publicada na edição de junho/julho de 2024 da revista.
Licenciada em Economia, com um mestrado e um doutoramento, Elisa Ferreira tem tido um percurso profissional bastante preenchido. Passou pela Comissão de Coordenação da Região Norte e foi membro do Conselho de Administração do INE. Foi ministra do Ambiente (1995 – 1999), e foi ministra do Planeamento de Portugal (1999 – 2002). Deputada na Assembleia da República e depois no Parlamento Europeu, foi ainda vice-governadora do Banco de Portugal antes de rumar à Europa para encarar o papel de Comissária.
Como vê o seu percurso até chegar à posição de Comissária Europeia?
Tenho um percurso profissional bastante longo, que foi sendo construído em resposta a oportunidades e desafios diversificados. Como fio condutor comum, selecionaria um perfil duplo: o perfil académico enquanto economista que inclui licenciatura, mestrado, doutoramento e algumas décadas enquanto docente universitária; uma vontade e interesse em ultrapassar os limites académicos e intervir em projetos de interesse público.
As responsabilidades que assumo hoje enquanto Comissária Europeia da Coesão e Reformas fecham, de certa forma, um círculo quando comparadas com os temas e responsabilidades que dominaram o início da minha carreira, quer a nível de pós-graduação, quer quando iniciei uma longa colaboração com a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região Norte. A possibilidade de testar, na prática, processos e projetos concretos de desenvolvimento regional, confrontando-os com as teses académicas e os resultados da investigação universitária e de múltiplos centros de investigação, incluindo as que decorriam dos meus próprios trabalhos, nomeadamente de mestrado e doutoramento em Inglaterra, foram componentes particularmente enriquecedoras.
Recordo ainda a minha participação nos dois governos do Primeiro-Ministro António Guterres do qual sobressai a consolidação de um sistema de abastecimento de água aos grandes centros populacionais, a estruturação do sistema de tratamento de resíduos, em particular os urbanos, o tratamento das águas residuais permitindo a requalificação do litoral, nomeadamente das praias e sistemas dunares.
Depois de uma breve passagem pela Assembleia da República, fui eleita para o Parlamento Europeu, entre 2004 e 2016, como independente nas listas do Partido Socialista. Foi outra fase interessante onde, mais uma vez, as circunstâncias determinaram a minha agenda: a crise financeira internacional de 2008 e a crise das dívidas soberanas que se lhe seguiu. Depois o convite, em 2016, por parte do então Governador Carlos Costa para integrar o Conselho de Administração do Banco de Portugal, inicialmente enquanto membro e depois como Vice-Governadora, ocorre numa fase de conjugação entre este novo quadro regulamentar europeu e uma fase de alguma perturbação no sistema bancário português. O convite do Primeiro-Ministro António Costa para ocupar as funções de Comissária Europeia, assumindo a pasta da Coesão e Reformas, surgiu no verão de 2019, e foi com grande entusiasmo, confesso, que aceitei o cargo. Note-se que, neste trajeto, nem tudo foram sucessos, mas foi um privilégio enorme ter podido desenvolver uma carreira profissional ao serviço da causa pública, em Portugal e na Europa.
Uma das suas responsabilidades passa por “assegurar a prestação de apoio às regiões mais afetadas pelas transições digital e climática”. A Europa ainda está um passo atrás na transição digital?
No último relatório, de 2023, da Década Digital, a Comissão analisou a situação, identificou lacunas e progressos, tanto ao nível europeu, como em termos de desempenho digital de cada um dos Estados-Membros relativamente às metas de competências digitais, infraestruturas, empresas e serviços públicos.
