Eduardo Serra, o mais internacional dos diretores portugueses de fotografia, que morreu na terça-feira aos 81 anos, dizia que o seu trabalho com a luz e a imagem servia para ajudar o espectador a entender a história de um filme.
“O que tento é criar sentido com as imagens. É importante compreender quais são os elementos dramáticos. O que vou iluminar, as imagens que vou criar [sobre o trabalho de outros] devem levar o público a entender o argumento. Não me interessa fazer uma coisa que seja bonita”, afirmou Eduardo Serra numa entrevista ao jornal Público, em 2009.
Nesse ano, Eduardo Serra vivia um pico de popularidade entre o público português, por causa das duas nomeações para os Óscares – o único português a consegui-lo até então -, com os filmes “Asas do Amor” (1997) e “Rapariga com Brinco de Pérola” (2003), e por se saber que iria trabalhar nos dois últimos filmes da saga “Harry Potter” (2010-2011).
No entanto, quando teve esse reconhecimento público, Eduardo Serra contava mais de trinta anos de carreira atrás das câmaras, aplicando a filosofia de que uma boa fotografia em cinema é aquela que “ajuda à compreensão do filme, que acrescenta emoção à história, que a torna mais legível”, afirmou em 2004 ao Jornal de Letras.
Eduardo Serra nasceu a 02 de outubro de 1943, em Lisboa, filho único de uma família de origens modestas, que vivia perto do Instituto Superior Técnico – “o símbolo da ascensão social” -, onde ingressou num curso de engenharia.
Eduardo Serra, estudante universitário, nunca chegaria a terminar o curso, já embrenhado nas atividades dos cineclubes de Lisboa e, embora de forma discreta, nas lutas académicas de 1962.
Ao jornal Público contou que chegou a juntar-se ao Partido Comunista Português, mas nunca foi “um bom militante” e em 1963 partiu para Paris. “Houve razões políticas e militares que tornaram urgente a minha partida”, disse ao Expresso em 2004.
Em Paris, tentou entrar no Instituto de Estudos Superiores Cinematográficos, mas acabou por se formar na Escola Nacional de Fotografia e Cinematografia, onde obteve os primeiros estudos em direção de fotografia. Também fez igualmente o curso de História de Arte e Arqueologia na Sorbonne.
A primeira década profissional no cinema foi como assistente de câmara em algumas dezenas de produções, trabalhando com Alain Cavalier, Patrice Leconte, François Leterrier, alguns dos realizadores com os quais voltaria a colaborar como diretor de fotografia.
Com dupla nacionalidade, portuguesa e francesa, fazendo de Paris a sua casa, Eduardo Serra regressaria a Portugal já depois da revolução de 25 de Abril de 1974 para filmar, num dos raros momentos enquanto realizador, a curta-metragem “Un Anniversaire” (1975).
No passado mês de julho, a propósito de uma retrospetiva dedicada a Eduardo Serra, a Cinemateca Portuguesa escrevia que este filme “celebra o primeiro ano do 25 de Abril e, em particular, acompanha as primeiras eleições livres, para a Assembleia Constituinte, a partir das experiências dos trabalhadores agrícolas de três aldeias do distrito de Beja”.
A estreia de Eduardo Serra como diretor de fotografia em Portugal deu-se pela mão de José Fonseca e Costa, em 1982, com o filme “Sem Sombra de Pecado”.
“Do ponto de vista cinematográfico, não devo nada a Portugal. Devo muito ao Fonseca e Costa, mas nada a Portugal. Era um filme a que, no estado em que estava a minha carreira, eu ainda não teria acesso. Ele apostou em mim e isso foi decisivo para a minha carreira, mesmo em França”, contou ao jornal Público em 2002.
Voltaria a trabalhar com Fonseca e Costa em “A Mulher do Próximo” (1988) e com pouco mais realizadores portugueses: João Mário Grilo em “O Processo do Rei” (1989), Luís Filipe Rocha, em “Amor e Dedinhos de Pé” (1991), Fernando Lopes, em “O Delfim” (2001).
Eduardo Serra ganhou prestígio internacional sobretudo em França, de onde fez a ponte com Londres e, do outro lado do Atlântico, com Hollywood, sublinhando, ainda assim, prudência na escolha dos projetos.
“Não quero entrar no sistema de fazer filmes para ganhar a vida. Só quero fazer filmes que possa ver como espectador”, disse na mesma entrevista ao Público em 2002.
Trabalhou sobretudo com os franceses Claude Chabrol e Patrice Leconte, com os quais fez mais de uma dezena de filmes, mas também com os britânicos Michael Winterbottom e Iain Softley e os norte-americanos M. Night Shyamalan ou Edward Zwick.
Em 1998 esteve nomeado para os Óscares com “Asas do Amor”, de Iain Softley, num ano em que “Titanic”, de James Cameron, arrasou a concorrência com onze estatuetas. No Reino Unido, Serra venceu o BAFTA de melhor direção de fotografia.
Em 2004, voltaria a ser nomeado para os Óscares pela fotografia de “Rapariga com Brinco de Pérola”, de Peter Webber. Apesar de não ter ganho, não faltaram elogios à forma como recriou os ambientes da época setecentista de Delft (Países Baixos) e a luz dos quadros do neerlandês Johannes Vermeer.
Numa conferência de imprensa em Lisboa, em 2004, Eduardo Serra relativizava o reconhecimento e as nomeações para os Óscares: “Têm um valor simbólico único, facilitam a vida e dão um crédito indiscutível nos Estados Unidos e no Reino Unido”.
A verdade é que, na década seguinte, juntaria ao currículo a participação num ‘blockbuster’ de entretenimento, os dois últimos filmes da saga “Harry Potter”, realizados por David Yates.
“Chego a casa, telefonam-me [e perguntam], ‘Queres fazer os dois últimos Harry Potter por um orçamento de 450 milhões de dólares’? Tecnicamente há tudo, todas as gruas, todas as técnicas, seja o que for é utilizado, temos todos os brinquedos”, recordou Eduardo Serra, em 2010 à agência Lusa.
Depois desses filmes, Eduardo Serra ainda trabalhou com Glenio Bonder em “Belle du Seigneur” (2012) e “A primise” (2013), de Patrice Leconte.
Em 2014, foi distinguido com prémios de carreira pela Sociedade de Diretores de Fotografia dos Estados Unidos e pela Academia Portuguesa de Cinema.
Foi ainda agraciado com o grau de comendador da Ordem do Infante D. Henrique (2004), pelo então presidente da República Jorge Sampaio, e com o grau de Grande-Oficial, da mesma ordem, em 2017, pelo chefe de Estado Marcelo Rebelo de Sousa.
Eduardo Serra era ainda membro honorário da Associação de Imagem Portuguesa, segundo a qual um diretor de fotografia é “responsável pela qualidade artística e técnica da imagem do filme”.
Este ano, a Cinemateca Portuguesa lembrou que Eduardo Serra “foi o mais internacional dos diretores de fotografia portugueses”.
Na retrospetiva que lhe dedicou foram mostrados “três filmes raros” em que “deixou de lado a direção de fotografia para se sentar na cadeira de realizador”: “Un Anniversaire” (1975), “Rink-Hockey – Le Hockey sur Roulettes” (1982) e “Cinéma portugais – Un Mode d’Emploi” (1990).
Lusa