Miguel Ângelo (ou Michelangelo) é autor de várias esculturas Pietá, a mais conhecida das quais é a Pietà do Vaticano. No entanto, outra, a Pietà Bandini, que se encontra no Museu da Opera dell’Duomo em Florença, foi esculpida pelo artista com a intenção de ser colocada na sua sepultura.
Esta escultura de mais de dois metros de altura e que representa o corpo de Cristo sustentado por Nicodemos (em cujo rosto da escultura o artista fez o seu auto-retrato), abraçado pela Virgem Maria e, à esquerda do grupo, Maria Madalena foi iniciada por volta de 1547 e abandonada em 1555, quando Michelangelo decidiu destruí-la. Sim, isso mesmo. Destruí-la.
O talentoso artista do Renascimento, um dia, usou uma marreta para danificar deliberadamente o braço e a perna da imagem de Cristo. A decisão de destruir a obra é baseada em vários motivos, entre os quais o facto de o mármore destinado ao grupo escultórico se ter revelado cheio de impurezas e acima de tudo, muito duro, o que colocava dificuldades acrescidas a Michelangelo que estava já com uma idade avançada, cerca de 80 anos, e esculpir exigia um grande esforço físico.
Insatisfeito com a sua obra, Miguel Ângelo começou a destruí-la, mas foi detido pelo seu assistente, sendo ainda hoje possível ver alguns danos no corpo de Cristo, no braço e na perna esquerda, assim como nos dedos da mão da Virgem desta escultura.
Giorgio Vasari (1511-1574) pintor, arquiteto e autor de biografias de artistas italianos, escreveu na altura que “a sua [de Miguel Ângelo] autocrítica era tão severa, que nunca ficava contente com nada do que fazia… Tiberio Calcagni perguntou por que rompera a Pietà e perdera o seu maravilhoso esforço. Miguel Ângelo respondeu que uma das razões era porque o seu criado o importunara com os seus sermões diários para que a terminasse e outra porque se quebrara uma peça do braço da Virgem. E tudo isto, disse, bem como outras desgraças, incluindo a descoberta de uma fenda no mármore, fizeram odiar a obra, perdera a paciência e rompera-a”.
Havia defeitos no mármore? A pedra era muito dura? O cinzel ficou muito rombudo? Alguns especulam que Miguel Ângelo estava frustrado e queria que fosse perfeito. Soa-lhe familiar este tipo de descrição?
É dos que escreve intermináveis iterações de uma apresentação ou proposta? Debruça-se sobre um e-mail, passa horas de volta de um Tweet ou esforça-se para selecionar a pose perfeita do Instagram? Se sim, pode ser um perfecionista.
Nuala Walsh é CEO na MindEquity e uma cientista de comportamento com funções de consultora em organizações empresariais, desportivas e sem fins lucrativos. Walsh, que é também colaboradora da Forbes, e afirma que o perfecionismo pode mesmo ser um grande inimigo para a concretização de objetivos.
O espectro da perfeição
O perfecionismo é um traço de personalidade que se manifesta no esforço interminável para corresponder às expectativas muitas vezes irreais e idealistas. Líderes perfecionistas podem apegar-se à ilusão de controle ou ser movidos por um medo enraizado do fracasso.
Nuala Walsh salienta que a precisão e a perfeição são importantes em setores como engenharia, aviação, direito ou medicina, onde a orientação detalhada conduz a níveis essenciais de segurança do cliente, bem-estar do paciente, precisão legal e eficiência operacional. A adesão a padrões exigentes em pesquisa e desenvolvimento pode inspirar inovação, missões espaciais, curas de última geração e excelência arquitetónica.
“Mas em questões de negócios, literatura e media, a “perfeição” artística é uma forma de autoexpressão que está aberta à interpretação subjetiva em vez da expressão objetiva”, refere Walsh.
Embora ser um perfecionista possa ajudá-lo a entregar um trabalho de alta qualidade, também pode trazer algumas armadilhas.
As armadilhas do perfecionismo
“Quando trabalho com líderes de organizações, poucos percebem como essa característica pode exigir um alto preço profissional e pessoal”, afirma Nuala Walsh. Esta especialista refere que existem vários desafios ocultos:
• Expectativa pessoal não atendida: é fácil sentir-se deprimido quando a realidade atrapalha um plano bem elaborado. Quando isso acontece, os perfecionistas podem experimentar sentimentos de ansiedade, baixa auto-estima e postura defensiva.
• Deliberações extensas: Perfecionistas com expectativas extremamente altas podem irritar, atrasar ou desmotivar os colegas. Alguns podem ruminar por muito tempo sem resolver um dilema. Por exemplo, Steve Jobs, da Apple, era um “perfecionista inflexível”, tendo, nesse aspeto, deliberado durante por oito anos sobre móveis para a sua nova casa porque estava à procura da escolha perfeita, como explicou a sua esposa no livro Steve Jobs.