O relatório sublinha a necessidade de se manter um esforço sustentado para se avançar de forma decidida na transição digital, com o apoio financeiro da UE, sobretudo do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER). A título de exemplo, uma das metas digitais inclui a cobertura de todo o território europeu por redes fixas e móveis e de todas as zonas povoadas por redes 5G. Atualmente, apenas 56% dos agregados familiares europeus estão cobertos por redes de fibra ótica, enquanto a tecnologia 5G abrange 81% da população, o que é um bom progresso, mas ainda insuficiente. A estimativa da Comissão é que será necessário um investimento adicional de, pelo menos, 200 mil milhões de euros para atingir as metas definidas a nível europeu. Este investimento é um desafio muito considerável pois deve incidir, sobretudo, nas zonas mais periféricas, que têm maior dificuldade em beneficiar destes serviços sem apoio público. Ajudar a “fechar” esses buracos negros é um dos objetivos da Política de Coesão, que se combina com investimentos complementares ao nível da formação dos recursos humanos e do fortalecimento e requalificação das instituições. Nos Planos de Recuperação e Resiliência (PRR), alguns Estados Membros introduziram elementos relativos à transição digital, uma vez que pelo menos 20% dos montantes totais têm de ser investidos em projetos que contribuam para esse processo.
E quais são as maiores preocupações da Comissão relacionadas com o digital?
A nossa maior preocupação é assegurar que nenhum cidadão e nenhuma região ficará, ou se sentirá, excluída da revolução digital. Atualmente, a exclusão materializa-se também em termos de infoexclusão. Numa sociedade onde o digital é cada vez mais prevalecente, importa evitar que o fosso entre os que têm acesso e os que não o têm continue a agravar-se. Para este efeito, a Comissão está a trabalhar com as autoridades nacionais e regionais para apoiar a racionalização e agilização dos processos de planeamento e licenciamento, de modo a assegurar que mesmo as zonas mais remotas possam beneficiar de conexões de alta velocidade. Este tipo de ação é essencial para permitir o acesso, em toda a UE, a serviços públicos e comerciais essenciais em linha, como a banca, os serviços de saúde, a educação, a interação com a autoridade fiscal, etc. Este processo é também essencial para o desenvolvimento territorial: há empresas e trabalhadores que estarão disponíveis para se instalarem onde a qualidade de vida é superior, isto é, fora dos grandes centros urbanos, desde que lhes seja assegurada a ligação digital ao resto do mundo.
Por outro lado, a transição digital só será uma realidade se forem melhoradas as competências digitais dos cidadãos. A UE definiu como meta assegurar que, em 2030, 80% das pessoas com idades compreendidas entre os 16 e os 74 anos tenham competências digitais básicas e que pelo menos 20 milhões de cidadãos sejam especialistas em tecnologias de informação e comunicação. Alcançar estas metas exige um esforço de todos e pressupõe que se dê prioridade aos investimentos em educação de qualidade, incluindo em ciência, tecnologia, engenharia e matemática, bem como em ações de sensibilização para os mais jovens, tanto rapazes como raparigas. As raparigas, aliás, estão ainda bastante sub-representadas.
Sobre a questão climática, em que ponto é que estamos?
A União Europeia está plenamente empenhada em alcançar o objetivo de se tornar o primeiro continente com impacto neutro no clima até 2050. Para o efeito, adotou o Pacto Ecológico Europeu, uma estratégia holística e intersectorial que inclui todos os domínios de intervenção pertinentes.
A Política de Coesão é uma das principais fontes de financiamento público das medidas ambientais e climáticas, atuando a dois níveis principais: por um lado, apoiando medidas e investimentos para ajudar todas as regiões a preparar-se para enfrentar as alterações climáticas; por outro, ajudando a criar as condições para minimizar os impactos económicos e sociais da neutralidade climática sobre determinados setores nas regiões e criando as condições para evitar que as novas oportunidades tecnológicas e económicas sejam causadores de disparidades regionais agravadas.
A expressão máxima desta última preocupação, ficou bem expressa no presente mandato com a criação do novo Fundo para uma Transição Justa (FTJ) em 2021. Adicionando-se aos apoios estruturais normais, este Fundo apoia a transição de quase 100 regiões europeias, em todos os Estados Membros, particularmente dependentes de energias fósseis e de indústrias altamente poluentes. O objetivo é que estes territórios possam reconverter a sua atividade económica, atraindo novas empresas e novos setores, e formar e treinar os trabalhadores para atividades mais sustentáveis e com futuro.
Em Portugal, estão disponíveis mais de 223 milhões de euros ao abrigo do FTJ para apoiar as três zonas mais afetadas pela transição, aos quais acresce um acesso preferencial a empréstimos. É sabido que os impactos climáticos das secas, inundações, incêndios florestais e fenómenos meteorológicos extremos afetam em particular algumas regiões e que a capacidade de lhes fazer frente é muito variável. As regiões com um menor nível de desenvolvimento levantam preocupações sérias.
