Edite Fernandes é um dos rostos de uma geração que muito lutou pelo futebol feminino em Portugal. A marca que deixou na modalidade é grande e as próprias jogadoras, que hoje representam Portugal nos maiores palcos do futebol mundial, têm a noção disso. Foi a primeira a arriscar uma carreira internacional, abrindo, assim, portas para todas as jogadoras que foram em seguida. China, Estados Unidos, Espanha e Noruega foram os países por onde passou.
A menos de 24 horas da estreia de Portugal no Mundial 2023, Edite falou à FORBES sobre esta presença histórica e o caminho para chegar até este momento.
Como é que alguém que fez parte da seleção nacional e que luta pelo futebol feminino em Portugal viu este apuramento?
Um orgulho imenso. É aquilo que eu às vezes lhes transmito a elas mesmas, a grande maioria daquelas meninas que estão lá passaram por mim. Muito orgulho e felicidade. Eu digo-lhes: ‘Vocês estão a viver o meu sonho também, o sonho de quem andou aqui tantos anos, de outras gerações’. Mas no final também me sinto parte deste feito e deste trajeto todo que foi feito pelo futebol feminino.
E elas próprias fazem questão de lembrar as outras gerações, como a Ana Borges mencionou numa entrevista recente à Forbes.
A Ana Borges é talvez das colegas com quem eu joguei mais anos. Ela foi muito jovem para o Zaragoza e eu já lá estava, e ela também assume que eu acabei por ser um pilar na carreira dela e na ajuda quando ela foi para fora pela primeira vez. Obviamente que todas as jogadoras que lá estão, ao estarem comigo na seleção sentiram o reconhecimento de quem fez também muito por trás. Elas reconhecerem essas gerações, a minha geração, obviamente para mim tem sido um sentimento de orgulho. De facto é bom elas reconhecerem isso e só fazia sentido se assim fosse. Elas não fizeram isto sozinhas, houve todo o percurso, todo um abrir caminho de várias gerações, e elas também acompanharam isso. Ainda assim, elas são de uma geração que também viveu dificuldades dentro do futebol feminino. Também passaram por essas dificuldades e por menos condições, com muito menos coisas que hoje em dia se tem.
Consegue identificar alguns momentos chave durante toda a caminhada que tenham permitido que isto esteja a acontecer agora?
Isto é tudo um trabalho do futebol feminino ao longo destes anos todos, mas acho que o clique, o momento chave deste crescimento, desta sequência de feitos, foi a qualificação para o Campeonato da Europa em 2017. Acho que há um boost do futebol feminino, um abrir mentes e portas. Aqui há toda uma volta enorme no crescimento e na evolução daquilo que tem sido nos últimos anos o futebol feminino. Claro que para trás de 2017 também houve crescimento, batalhas, muita gente a lutar por isto, mas o momento chave para este crescimento todo, esta envolvência e impacto, foi a partir de 2017, quando até a própria sociedade se começa a perceber que o futebol não é só para homens, futebol existe para mulheres, as mulheres também têm muito valor e podem ser reconhecidas pela profissão e paixão que têm.
Como é que olha para esta atenção que, principalmente agora, está a ser dada ao futebol feminino em Portugal?
É o impacto. Foi a primeira vez, um feito inédito, e trata-se da maior competição do mundo no futebol. Também acho que está a haver uma grande euforia à volta de tudo isto. É bom, mas elas pressentem que [são necessários] pezinhos assentes na terra porque isto às vezes tão depressa estamos lá em cima como de repente vem cá para baixo. Por isso é que às vezes o criar expetativas, esta euforia toda à volta da nossa seleção, a comunicação social, o apoio, as marcas a associarem-se às jogadoras, é muito importante e tem muito impacto, mas de qualquer das formas há muita euforia e às vezes é preciso acalmar. Se não, depois criam-se demasiadas expetativas e pode-se tornar não tão benéfico como tem sido. Mas, de facto, toda esta euforia à volta e o apoio do país é extremamente positivo.
O que é que espera que esta participação no Mundial consiga mudar no futebol feminino em Portugal?
A seleção está a fazer um percurso muito positivo, a conseguir resultados, a conseguir estar presente nas fases finais das competições mais importantes. Isto também é fruto do desenvolvimento do futebol feminino em Portugal, do apoio da Federação, da Liga BPI muito mais competitiva, com jogadoras estrangeiras a quererem jogar no nosso campeonato, com os clubes a investirem bastante na formação. Acho que a partir deste Campeonato do Mundo já nada será como era antes, mas há coisas que têm de melhorar. A Liga BPI é um campeonato com muitas equipas e havendo ali seis equipas que quase que são profissionais e outras que são amadoras, há uma discrepância muito grande. Tem de haver ali um equilíbrio, os clubes darem condições e investirem no futebol feminino, para daqui a uns anos termos uma liga, mesmo que seja mais curta, completamente profissional. É esse o objetivo, mas é para daqui a uns 10 anos. Até lá há muita coisa a trabalhar.
Entre as 23 convocadas, que são as jogadoras que se podem destacar neste Mundial?
Eu acho que a nossa seleção realmente é um todo. A nossa seleção tem características muito boas: um espirito de grupo muito forte, muita solidariedade entre todas, muita entreajuda, todas elas têm noção do que passaram para chegar a este Campeonato do Mundo, também viveram dificuldades. Maior é o feito, estarem ali depois de passarem por muitas dificuldades. Destacar jogadoras individualmente acho que seria injusto com a seleção em si. A nossa seleção é muito mais forte no coletivo.
Como é que olha para o grupo que calhou a Portugal?
O sorteio não foi muito simpático para a nossa seleção, elas têm consciência de que estão num grupo muito difícil, mas já nos provaram que conseguem jogar contra qualquer seleção do mundo, das 10 primeiras do ranking, olhos nos olhos, sem qualquer receio e com grande qualidade de jogo. Já está montada a estratégia para este [primeiro] jogo e depois é jogo a jogo. Elas vão sempre entrar para ganhar, sabendo sempre quem têm pela frente. Portugal tem que entrar com a mentalidade de ganhar, como o jogo vai correr isso depois são questões que nós não controlamos. Vão defrontar as melhores seleções do mundo, estamos a falar de uma campeão e de uma vice-campeã do mundo, elas estão extremamente conscientes disso, mas acima de tudo trabalharam para poder dar o seu melhor e para estarem focadas e concentradas em fazer um grande jogo. Se Portugal conseguir pontuar no primeiro jogo, arrisco-me a dizer que pode fazer uma grande figura no Campeonato do Mundo.