Desde a crise financeira, os reguladores interceptaram e-mails de negociadores e mensagens instantâneas da Bloomberg para detectar conluios e manipulações nos mercados cambiais, de mercadorias e de taxas de juro.
O JPMorgan, o Citigroup, o UBS e o Barclays declararam-se culpados das acusações de delito e quase todos os grandes bancos pagaram multas superiores a 100 milhões de euros.
Nos dias que correm, detectar conspirações através das comunicações crípticas dos negociadores — antes das autoridades governamentais — é um elemento crucial da gestão de risco.
Curiosamente, uma das melhores armas à disposição dos bancos vem de um parque de escritórios de aço e vidro a 32 km de Nashville, capital do Estado norte-americano do Tennessee. É aí a sede da Digital Reasoning, uma empresa pioneira na área da aprendizagem por máquinas, com 17 anos de idade e cuja tecnologia de monitorização de comunicações em linguagem natural – de nome Synthesys – é usada pelo Nasdaq, Goldman Sachs, UBS e pela Point72 Asset Management.
Esta tecnologia é usada também pelos analistas dos serviços secretos dos EUA para detectar terroristas e por autoridades policiais envolvidas na luta contra tráfico de pessoas.
Nos dias que correm, detectar conspirações através das comunicações crípticas dos negociadores é um elemento crucial da gestão de risco.
Numa calma tarde de sexta-feira a máquina da cerveja da sede da Digital Reasoning parecia ter sido desligada e as conversas sobre o fim-de-semana entre os empregados centravam-se nas actividades religiosas e no concerto de homenagem a David Bowie por parte da Nashville Symphony.
O seu fundador, Tim Estes, um homem de 37 anos nascido naquele estado e que canta no coro na igreja presbiterana, dá o mote: de blazer cinzento e calças de ganga dirige-se a um quadro branco e escreve uma frase a marcador roxo, assinalando palavras-chave e estabelecendo a distância entre as mesmas com números binários. “O significado é indissociável do uso quando se trata de linguagem,” explica. “O significado de uma palavra é, na verdade, movido pela expectativa gerada pelo seu contexto ao longo do tempo”.
Quando percebeu isto, no início dos anos 2000, começou a criar um conjunto de algoritmos patenteados que podem aproximar-se ou expandir-se consoante o contexto que os humanos aplicam ao que lêem.
Encontrar ordem nas coisas
A Synthesys trabalha em dez linguagens, estabelecendo ligações entre pessoas, lugares e coisas, termos semelhantes, alcunhas e códigos semânticos, atentando na forma como as relações entre palavras mudam com o tempo.
Os algoritmos recebem um treino especial para cada indústria. No caso dos bancos, para além do jargão financeiro, a Digital Reasoning “treina intensivamente” os seus algoritmos para detectarem padrões de palavras que accionam depois alertas. Por exemplo, usar a expressão “insensatos” em vez de sacanas, num e-mail para o seu co-conspirador, pode denunciá-lo, explica Tim.
Detectar praticantes de fraudes ou enriquecer nunca foram objectivos do fundador da Digital Reasoning, Na altura estudava na Universidade da Virginia e matriculara-se em Engenharia antes de mudar para Filosofia, ocupando os tempos livres a cantar no Black Voices, um coro de gospel.
Os seus interesses ecléticos levaram-no a conceber um sistema online de recomendações de eventos nesse campus cheio de actividades com base nas redes e actividades dos utilizadores.
A associação de estudantes recusou-se a financiar a sua proposta mas Tim descobrira entretanto a sua paixão intelectual: recorrer à matemática para descobrir significados e ligações na linguagem.
Viver de contratos com o governo, que no início contribuíam para 100% do seu negócio, pode ser perigoso para uma pequena empresa.
“A ideia era procurar algoritmos que ajudassem a encontrar ordem nas coisas,’’ afirma Tim, acrescentando que tem uma “forte inclinação filosófica e teológica”, o que faz com que acredite que o mundo foi concebido e funciona segundo uma determinada ordem, mesmo que nem sempre a vejamos.
No ano 2000, quando estava a terminar o curso, lançou então a Digital Reasoning com Kenneth Elzinga, agora presidente do departamento de economia da Universidade da Virgínia, e o seu maior apoio do ponto de vista financeiro.
