Dilson Scher Neto é um “carioca” de quase 32 anos que o Brasil conhece como Dilsinho, o nome artístico de um cantor que vai atuar, pela primeira vez ao vivo em Portugal e logo no palco emblemático do Rock in Rio Lisboa, no próximo dia 22 de junho.
Natural do Rio de Janeiro, este cantor e compositor é apaixonado por música desde infância e foi construindo a sua carreira em torno do pagode, uma variação do samba de estilo romântico e andamento mais lento.
De compositor de canções para outros artistas desde a adolescência, Dilsinho lançou-se numa carreira a solo que tem conhecido inúmeros êxitos no Brasil, sendo o artista a solo de pagode com mais seguidores no Spotify (mais de 4,2 milhões de seguidores e 11,3 milhões de ouvintes mensais).
O seu canal do YouTube tem 5,22 milhões de subscritores e Dilsinho soma várias certificações diamante e platina pelo alcance que os seus trabalhos têm tido.
Aproveitando a sua vinda a Lisboa, encontrámo-nos num final de tarde com o cantor para uma conversa agradável e descontraída que percorreu diferentes facetas de Dilsinho, do artista (o sonho da música, as dificuldades sentidas), ao empresário e mentor de talentos (gerindo outras carreiras), passando pela sua personalidade e vida familiar que fazem dele um pai babado de uma menina de quase três anos.
Alguma vez imaginou chegar a este estatuto de ter milhares de pessoas em concertos e milhões de seguidores nas redes sociais e no streaming?
Eu acredito que para chegar a um lugar tem que se sonhar. É muito ruim quando as pessoas não têm oportunidade de sonhar, seja em que lugar do mundo for. O que eu não imaginei foi a proporção a que cheguei como artista e como profissional da música. Mas eu sonhava assim com tudo o que me tem acontecido e o que me vai acontecendo. Acho que é importante as pessoas sonharem em chegar a um lugar especial, em mudar a vida da sua família, das pessoas que as acompanham, de ter pessoas que as admiram. Eu sonhava com isso, então que bom que esse sonho virou realidade. Alguns sonhos tornam-se realidade; esse é um deles.
“É importante as pessoas sonharem em chegar a um lugar especial”
Qual foi o segredo para concretizar esse sonho?
Acredito que o sucesso está muito ligado ao trabalho e a ter pessoas do seu lado que acreditem, juntamente consigo, dos mesmos sonhos e compartilhem dos mesmos anseios profissionais. Na fórmula de sucesso há muito de si mesmo. No caso da minha história, há coisas que eu abdiquei, como estar em família aos fins-de-semana ou, quando era mais jovem, estar com os amigos para estar no trabalho, a música. Vemos muitos artistas abdicando de coisas da vida pessoal, em prol da carreira. Isso também aconteceu comigo. Eu acho que acontece com toda a gente. Nalgum momento, as pessoas, têm que fazer escolhas que têm reflexos positivos e reflexos negativos na sua vida. Mas vamos aprendendo a lidar com tudo isso. As pessoas que amamos – os amigos, os familiares – também vão aprendendo a lidar com todos esses aspetos que aparecem pelo meio do caminho. Nesse percurso nem tudo são altos; também há baixos.
“Vemos muitos artistas abdicando de coisas da vida pessoal, em prol da carreira. Isso também aconteceu comigo”
Que aspetos na carreira foram menos positivos e que trouxeram mais dificuldades?
O começo. O começo é muito difícil, porque ninguém te conhece, não é? Ninguém realmente consegue prestar-lhe atenção do modo que a pessoa se vê, pois, às vezes, vemo-nos de uma forma e as pessoas veem-nos de outro jeito. Até encontrar a sua identidade e pessoas que compartilhem consigo das mesmas ideias, que agregue fãs e seguidores reais que entendam a sua mensagem, demora um tempo.
“O começo é muito difícil, porque ninguém te conhece”
Para um artista, é importante encontrar alguém que tenha esse mesmo entendimento.