No período de programação financeira 2021-2027, a Política de Coesão aumentou o apoio aos investimentos em domínios fundamentais do clima, ambiente, energia, gestão do risco de catástrofes, gestão da água, economia circular. Alguns exemplos: com o apoio da Política de Coesão, a UE espera contribuir para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa em mais de 25 milhões de toneladas até 2030, um valor equivalente às emissões médias anuais de um país como a Croácia. Por outro lado, prevê-se que os fundos da Política de Coesão ajudem a reduzir a vulnerabilidade que hoje ameaça mais de 40 milhões de pessoas face ao risco de inundações ou de fogos florestais que colocam em perigo cerca de 130 milhões de pessoas.
Em Portugal estamos a fazer o necessário?
Portugal fez progressos significativos no processo de transição ecológica e digital, com uma clara ênfase na sustentabilidade e nas energias renováveis. A Política de Coesão tem desempenhado um papel fundamental no apoio a estas transições. Estes apoios ajudaram Portugal a atingir uma posição de líder no domínio das energias renováveis, com uma parte significativa da sua eletricidade produzida a partir de fontes eólicas, solares e hidroelétricas.
Importa estender a todos os setores produtivos, da agricultura aos serviços e às diferentes indústrias, as tecnologias que lhes permitam adaptar-se às novas exigências internacionais e europeias em matéria de conformidade e performance ambiental. Esse é, efetivamente, um objetivo central a ser atingido no contexto da fase de apoios em curso, como o Programa Portugal 2030 e o PRR.
Portugal está também a fazer progressos importantes na transição digital, por exemplo acelerando a implantação de redes fixas de capacidade muito elevada. No entanto persiste ainda um fosso entre zonas urbanas e não urbanas – menos de 70% dos agregados familiares das zonas rurais têm acesso a redes de elevada capacidade. Ao mesmo tempo, a taxa de implantação de redes sem fios 5G continua a ser inferior à média da UE, especialmente nas zonas rurais, onde apenas 20% das zonas povoadas estão abrangidas. É urgente agir a este nível e, uma vez mais, a Política de Coesão tem financiamento disponível para acelerar a expansão das redes fora dos grandes centros urbanos.
Em paralelo, o Fundo Social Europeu (FSE) apoia iniciativas de literacia e formação digital para ajudar a colmatar o fosso digital. O Instrumento de Assistência Técnica, outro dos instrumentos sob minha tutela direta, desenvolveu já dois projetos em Portugal sobre literacia financeira digital.
No entanto, subsistem desafios, como as lacunas na digitalização das PME ou uma baixa percentagem de diplomados em TIC, que, em Portugal, representam 2,5% do total, em comparação com uma média europeia de 4,2%. Em paralelo, os setores da indústria e dos transportes contribuem significativamente para as emissões nacionais, enquanto o parque imobiliário consome 30% da energia, com edifícios residenciais com baixos níveis de conforto térmico.
A geografia portuguesa, com 75% da população a viver na costa, e uma híper concentração das atividades mais qualificadas na capital, torna também necessário repensar, de forma estrutural, a distribuição de oportunidades na totalidade do território nacional. Note-se que os excessos de aglomeração são hoje reconhecidos como fonte de deseconomias e geradores de custos adicionais, económicos e sociais, mas também climáticos e ambientais.
Os jovens são voz ativa na luta pelo clima. Como é que olha para o papel dos jovens neste tema?
A transição climática e digital afeta todos os cidadãos da UE, mas muito em especial os jovens, pois trata-se do seu próprio futuro que está em jogo. Parece-me por isso natural, desejável e importante que as vozes dos jovens sejam ouvidas com a maior atenção. Na Comissão, procuramos dar o exemplo. Em 19 de abril, convidei para um evento em Bruxelas os jovens que participaram na iniciativa europeia EUTeens4Green, que permitiu que mais de 250 jovens desenvolvessem as suas próprias ideias para assegurar uma transição ecológica justa e inclusiva. Foram apresentados 70 projetos envolvendo quase metade dos territórios de transição justa em 19 Estados-Membros. Este projeto demonstrou que é possível reforçar a participação dos jovens na elaboração de políticas.
