O caminho de Duda Vieira parecia estar desenhado para ser aquilo que é visto como o mais tradicional, pelo menos no que às expetativas das pessoas diz respeito. Depois de iniciar o curso de direito na universidade, integraria o concurso público no Brasil e passaria o resto da sua vida profissional a advogar. Mas, antes mesmo da fase do concurso público, Duda já sabia que o seu caminho passava por algo diferente. “A minha jornada profissional começou de trás para a frente”, confessa à Forbes Portugal.
Ignorou a pressão social em relação ao concurso e começou a advogar. Confrontada com o mercado, depressa percebeu que precisava de atrair clientes, garantir que as pessoas confiavam no seu trabalho. Foi aí que entrou a Internet: “Comecei a produzir conteúdo online voltado para essa área, comecei a trabalhar essa parte dentro do meu Instagram.”
A pandemia causada pela covid-19 surgiu na mesma altura, e com ela uma nova oportunidade para a agora criadora de conteúdo. Com a exigência do teletrabalho, os profissionais da sua área perceberam a necessidade de adaptação ao mundo digital.
“Muitos advogados, que até então não se preocupavam com essa parte de produção de conteúdo, perceberam que tinham de começar a preocupar-se, porque eles já não conseguiam atender os clientes presencialmente, tinha de ser online. Foi aí que chegou essa demanda para mim, de pessoas que queriam aprender a fazer isso, e eu comecei a ensinar. Lancei o meu primeiro curso logo no início da pandemia, a ensinar as pessoas a produzirem conteúdo online, e uns seis meses depois intitulei esse curso como uma comunidade. Deixei de vender cursos para liderar uma comunidade. Isso já foi há quase três anos”, explica.
Hoje, Duda é a criadora da comunidade CEO Digital, tem mais de 17 mil alunas e cerca de 470 mil seguidores no Instagram. “Comecei a perceber que a maioria das pessoas que queriam, por exemplo, produzir conteúdo no Instagram não encontravam apoio na vida real. Não tinham apoio da família, do marido, país, enfim. Muitas pessoas desacreditavam, ficava aquela ironia, e muitas vezes a pessoa não conseguia ir para a frente por isso, fora que ela não tinha nem com quem trocar ideias. Foi por isso que surgiu a ideia de não vender apenas um curso com aulas gravadas, mas, sim, ter uma comunidade onde os próprios membros se alimentam, se relacionam, trocam ideias, se ajudam. Uma rede de apoio mesmo”, diz Duda.
E o que é isto de ter uma comunidade no digital?
“É um grupo de pessoas que possuem um objetivo em comum e que se relacionam entre si. São os três principais pilares de uma comunidade, ser um grupo, ter um objetivo em comum e relacionamento”, afirma. “Para ser uma comunidade é preciso mais do que simplesmente consumir um produto. É aquela marca que consomes e defendes com unhas e dentes. Ter uma comunidade de marca vai muito além do que simplesmente vender produto, vender produto qualquer pessoa vende, mas criar um ambiente de colaboração, de escuta, de voz ativa para os consumidores, é isso que diferencia uma comunidade”.
Trabalhar comunidades
As comunidades podem, e devem de acordo com Duda, ser criadas por qualquer tipo de negócio. Para que isso aconteça, é necessário que se tenham algumas coisas em conta. Em primeiro, a marca deve definir quais são as suas causas, aquilo que defende. “Existem várias marcas de roupa. Se eu compro só pela necessidade, não vai fazer muita diferença para mim, agora a partir do momento em que uma roupa passa a significar algo para mim, digo: ‘eu quero comprar naquela marca porque aquela marca gera-me conexão, representa o tipo de mulher que eu me quero tornar, tem um status diferente, utiliza tecidos que são biodegradáveis’”, explica Duda. Além disso, é necessário definir o público, aquilo que diferencia a marca, o tipo de comunicação. “Ter essa definição de base é importante justamente para se conseguirem direcionar para o público que é a comunidade”, continua.
Esta ligação emocional justifica-se com o facto de as pessoas fazerem compras pelo emocional, apesar de as justificarem através do racional. Duda usa o exemplo de uns sapatos: se uma pessoa os vê numa loja e gosta muito, compra, e mais tarde começa a pensar em desculpas para justificar essa compra. “A partir do momento que defendo causas, levanto bandeiras, essa conexão emocional torna-se muito mais forte. Várias pessoas vendem um produto parecido com o meu, muitas pessoas ensinam marketing como eu ensino, mas nenhuma outra pessoa levanta as bandeiras que eu levanto. É isso que faz alguém tomar a decisão de comprar de mim e não de outra pessoa”, diz.
Qual é a vantagem de tudo isto?
As comunidades ajudam as marcas de duas formas. São importantes para a empresa conseguir melhorar os seus produtos, uma vez que, caso sejam ouvidas, são estas pessoas que vão dar feedback sobre as gamas lançadas. “Quando uma marca tem fórum de discussão dentro da sua comunidade, as pessoas vão sempre ajudar a melhorar o produto”, defende Duda. São também necessárias para o crescimento exponencial das vendas.
“Quando uma pessoa faz parte da sua comunidade, ela gosta disso e sente-se à vontade dentro desse espaço, é como se ela propagasse a sua mensagem por si. Ela diz a outras pessoas: ‘Tens de fazer parte da comunidade, tens de comprar esse produto, tens de contratar este serviço.’ Ela torna-se realmente uma defensora da marca”, explica.
Gerir este grupo de pessoas passa por uma grande dose de organização. Na sua comunidade, Duda tem duas gestoras. A equipa faz calendários mensais para o objetivo de manter o engagement dentro da comunidade. Todos os meses, organizam aulas ao vivo, happy hours, desafios com prémios. Além dos encontros presenciais, que acontecem duas vezes por ano no Brasil e poderão passar também por Portugal.
O papel das redes sociais
O projeto de Duda Vieira acontece, maioritariamente, nas redes sociais. Mas quais? “Hoje em dia, acreditamos muito no poder do cross media, que é ter um posicionamento em várias redes sociais, e esse posicionamento conversar entre si em todas as redes. A primeira coisa é ter uma marca consistente, não se pode ter uma personalidade no Twitter, outra personalidade no Instagram, outra no TikTok, outra no YouTube. Por mais que cada rede social tenha a sua linguagem diferente, a marca precisa de ter consistência. Os mesmos valores que eu defendo no Instagram, defendo no Twitter, e assim por diante”, diz.
Ainda assim, é o Instagram que assume o protagonismo.
“O Instagram é uma rede social onde as pessoas consomem conteúdo pessoal e ao mesmo tempo já estão dispostas a comprar dentro da rede. O TikTok é de muito entretenimento por enquanto, então, por mais que as pessoas consumam conteúdo ali, elas não estão tão dispostas a comprar produtos dentro da plataforma. O YouTube é um conteúdo mais educacional, mais profundo, mais longo, então, para a pessoa encontrar o seu perfil no YouTube, ela precisa de já estar a pesquisar. O Instagram é uma rede social que une muito bem a questão da venda com a questão do relacionamento, que são os dois pilares principais de uma comunidade forte e engajada”, conclui.
Artigo publicado na edição de agosto/setembro da Forbes Portugal