Exatamente, isso é assim tanto na vida pessoal, para que a pessoa tenha segurança e paz de espírito para conseguir correr atrás das suas coisas, como na vida profissional. No trabalho, eu tenho sócios que estão comigo há 10 anos. São sócios que não eram do ramo da música, eram empresários de outros tipos de negócios, de empresas no Brasil. Conhecemo-nos e começamos a trilhar o nosso percurso. Pensámos em coisas há 10 anos que aconteceram após algum tempo, mas também coisas que estão a acontecer hoje que não foram nada do que tínhamos imaginado. Então, isso é muito legal ver onde é que a minha carreira chegou e que os planos que pensámos deram certo. Temos uma empresa no Brasil que representa outros artistas e que organiza grandes eventos e tem grandes parceiros comerciais. Temos artistas que pertencem a editoras diferentes e isso também é um lado meu, como empresário, que vou desenvolvendo e que vai crescendo. Ou seja, não é só música; também é a soma de outro lado, de diversificar a carreira como empresário.
“Não é só música; também é a soma de outro lado, de diversificar a carreira como empresário”
Como é que gere essa vertente de empresário, paralelamente à carreira artística?
Eu acho que um artista como eu, que é top e tem uma conexão com vários ritmos em vários lugares do mundo, tem que ter uma cabeça de gestor também. Hoje, o artista não consegue só ser compositor ou cantor. Então eu fui aprendendo ao longo do meu trajeto, porque não se nasce com todas essas qualificações. A minha empresa começou primeiro para tomar conta da minha própria carreira e as pessoas viram aquilo ali como um caso de sucesso. Então, fomos tendo outros artistas no Brasil, fomos crescendo e hoje temos mais de 150 funcionários espalhados pelo Brasil. Vimos a nossa empresa a crescer, os meus números a crescer e o sucesso que fomos alcançando permitiu também replicarmos o modelo para outros artistas. A minha carreira foi a grande base disso tudo, levando-nos a entender sobre o mercado digital, marketing e do meio artístico.
“Um artista tem de ter uma cabeça de gestor também”
O Dilsinho não é só alguém ligado à música. Adquiriu também conhecimentos de gestão, para os quais teve de fazer um percurso de formação e de aprendizagem. Esse seu lado não é tão conhecido…
Eu comecei a carreira com 14 anos e agora estou com 31 [fará 32 anos no próximo dia 26 de junho]. Durante este tempo todo a cantar, eu aprendi e vivi muita coisa e acho que neste 2024 estou num momento maduro e bem feliz. Quando começamos a carreira, muitas das coisas tentamos ir buscar a outras pessoas. Às vezes, temos uma expectativa e o resultado, não é que não seja positivo, mas não está alinhado com o que pensamos. E com o tempo a pessoa vai fazendo as coisas do seu jeito, da maneira que idealizou. Nós, dentro da minha empresa, fomos aprendendo a desenvolver cada uma das áreas relacionadas com a carreira artística. Eu fui aprendendo muito desses assuntos, a falar sobre esses temas, a entender o mercado digital.
“Às vezes, temos uma expectativa e o resultado não está alinhado com o que pensamos”
É dos artistas mais conhecidos no Brasil, neste momento.
Eu posso falar que eu estou, entre os 20, ou até entre os 10 artistas mais seguidos no Brasil, olhando também para os números das visualizações de vídeos e de streaming. É muito bom ver todo esse trabalho de anos; não é um trabalho que se faz de um dia para a noite. É algo que foi acontecendo e está reverberando para outros lugares como está acontecendo agora em Portugal e ter oportunidade de estar a fazer o meu primeiro concerto aqui no Rock in Rio.