Precisamos todos da generosidade, energia e competência dos jovens e importa dar-lhe oportunidades de participação cívica e progresso profissional em toda a Europa. Citando Enrico Letta, a Europa garante o direito de sair e circular, mas tem também de garantir o direito de ficar, e ter uma vida decente e próspera, no lugar onde se nasceu. Este segundo objetivo requer um alinhamento regional, nacional e europeu de políticas e instrumentos em prol de um assumido reequilíbrio territorial do desenvolvimento. O abandono de muitos territórios e regiões europeias por parte dos jovens qualificados, forçados pelas oportunidades ou falta delas, é um dos grandes problemas da atualidade com consequências económicas, sociais, ambientais e políticas gravíssimas.
De facto, um dos grandes problemas do nosso país tem sido a fuga de cérebros para o estrangeiro. Como olha para este cenário?
É um processo extremamente complexo, que não se resolve com soluções isoladas. Infelizmente não é exclusivo de Portugal; as transformações tecnológicas, acompanhadas por estratégias políticas pouco clarividentes, ou de curto prazo, têm vindo a acentuar o efeito centrípeto das forças económicas, atraindo pessoas e capital para os centros mais desenvolvidos.
Muitas regiões europeias caíram numa ‘armadilha de desenvolvimento’, isto é, situações de estagnação ou mesmo de recessão prolongada, muitas delas perpetuadas pela incapacidade de retenção de talentos, em particular de jovens qualificados, o que agudiza o seu declínio. Trata-se de uma matéria de grande preocupação.
Em janeiro de 2023 apresentei uma iniciativa para tentar combinar instrumentos de reativação das dinâmicas regionais de modo a ajudar as regiões afetadas da EU a estancar essa tendência de forma a reter e atrair jovens ativos qualificados. Este exercício requer que, também a nível nacional e regional, este objetivo seja conscientemente incorporado nas prioridades políticas e materializado nos projetos selecionados para o apoio dos instrumentos da Política de Coesão.
Em Portugal, o Alentejo, que apresenta sintomas há muito instalados de graves perdas de talentos, é uma das regiões que irá beneficiar do apoio deste mecanismo. Também a Região do Norte sobressai como uma das regiões em perda de talentos, o que é particularmente preocupante pelo facto de se tratar da região mais pesada em termos demográficos e de capacidade empresarial instalada.
Algumas destas regiões em perda possuem, no entanto, capacidade instalada em centros tecnológicos, universidades ou institutos politécnicos, bem como núcleos urbanos com alguma dimensão. No entanto, a capacidade formativa frequentemente não gera suficientes oportunidades de carreira nem uma dinâmica empresarial correspondente. A fixação de jovens competentes em zonas de hemorragia de cérebros requer ações combinadas de desanuviamento das zonas híper congestionadas e de oferta de condições de vida em núcleos urbanos com serviços públicos de qualidade e onde a capacidade tecnológica tenha condições para ser transformada em capacidade empresarial de forma que as empresas criem, nessas regiões, empregos motivadores e salários competitivos.
Transformações mais profundas que estão em curso, como a digitalização dos serviços públicos, a aceleração da simplificação de processos administrativos para empresas e cidadãos ou a agilização do funcionamento da justiça podem ser interessantes neste processo.
Todos estes fatores, se assumidos e implementados de forma articulada, podem ser essenciais para aumentar a produtividade global no país ao corrigir um processo de desenvolvimento assumidamente desequilibrado e, por isso mesmo, excessivamente frágil.
Quando o tema é a igualdade de género, a Europa tem feito o suficiente?
A igualdade e a não discriminação são grandes valores europeus e prioridades absolutas nas propostas legislativas da Comissão Europeia. Sou a primeira Comissária Europeia portuguesa e orgulho-me de integrar um Colégio de Comissários que lidera pelo exemplo: não só é presidido pela primeira vez por uma mulher, Ursula von der Leyen, como é equilibrado em termos de género. Este exemplo estende-se aos serviços: em janeiro de 2024, 48% de todos os cargos de gestão na Comissão Europeia eram ocupados por mulheres.