• Produtividade prejudicada: o perfecionismo pode ser inimigo da produtividade. Gastar mais tempo num projeto não necessariamente melhora o resultado. “O meu ex-chefe costumava dizer: ‘Feito é melhor que perfeito’. Ele estava certo. Muitos perfecionistas fazem uma gestão micro e pormenorizada, lutando para priorizar o que importa, especialmente quando o feedback é interpretado como crítica”, diz Nuala Walsh.
• Erro de julgamento ético: Sob pressão, alguns perfecionistas podem pensar que a única maneira de manter a perfeição é comprometer a ética. O ciclista Lance Armstrong, por exemplo, negou usar drogas para melhorar o desempenho durante duas décadas e depois admitiu. Ele atribuiu a sua negação à pressão de manter uma “imagem de conto de fadas” perfeita.
Três sinais de que é um perfecionista
“Talvez se relacione com o perfeccionismo porque o reconhece nos outros, mas menos em si mesmo. Pode dizer a si mesmo que é profissional – qualquer outra coisa sugeriria imperfeição, afinal. Amigos ou colegas podem apontar, mas descarta-os. Ou talvez veja o perfecionismo como um compromisso virtuoso com a grandeza”, declara Nuala Walsh que enumera três sinais que podem ajudá-lo a identificar-se como um perfecionista:
• Padrões irrealistas: “Na minha experiência, os perfecionistas tendem a ser maximizers (alguém que se esforça para fazer uma escolha que lhe dará o máximo benefício mais tarde) ou um satisficer (alguém cujas escolhas são determinadas por critérios mais modestos). O inovador James Dyson, frequentemente descrito como perfecionista, construiu 5.127 protótipos e passou 15 anos a aperfeiçoar o primeiro aspirador vertical. “Cuidado, pois perseguir objetivos obsessivamente também pode ter um lado sombrio”, alerta Nuala Walsh.
• Relutância em aceitar “bom o suficiente”: Para alguns perfecionistas, os erros podem parecer um desastre completo. Não há espaço para bom o suficiente – apenas perfeito. Quando o diretor do filme Titanic, James Cameron, foi alertado pelo astrónomo Neil deGrasse Tyson de que as estrelas estavam desalinhadas quando o barco se estava a afundar na versão 3D de Titanic, de 2012, feita para assinalar os 20 anos da película, o realizador refilmou a cena.
• Procrastinação excessiva: Perfecionistas muitas vezes ficam presos num ciclo de procrastinação. Estudos mostram que algumas formas de o perfecionismo estão associados tanto à procrastinação quanto à satisfação com a vida. Muitas pessoas adiam concretizar desejos, mudar de emprego ou poupar para a reforça porque “nunca é a hora certa”. Às vezes, o perfecionismo também esconde a indecisão.
“Quando aconselho os líderes sobre as consequências comerciais do perfeccionismo, muitos reconhecem, mas ainda lutam. Muitos de nós apegamo-nos a padrões impossíveis e fixamo-nos nas imperfeições ou, pior ainda, nas imperfeições dos outros. No entanto, isso pode ser controlado”, diz Nuala Walsh.
Como controlar o perfecionismo
Os indivíduos podem adotar várias estratégias para gerir o seu perfecionismo, aconselha a especialista da Forbes, Nuala Walsh:
- Recalibre o que importa: Reconheça quando você ou a sua equipa atingiram o ponto de benefícios decrescentes. Horas extras de volta de um artigo, de um pitch, de uma apresentação ou de e-mail podem ser bem gastas, mas somente se isso gerar um impacto comercial suficiente e proporcional. Concentre-se em ganhos marginais e ajuste o benchmark conforme apropriado.
- Cultive a autocompaixão. A maioria das situações não são casos de vida ou morte. Seja gentil consigo mesmo, pois lutar pelo impossível é cansativo e uma fonte de deceção constante e inevitável. A perspectiva dá-lhe uma distância psicológica.
- Abrace a imperfeição. O psicólogo Elliot Aronson sugere que cometer erros como derramar café ou tropeçar pode tornar uma pessoa mais acessível e menos austera. Richard Shotton, fundador da consultora Astroten e especialista na aplicação da ciência do comportamento ao marketing relatou uma pesquisa segundo a qual 66% dos consumidores perante duas bolachas da mesma marca preferem biscoitos irregulares aos perfeitamente redondos.
- Estabeleça padrões realistas. Encontre o meio-termo entre metas de alto desempenho e mediocridade. Não use o perfecionismo como um distintivo de honra. O sucesso é sobre padrões subjetivos. Não desmotive os outros impondo padrões irreais.
“O perfecionismo pode ser uma armadilha profissional e pessoal. Ironicamente, acredito que apenas prova a existência da imperfeição humana. Não há necessidade de esmagar a sua própria escultura. No processo, você pode destruir valor não apenas para si, mas também para aqueles ao seu redor”, conclui Nuala Walsh.