Quais têm sido as ações da ACEMEL para que em Portugal haja um mercado energético mais transparente e competitivo?
Nos últimos três anos muitos foram os contributos da ACEMEL para que o mercado ganhasse transparência e competitividade. Posso destacar algumas, tais como: a separação das marcas da EDP que, naturalmente, confundiam o consumidor final, o desenvolvimento do mercado de gás zona Portuguesa (MIBGás), a harmonização da legislação das Garantias de Origem, e mais recentemente o contributo para a existência de leilões de compra de energia específicos para comercializadores independentes, isto é, comercializadores sem produção expressiva.
Quais os ganhos que o mercado português de energia conquistou depois de se ter avançado com a liberalização do setor? E do lado dos consumidores?
É absolutamente inequívoco que o mercado liberalizado, desde o seu nascimento em 2006, teve mais méritos que deméritos, principalmente para os consumidores. Apesar de alguns desequilíbrios ainda existentes no sector, o mercado liberalizado proporcionou nos últimos 16 anos melhores preços, um leque de serviços e produtos mais adaptados à procura, e uma crescente inovação. Também na captação e criação de emprego qualificado tem sido um período sem paralelo no sector da energia.
Nesta fase, quantas associados estão afetos à ACEMEL? E qual o perfil destes agentes?
Finalizámos 2020 com 20 associados, o que constitui a grande maioria dos comercializadores ativos no mercado de energia português. O perfil é bastante heterogéneo entre os associados da ACEMEL, desde empresas de grande dimensão internacional que são incumbentes nos seus países, a empresas de dimensão média, mas presentes em outras atividades como produção, mobilidade elétrica ou eficiência energética. Existem ainda algumas start-ups que têm no seu ADN uma forte componente de inovação.
Qual o papel das comercializadoras de energia elétrica e gás natural no atual mercado liberalizado em Portugal?
Os comercializadores têm um papel absolutamente determinante no sector. Desde logo porque são os agentes na cadeia de valor mais próximos dos consumidores finais, aqueles com quem os consumidores partilham as suas “dores” e necessidades. Depois, são os agentes que motivam, informam e apresentam soluções de transição energética às famílias e às empresas, e por último, fruto da nossa atuação, é nos comercializadores que está presente grande parte do know-how financeiro e de mercados de energia. E como 2021 demonstrou, não existe transição energética e ambiental, sem uma consciente avaliação dos recursos financeiros e económicos envolvidos em cada decisão.
O mundo enfrenta o impacto das alterações climáticas. De que forma o setor que representa pode contribuir para que Portugal atinja as metas de descarbonização e reduza os impactos?
O combate às alterações climáticas é provavelmente o grande desafio geracional das nossas vidas. É urgente, é inegociável, e é desejável que se faça uma transição energética no ritmo e na forma correta. E não existe transição energética sem que os comercializadores sejam também envolvidos. As políticas para a descarbonização devem ter em conta sempre uma consistente avaliação técnica e financeira. Não devemos decidir com base em ideologias radicais, ou ciclos políticos de cada país. A União Europeia deve perceber que representa apenas uma pequena parte do problema global e por isso deve tomar decisões que ponham os seus cidadãos sempre do lado da solução, e não do problema. O ano de 2021 foi um período de grande aprendizagem neste tema, e teve como consequência propostas de alguns países com responsabilidades no projeto europeu, como França e Alemanha, que vão no sentido de uma maior responsabilidade e consistência de atuação perante a transição energética.
Os preços da energia em Portugal nem sempre são compatíveis com o poder de compra nacional. Como se pode reverter este cenário?
O poder de compra do nosso País é infelizmente muito inferior à grande maioria dos países europeus, situação que deve ser resolvida independentemente do preço de energia. No que se refere aos preços de energia, depois de passado o período da intervenção da troika, deveríamos voltar a aplicar um IVA reduzido (6%), para todas os tipos de consumidores, sejam eles domésticos ou empresariais. A energia é um bem essencial para as famílias portuguesas, e para a competitividade da nossa economia, devendo por isso, o mais rápido possível, ter impostos adaptados a essa realidade. Por outro lado, devemos ser criteriosos e competentes na gestão da transição energética. Acelerar o mais rápido possível a penetração de renováveis no mix energético, mas sem prejudicar financeira e fiscalmente as tecnologias de produção que ainda não têm uma substituição tecnológica desenvolvida.
Tem defendido uma redefinição do paradigma do setor da energia. Em que termos se deve fazer essa redefinição?