Também na Política de Coesão, a igualdade de género é um princípio transversal que tem de ser considerado e promovido ao longo da preparação e execução dos programas.
O Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional apoia medidas específicas de apoio às mulheres empresárias a par de medidas destinadas a colmatar as disparidades de género na investigação e inovação e no acesso às tecnologias de informação e comunicação.
A nível mais geral, princípios como a igualdade de remuneração para trabalho igual e a partilha equitativa das responsabilidades de prestação de cuidados estão agora consagrados na Diretiva sobre Transparência Salarial bem como na Diretiva relativa à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar. Com a adoção da diretiva relativa ao equilíbrio de género nos conselhos de administração das empresas, avançámos mais um passo ao nível europeu para quebrar o teto de vidro na ascensão profissional das mulheres.
Outra dimensão à qual sou muito sensível é a do combate contra a violência sobre as mulheres e a violência doméstica. A recente adoção de uma diretiva sobre esta matéria, em maio de 2024, constitui um marco importante: trata-se da primeira legislação ao nível europeu a enfrentar este flagelo de forma abrangente.
No entanto, apesar do progresso registado nos últimos anos, resta ainda muito por fazer. As disparidades entre homens e mulheres — no emprego, nos salários, nas pensões, na prestação de cuidados e na liderança — ainda se mantêm. Temos de encontrar formas de superar os obstáculos estruturais, e por vezes culturais, subjacentes a estas disparidades, a fim de alcançar uma sociedade verdadeiramente igualitária em termos de género.
Quão ameaçados estão os direitos que as mulheres foram conquistando ao longo da história?
Sabemos, pelos ensinamentos da História, que nada está adquirido no que respeita aos direitos humanos. Nem a democracia está garantida, aliás. É preciso lutar por estes valores e defendê-los todos os dias. É verdade que os direitos e o estatuto das mulheres nunca foram tão respeitados e valorizados como hoje, no espaço da União Europeia – infelizmente o mesmo não pode ser confirmado de forma generalizada no resto do mundo. Só que os riscos e ameaças que pesam sobre estes progressos são reais: basta olhar para determinado tipo de discursos que se têm ouvido ultimamente e que julgávamos estar definitivamente ultrapassados. Infelizmente não é o caso.
Importa reforçar também a participação das mulheres na vida política. Atualmente apenas seis Estados-Membros da UE têm parlamentos nacionais equilibrados em termos de género. E é essencial que as mulheres se sintam capacitadas para dar um passo em frente e ser tomadas em conta — como candidatas e como eleitoras — para melhorar a sociedade no seu conjunto.
O que é que gostava que uma menina que sonha com uma carreira política, mas talvez questione se seria possível, soubesse?
A primeira coisa que queria dizer é que não se deve ter medo de sonhar. Sonhar sem receios ou constrangimentos, ambicionar ser parte da mudança por um mundo, grande ou pequeno, mais justo e melhor, é o primeiro passo para podermos realizar as nossas ambições. Porque se não formos nós os agentes dessa mudança, outros definirão o nosso futuro por nós. Segundo, para se concretizar este sonho, é preciso muito trabalho, incluindo trabalho técnico e de análise. E é preciso, obviamente, muita determinação combinada com realismo, humildade e paciência. Claro que um pouco de sorte ajuda. Mas, como se costuma dizer, ter sorte dá muito trabalho. Em terceiro lugar, é preciso saber que uma carreira política é um percurso muito duro, que envolve dias muito longos, quase sempre sob grande pressão, negociações permanentes, poucos momentos de descanso e lazer e, frequentemente, grandes “travessias do deserto” em que não se pode perder o Norte. Tudo isto sob um escrutínio mediático intenso e implacável.
É um percurso ainda mais difícil para as mulheres que escolheram ser mães, porque conciliar a carreira política com o apoio à família representa ainda, para muitas, um exercício de malabarismo permanente.
Dito isto, ver as coisas a acontecer, as decisões que tomamos a terem um impacto positivo nas pessoas, na nossa comunidade, no país, até na Europa, é algo muito gratificante e estimulante, que faz todo o esforço valer a pena. Este foi sempre o que tentei fazer: deixar as coisas melhor do que as encontrei, ajudar a resolver problemas concretos e respeitar as pessoas, que estão sempre em primeiro plano.