Porquê o desejo de ser também ouvido em Portugal? A dimensão do mercado português é muito inferior à do Brasil…
Por volta de 2019 e 2020, fui o artista masculino mais ouvido no Brasil, de audiostreaming. Entendi que Portugal estava a consumir muito a música brasileira. De um modo geral, os meus números estavam a crescer e falámos sobre tentar aproximar o nosso trabalho de Portugal. Quando íamos ter a nossa primeira tournée na Europa, com passagem por Lisboa e Porto, aconteceu a pandemia. Tivemos de cancelar essa tournée e eu resolvi vir para Portugal para conhecer um pouco o país. Pela proximidade da língua e de muitas semelhanças, apesar das diferenças que existem entre portugueses e brasileiros, decidi vir para cá para entender como funcionava aqui o meio musical, como é que os compositores pensavam, como é que os produtores musicais trabalhavam. E vários artistas brasileiros estavam a dar-se a conhecer aqui. Eu já tinha feito colaborações com vários artistas, que estavam ‘acontecendo’ em Portugal, como a Luisa Sonza, o Vitor Kley e a Ivete Sangalo. Os meus números estavam crescendo e, falei: ‘Vamos lá!’. Gravei algumas músicas, produzi e compus várias coisas com os artistas daqui, lancei uma música com o David Carreira, gravei outras músicas com a Bárbara Bandeira, com os Calema e fui conhecendo outros artistas que estavam em Portugal, como Matias Damásio. Nem todas essas músicas foram lançadas, mas neste trabalho e durante este tempo, eu fui conhecendo muitas pessoas, fui-me enturmando, e fui vindo para cá algumas temporadas. Estava já a preparar uma tournée quando surgiu esse convite do Rock in Rio.
“Os meus números estavam crescendo e, falei: ‘Vamos lá!’ [até Portugal]”
O que espera do Rock in Rio em Lisboa com a sua atuação?
Acho que vai ser um fôlego muito importante para a minha carreira e para entrar com o pé direito em Portugal. O Rock in Rio é um projeto que é conhecido no mundo todo, todos os artistas do mundo inteiro têm vontade de ir para o Rock in Rio. É um momento importante de vida e um momento artístico muito especial. Se fosse no Brasil, seria incrível, mas tratando-se de Portugal é ainda mais especial pelo facto de eu estar aqui já há uns dois anos gravando e conhecendo o meio e as pessoas, vindo para aqui e tocando na rádio.
“O Rock in Rio vai ser um fôlego muito importante para a minha carreira e para entrar com o pé direito em Portugal”
E depois do Rock in Rio em Lisboa, que projetos estão previstos para Portugal?
A ideia é realizar uma tournée em 2025. Estamos a terminar de lançar um projeto no Brasil, mas eu tenho algumas músicas para fazer especialmente para o público português, com artistas daqui. Com a nossa vinda a Portugal, eu tenho vontade de gravar um projeto aqui. Quando estivermos aqui [para o Rock in Rio] vai estar uma equipa nossa, com mais de 50 pessoas, fora as pessoas daqui que vão trabalhar connosco. A ideia é que a gente aproveite o facto de irem estar todos juntos aqui no Rock in Rio para gravarmos alguma coisa especial para Portugal. Vai ser muito legal!
Como artista, qual a faceta que gosta mais: cantar, compor, escrever…
O que fazemos sempre é cantar e compor, mas a cada dia, estou ‘curtindo’ fazer mais alguma coisa. Hoje eu produzo também outros artistas no Brasil. Isso faz-me lembrar da época em que comecei e, ao acompanhar sonhos de novos artistas que vão aparecendo e realizando os seus sonhos, eu também me vou realizando, gerindo essas carreiras artistas. Pensar, por exemplo, na capa de um álbum, de como o artista se pode vestir, de como é que ele vai promover aquela música ou aquele videoclip, tudo isso, em determinado momento me dá muito prazer e me realiza muito.
“O acompanhar sonhos de novos artistas faz-me lembrar a época em que comecei”
Como é que venceu a timidez que assume que tinha?