Tinha menos de um milhão de euros de capital inicial e descobriu que precisava de um cliente com mãos largas para desenvolver um sistema de trabalho. Iniciou conversações com os Serviços Secretos do Exército norte-americano pouco antes dos ataques do 11 de Setembro e, em meados dos anos 2000, já tinha criado um sistema, de nome Interceptor, que permite aos analistas procurarem ligações ao terrorismo em mensagens interceptadas.
Mas, como descobriria da pior forma, viver de contratos com o governo, que no início contribuíam para 100% do seu negócio, pode ser perigoso para uma pequena empresa.
Aprender com os erros
Em 2008, a Digital Reasoning teve uma experiência de quase morte. O fim do prazo e renegociação de um contrato federal que contribuíra para o grosso das suas receitas obrigara-o a suspender pagamentos durante meio ano.
Não conseguiu cumprir os compromissos salariais para com os seus 15 empregados e fez uma segunda hipoteca à sua casa para lhes pagar os seguros de saúde.
Alguns empregados trabalharam durante meses sem receber regularmente. A dedicação compensaria mais tarde: receberam acções e, depois, bónus. Em 2009, as receitas da Digital Reasoning ultrapassaram os 4 milhões de euros, face a um milhão em 2008.
Em finais de 2010, o braço de capital de risco da CIA, o In-Q-Tel, investiu na Digital Reasoning, com um montante não divulgado. Com a companhia agora de boa saúde, era hora de tentar o mercado seguinte: serviços financeiros. “Existe uma longa tradição nos departamentos analíticos e de segurança dos bancos, no sentido de adoptarem tecnologia do mundo dos serviços de informação,” afirma.
Sem grande credibilidade ou contactos em Wall Street, o empresário candidatou-se em 2012 ao FinTech Innovation Lab do Partnership Fund for New York City, que estabelece ligações entre start-ups de tecnologia e grandes casas financeiras da cidade.
Através deste laboratório conseguiria instalar o seu software na UBS, Goldman Sachs e Credit Suisse. Só este último investiu 20 milhões de euros na empresa, em 2014 — a primeira ronda de financiamento da Digital Reasoning após a sua criação.
Muito mais do que dinheiro
A empresa continua a expandir-se para outras áreas da regulação financeira, tais como regras de lavagem de dinheiro, ameaças internas e interacções com clientes.
Em 2015 penetrou numa nova indústria, assinando com a HCA Healthcare que passou a ser simultaneamente investidor e cliente. Esta empresa hospitalar com sede em Nashville está a usar o software da Digital Reasoning para analisar registos e notas de médicos. Objectivo: ajudar no diagnóstico e melhorar o processo de decisão clínico.
Graças à sua lógica e trabalho comercial a Digital Reasoning chegou aos 170 empregados em finais de 2016, face aos 30 que tinha em 2012. Em Abril, Tim contratou um executivo veterano na área da tecnologia como presidente-executivo para que se centrasse na expansão da empresa.
“A nossa ambição é sermos a melhor empresa de inteligência artificial para melhor compreenderemos a comunicação humana.’’
Apesar de querer passar mais tempo com o seu filho de um ano, Tim não se consegue afastar muito da Digital Reasoning. Mas, na qualidade de presidente, vai concentrar-se em manter a sua tecnologia sempre actual. “Somos claramente os líderes emergentes na área da supervisão,’’ afirma. “A nossa ambição é sermos a melhor empresa de inteligência artificial para melhor compreenderemos a comunicação humana.’’
Mas uma das ambições de Tim desde o início não era só fazer dinheiro. A Digital Reasoning trabalhou com Thorn, a empresa de Ashton Kutcher virada para o combate ao tráfico de pessoas, com vista a desenvolver o Spotlight, um software que vasculha anúncios e fotos online para identificar traficantes e vítimas.
Cerca de 4 mil agentes da autoridade nos EUA têm acesso a este sistema. A presidente-executiva da Thorn, Julie Cordua, afirma que nos últimos 12 meses o Spotlight ajudou a identificar seis mil vítimas de tráfico, incluindo duas mil crianças e está a expandir-se para o Canadá e para a Europa.
“Somos apolíticos,” afirma Tim. “A nossa motivação social é salvar raparigas menores do tráfico de pessoas. Todos estamos de acordo quanto a isto”, conclui.