A energia é um dos sectores que se tem desenvolvido mais nos últimos anos. Múltiplas soluções disruptivas em termos tecnológicos, de armazenamento, de tratamento de dados são apresentadas quase semanalmente a nível mundial. Toda esta mudança, tem um elemento comum – está muito centrada no consumidor e numa ideia forte de descentralização. Na energia 4.0, o consumidor final ganha competências e responsabilidades na produção e armazenamento da sua energia, na sua mobilidade e na gestão dos seus consumos. Com esta mudança de paradigma, o consumidor está definitivamente no centro da cadeia de valor.
O setor tem enfrentado vários desafios…
Os últimos meses têm sido muito desafiantes e difíceis no sector. A escalada de preços de eletricidade e gás nos mercados só tem paralelo na crise do petróleo da década de 70, o que deixou muitas empresas e famílias em situações verdadeiramente dramáticas. Houve, e bem, medidas mitigadoras para estas situações por parte dos governos de vários países. Os comercializadores de energia independentes foram entre os agentes do sector quem mais sofreu com este impacto. Um pouco por todo o mundo, e Portugal não foi exceção, desapareceram postos de trabalho, destruiu-se valor, e perdeu-se capacidade inovadora. Urge dinamizar o mercado, criar condições reais de competitividade, eliminar alguns desequilíbrios, e aumentar o dinamismo e flexibilidade dos reguladores e dos legisladores, para que possam ter um ritmo mais próximo de quem todos os dias empreende, emprega e inova. Só assim poderemos todos caminhar na direção de um mercado verdadeiramente liberalizado e ao serviço dos consumidores.
Quais as diretrizes que têm norteado a sua atuação como gestor?
A atuação de um gestor depende da sua perceção do cenário macroeconómico, dos objetivos específicos da empresa, e muitas vezes da correta avaliação dos recursos humanos envolvidos. No meu caso, tento ter conhecimento técnico dos temas para decidir com a maior informação possível, dar autonomia e responsabilidade à equipa, não fazer microgestão, e procurar que a motivação do grupo seja um ativo decisivo para atingirmos os objetivos a que nos propomos.
Neste mundo cada vez mais digital quais os trunfos que um líder deve ter para gerir as suas pessoas?
Num mundo cada vez mais digital, com a pandemia a acelerar essa transição, o acesso a dados e às tecnologias mais inovadoras, não terão qualquer utilidade se não estiverem ao serviço do ser humano, utilizadas a partir da sensibilidade e da inteligência humana. O aumento exponencial das soluções digitais, exige que também sejamos mais analógicos na gestão dos recursos humanos. Através de um ecrã, de um teclado ou de um telefone ganha-se velocidade, produtividade e dinâmica, mas perde-se sensibilidade, emoção e interação. Os líderes devem equilibrar essa balança com ações especificas e pensadas para as pessoas que lideram.
De que forma os tempos em que praticou rugby influenciam a forma de estar em termos profissionais?
O rugby está presente na minha vida desde muito cedo, e de certeza que me acompanhará até aos meus últimos dias. Os cinco valores que habitualmente são definidos como parte de uma certa cultura rugby: integridade, paixão, solidariedade, disciplina e respeito, são essenciais para o dia a dia, seja em termos profissionais ou pessoais. Eu, como todos os que têm a sorte de pertencer a esta grande família, também sou naturalmente influenciado por esta forma de estar. No rugby não se deixa ninguém para trás, e tenta-se entregar a “camisola” sempre em melhores condições do que quando a recebemos. São dois lemas que tento sempre seguir.
O equilíbrio entre a vida pessoal e profissional ainda é possível? Sobra tempo para hobbies?
Quando se tem uma vida profissional muito preenchida, como é o meu caso, por razões de otimização de tempo, a maioria dos hobbies são partilhados com a família. A única exceção será mesmo o rugby que partilho mais com o meu irmão (também antigo praticante) e com antigos colegas de equipa. Não abdico de tempo de qualidade com a minha mulher, filhas, pais e irmãos. Viajamos juntos muitas vezes, e partilhamos alegrias e tristezas como na maioria das famílias. Nas diferentes entidades onde trabalho, tenho sempre a preocupação que todos tenham acesso a tempo de qualidade junto da família e dos amigos, pois entendo que o equilíbrio entre as duas dimensões (pessoal e profissional) é fundamental para o sucesso individual e coletivo nas organizações.