Sim, a música fez-me lutar contra a timidez. Principalmente porque eu estava decidido a ser artista e a viver disso. Não sabia de que forma, mas eu queria viver da música, embora as pessoas não associassem música a trabalho e me perguntassem como é que ia viver da música. Então, quando eu decidi que eu ia viver da música e provar às pessoas que isso era possível, vindo eu de onde eu vim, do subúrbio do Rio de Janeiro, de um lugar não tão privilegiado. Mas eu comecei a entender que tudo isso era possível, apresentando números astronómicos e conseguindo mudar a vida das pessoas, a minha e as da minha família. Fui lutando contra a timidez e fui entendendo que às vezes era mais fácil tocar para muita gente, porque para poucas, você está focado e vemos tudo o que as pessoas fazem. Quando estamos a atuar perante muitas pessoas, sentimos a energia e vamos por aí. Com o tempo foi-se tornando mais fácil; é claro que várias pessoas me ajudaram a que eu percebesse, como artista, até onde eu podia chegar e o que eu podia fazer. Eu fui também produzindo e atuando nos clips no começo da minha carreira e isso também me foi dando uma segurança maior. A televisão dá essa segurança e eu já fui apresentador de um grande programa no Brasil, do canal da TV Globo. Várias dessas oportunidades e experiências foram-me deixando mais tranquilo e à vontade, entendendo que tudo isso no final vai levar a sua música para onde você queria e chegar ao coração das pessoas.
“Decidi que ia viver da música e provar às pessoas que isso era possível, vindo eu do subúrbio do Rio de Janeiro, de um lugar não tão privilegiado”
O ter sido pai fez com que tenha tido um crescimento mental, segundo chegou a afirmar. Quer explicar melhor?
Quando o lado da família não está muito bem resolvido, é difícil ter-se sucesso profissional e a necessária paz. Quando casei e consegui receber a minha filha nos braços, eu nunca mais tive aquela insegurança de saber o que vai acontecer com a minha carreira. Entendi que tudo aquilo ali tinha um porquê. Esse amor que eu sinto pela minha filha, e que vai aumentando, faz-te deixar tranquilo para resolver todos os problemas por ela e pela minha família. As pessoas, às vezes, têm medo de como vão lidar com esse lado de ser pai ou mãe, ou de encarar os desafios que é ter um filho. Comigo foi o contrário: eu descobri em mim um pai muito presente e mostrou-me ser muito mais sensível para poder viver toda a minha profissão. Ainda mais hoje eu quero ser mais profundo quando eu faço uma música, porque eu penso que a minha filha pode ver aquilo ali e como vai ser a vida dela em relação a tudo que eu faço. Isso é muito legal. Eu tinha essa preocupação com as pessoas que eu amava e que eu amo. Mas hoje eu penso como é que a minha filha vai ver isso daqui a alguns anos e tudo o que estamos construindo. Tenho muito orgulho de poder ser a vida dela, quando ela tiver ainda mais consciência.
“Descobri em mim um pai muito presente e mostrou-me ser muito mais sensível para poder viver toda a minha profissão”
Que conselho daria aos jovens que também sentem ter talento?
A pessoa tem de viver isso a 100%, não tem como viver a 90% ou 95%. A música e a arte são quase que uma escolha de vida. A pessoa tem que mostrar o tempo inteiro que faz parte dela e não que quer usá-la de alguma forma. Com o tempo, a pessoa torna-se uma coisa só; você é a sua música, a sua arte, a sua mensagem. Então, tudo aquilo ali é você. E quando se está a começar, a pessoa interroga-se muito sobre como vai ser a sua vida daqui a 10 anos, 20 anos. Não pensem isso. As pessoas têm que pensar: eu sou música para sempre, eu sou música, sou arte; é isso que eu faço.
“Com o tempo, a pessoa torna-se uma coisa só; você é a sua música, a sua arte, a sua mensagem”
Eu nunca fiz música pensando no que aquilo ia trazer-me de benefício. E acho que é por isso também que muita coisa positiva na minha vida aconteceu e acontece. E eu acho que é o melhor conselho. Antes era um menino só dentro do seu quarto, tocando violão, aprendendo e fazendo aquilo com o mesmo amor que faço hoje, tocando até no Rock in Rio.