Desperdício têxtil atinge os 150 mil milhões de dólares por ano. Reciclagem terá de subir para 30%

O desperdício, seja alimentar, seja de outras matérias-primas, é uma das questões mais quentes dos últimos anos. Em nome da sustentabilidade do planeta, a luta contra qualquer tipo de desperdício tem de estar no topo da discussão mundial. Segundo um relatório da ONU, as famílias desperdiçaram, em 2022, cerca de mil milhões de refeições por…
ebenhack/AP
Estudo da BCG sobre os caminhos da indústria têxtil para criar valor com o desperdício, conclui que o desperdício têxtil é cada vez elevado e que com os investimentos certos, a reciclagem de roupa, por exemplo, poderá passar dos atuais 7% para os 30%.
Economia

O desperdício, seja alimentar, seja de outras matérias-primas, é uma das questões mais quentes dos últimos anos. Em nome da sustentabilidade do planeta, a luta contra qualquer tipo de desperdício tem de estar no topo da discussão mundial. Segundo um relatório da ONU, as famílias desperdiçaram, em 2022, cerca de mil milhões de refeições por dia, sendo que mais de 780 milhões de pessoas foram afetadas pela fome. A União Europeia já anunciou que os seus países membros têm de reduzir o desperdício alimentar em pelo menos 10% na produção e em 30% no consumo e venda até 2030.

Por outro lado, a indústria têxtil, grande consumidor de água e outras matérias-primas, é também um dos setores mais afetados pelo grande nível de desperdício. A produção de roupa está a aumentar a um ritmo acelerado e o desperdício está a acompanhar tendência. Segundo um estudo da consultora Boston Consulting Group (BCG) o desperdício têxtil atinge mais de 150 mil milhões de dólares (cerca de 129 mil milhões de euros) por ano em perdas de matérias-primas. Só em 2024 foram descartadas 120 milhões de toneladas de roupa, o que equivale a encher 200 estádios olímpicos, dos quais 80% acabou em aterros ou incineradoras. O mesmo estudo refere que apenas 12% da roupa produzida foi reutilizada e apenas 7% foi reciclada.

Queimar uma tonelada de roupa liberta emissões equivalentes a seis voos de ida e volta entre Londres e Nova Iorque, enquanto que enviar essa mesma quantidade para aterros sanitários gera um impacto equivalente a oito voos.

Estes dados fazem parte do estudo “Spinning Textile Waste into Value”, realizado pela multinacional de consultoria, que avança ainda que este problema resulta da combinação de vários fatores. E destaca aos principais: a produção de fibras duplicou desde 2000, impulsionada pelo aumento dos rendimentos, pelo consumo massificado e pela redução do número médio de utilizações de cada peça.

Tendo isto em conta, a fatura ambiental é elevada, já que a produção de têxteis representa 92% das emissões de gases com efeito de estufa do setor. A BCG dá um exemplo: Queimar uma tonelada de roupa liberta emissões equivalentes a seis voos de ida e volta entre Londres e Nova Iorque, enquanto que enviar essa mesma quantidade para aterros sanitários gera um impacto equivalente a oito voos. Para além disso, o descarte inadequado contribui para a libertação de microplásticos nocivos no ambiente.

União das marcas, investidores e consumidores é fundamental

O research aponta ainda algumas direções que os intervenientes deste setor devem seguir para que a indústria da moda se torne verdadeiramente circular. Para segui-las é fundamental a união de marcas, investidores e consumidores. “Todos os anos desperdiçamos toneladas de roupas que poderiam gerar valor. Grandes marcas globais já mostram o caminho com a reciclagem têxtil-para-têxtil, prova de que a economia circular é o futuro da indústria”, refere, a propósito, Clara Albuquerque, managing director e partner da BCG em Portugal. Empresas portuguesas, como a Smartex, estão a conseguir posicionar-se neste mercado, como a empresa mostrou à Forbes Portugal há alguns meses.

Porém, o setor ainda enfrenta obstáculos que dificultam a adoção das melhores práticas. Por um lado, a questão do preço: as fibras recicladas continuam mais caras do que fibras virgens, em parte porque os custos ambientais destas últimas não estão refletidos no seu preço de mercado. Por outro lado, os sistemas de recolha e triagem existentes foram concebidos, sobretudo, para a revenda de roupa em segunda mão, e não para a reciclagem, revelando-se incapazes de lidar com o volume crescente de resíduos.

O estudo conclui que o futuro da moda será definido pela capacidade de transformar resíduos em recursos.

Um terceiro aspeto revelado neste estudo é a complexidades de alguns tecidos: a maioria das peças é produzida a partir de misturas de fibras naturais e sintéticas, que as atuais tecnologias de reciclagem mecânica ainda não conseguem processar de forma eficaz em escala industrial.

A BCG refere que a oportunidade de investimento nesta área é clara: com os investimentos certos, a taxa de reciclagem poderá ultrapassar os 30%, o que permitirá criar fibras recicladas com um valor superior a 50 mil milhões de dólares (cerca de 43 mil milhões de euros) e criar cerca de 180 mil novos empregos. A regulação é fundamental, claro, mas os consumidores não podem demitir-se da sua quota parte de responsabilidade.

O estudo conclui que o futuro da moda será definido pela capacidade de transformar resíduos em recursos. As marcas que colocarem a circularidade no centro da sua estratégia estarão mais bem preparadas para enfrentar os riscos, conquistar a confiança dos consumidores e gerar impacto positivo para a sociedade e o planeta.

Mais Artigos