Dolores Silva, jogadora do Braga e da seleção nacional, é uma das Navegadoras que está na capa digital de julho da Forbes Portugal (leia a reportagem completa aqui). Esta é a segunda parte da conversa com a capitã e uma das mais internacionais deste grupo.
É comum uma jogadora chegar às seniores com 15 anos?
Acho que já não é tanto porque agora há os escalões de formação e já permite passar por várias etapas até chegares a uma equipa sénior e estares mais preparada para isso. Claro que pode haver uma ou outra exceção que se destaque e que possa ter a oportunidade de começar mais cedo. Na altura o escalão de formação que havia era sub-19 e eu tinha 13 anos quando fui para o 1.º de Dezembro. Ou seja, fiz dois anos de júnior com 13, 14 anos, e depois surgiu a oportunidade de aos 15 ir para a equipa sénior.
Que realidade encontraste quando foste jogar para o estrangeiro?
Na Alemanha foi bastante diferente, pelo contexto competitivo, pelas jogadoras que tinham, várias experiências. Na altura fui para uma das melhores equipas da Alemanha, tinha muitas jogadoras da seleção alemã, inclusive a Alexandra Popp, que agora foi destaque no Euro, e outras. Isso claro que foi uma realidade completamente diferente, pelo trabalho a nível físico que faziam, toda a envolvência que tinham no clube, o facto de serem profissionais e de haver contratos profissionais. Aqui isso não existia, só começou a existir há cerca de cinco, seis anos. Essas foram as principais diferenças que encontrei. Também o facto de a liga se disputar no relvado, aqui na altura era em pelados e sintéticos, os relvados era só quando íamos à seleção. Agora já não há pelados, mas ainda há infelizmente realidades que não conseguem suportar, por exemplo, ter um relvado, mas acho que a evolução tem sido muito grande e oxalá continue.
A nível financeiro é diferente entre lá fora e cá?
Acho que essa é uma ideia errada, depende do contexto e de onde vamos estar inseridas. Acho que não nos podemos só basear na parte financeira porque não foi isso que me fez na altura… claro que foi também porque fiz o meu primeiro contrato profissional, mas acho que hoje já se consegue, dependendo da realidade onde estamos inseridas, ter condições que nos permitem estar melhor do que há uns anos. Embora também ache que ainda pode ser melhor e sobretudo os clubes mais pequenos terem mais suporte para conseguirem profissionalizar as suas jogadoras e consequentemente também a liga, isso faz crescer o futebol feminino. Mas acho que os passos estão a ser dados.
O quão longe está a profissionalização da liga portuguesa?
Fico reticente porque não consigo calcular bem, isso é sempre algo imprevisível. O que é facto é que têm aparecido clubes que têm conseguido dar mais condições. Também dentro dos clubes sem ser o Braga, Benfica, Sporting ou Famalicão, o próprio Damaiense, vão contratando jogadoras e fazendo contratos profissionais, acho que isso é importante. A aposta tem de continuar a existir, tem de continuar a haver apoio, um trabalho conjunto de todas as entidades responsáveis pelo futebol feminino português. O trabalho que a Federação tem feito juntamente com os clubes e as associações, isso pode ajudar a que haja mais possibilidades de também esses clubes terem melhores condições e que se possa passo a passo tornar cada vez mais a liga profissional. Sobretudo os patrocínios, entrarem patrocínios. Neste caso a liga é denominada BPI, que existam mais parcerias para que se possa ter mais meios para ajudar também esses clubes a crescerem e os outros a continuarem o seu caminho, é importante também que os outros não parem de fazer esse investimento, mesmo os que já são profissionais, que não estagnem e queiram sempre evoluir mais e querer melhor.
O que é que os recordes de audiência significam?
Acho que mostra que nós também conseguimos proporcionar um bom espetáculo, que as pessoas também gostam de nos ver e que também nos valorizam, acima de tudo é uma valorização do nosso trabalho. Lutamos todas por esses momentos, seja nos clubes ou seleção, porque acho que acima de tudo é um motivo de valorização e é algo muito importante porque conseguimos demonstrar que também temos qualidade e que as pessoas também gostam de nos ver jogar. É muito bom sentir que também somos reconhecidas, é um sinal positivo do crescimento que tem existido.
Para alguém com tantas internacionalizações, a qualificação para o Mundial foi ainda mais especial?
Sim, claro que sim. Também pelo facto de poder ser capitã e estar com uma geração que já vem a lutar já há alguns anos por este momento, que viveu também com outras gerações, que também nos ajudaram a chegar até aqui. E que nós agora também temos a responsabilidade de pegar nas gerações que estão a vir e demonstrar-lhes que é possível, que elas podem chegar e até fazer coisas ainda mais bonitas. Eu vejo com muita felicidade, acho que é mesmo a cereja no topo do bolo depois de tantos anos de luta, não diria sacrifício porque afinal fazemos aquilo que gostamos, mas acima de tudo acho que foram luta. Se calhar por vezes momentos menos bons que todas passámos, mas que isso também nos tornou mais fortes e hoje faz-nos estar num patamar onde qualquer rapariga sonhava estar, que é na seleção nacional e num campeonato do mundo.