Recentemente, a FORBES norte-americana destacou uma afirmação feita de que apenas 2.8% dos atuais produtores de música são mulheres. A FORBES Portugal teve a oportunidade de estar à conversa com uma delas: e é portuguesa. Rebekka Louise é filha de pai português, mas cresceu a maior parte da sua vida em Oslo, na Noruega. Atualmente vive em Londres, onde está a acabar o seu mestrado em Music Production, mas viaja muito frequentemente para Lisboa. Recentemente, Rebekka lançou o seu single, Breathing Poison, que tem tido, segundo ela mesma, um sucesso inesperado. Em exclusivo, anuncia que está a preparar o seu primeiro álbum que prevê será lançado no início de 2024.
À FORBES, fala-nos sobre como descobriu que queria ser produtora, descreve-nos os elementos e processos por que passa na produção da sua música e a de outros artistas, e um pouco sobre o seu percurso profissional e pessoal. Contou-nos, também, que já fez várias tours pela Europa, e que estuda sob a alçada de produtores de música nomeados (e premiados) nos Grammy Awards. O seu último single chegou a várias estações de rádio internacionais e foi destacado pela plataforma Spotify, tendo sido adicionado a cobiçadas playlists da mesma. O sucesso da portuguesa é patente nos milhares de streams com que conta a última música que lançou.
Rebekka, lançaste recentemente um single teu, intitulado Breathing Poison… Mas como é que tudo começou? Quando é que te apercebeste que o querias, de facto, era ser produtora?
Rebekka Louise (RL): Na verdade, música sempre fez parte da minha vida. Acho que foi quase inevitável enveredar nesta indústria. Por ser uma performer e multi-instrumentalist, subsistiu desde cedo uma expectativa de que iria ter de enveredar por uma especialização, mas nunca tive vontade de o fazer. Em vez disso, e por sentir que sou musicista no meu ADN, preferi escolher um percurso que me permitisse explorar todos os meus diferentes skills. Acho que, subconscientemente, já queria ser produtora de música há muito tempo.
Música sempre fez parte da minha vida. Acho que foi quase inevitável enveredar por esta indústria.
E qual foi o teu primeiro contato com a produção de música?
RL: Foi quando tinha 18 anos e decidi que queria produzir um álbum inteiro, durante o verão, como presente de anos! Confesso que depois dessa experiência acabei por me sentir intimidada com a ideia de, academicamente, seguir produção musical e acabei por me ‘afastar’ esse meu sonho. Foi só quando me mudei de Oslo para Londres, e já a meio da minha licenciatura, que decidi – sem me lembrar ao certo porquê – voltar a produzir música. Em 2020 lancei o meu primeiro single. A minha licenciatura era noutra área e não tinha muito tempo para me dedicar à produção, mas com as restrições da pandemia e com tempo extra em casa, acabei por conseguir obter, em paralelo, nos meus estudos, um diploma e outro em mixing e mastering.
A minha licenciatura era noutra área e não tinha muito tempo para me dedicar a produção, mas com as restrições da pandemia e com tempo extra em casa, acabei por conseguir obter, em paralelo, nos meus estudos um diploma em mixing e outro em mastering.
RL: A produção de música sempre me intrigou. Sabia pouco sobre os processos inerentes à mesma, mas sabia que era um mundo cheio de oportunidades que queria desesperadamente explorar. Queria desafiar-me a mim própria. Estudar produção tem sido um dos maiores desafios que, até agora, enfrentei na minha vida. Como produtora, sinto que não há quase nada que não possa fazer – as possibilidades não se esgotam. E era isso mesmo o que eu queria: conseguir criar o que queria, quando queria, da maneira que eu queria. Ser produtora dá-me essa liberdade.
Liberdade essa que muitos artistas procuram hoje em dia. Mas antes de ingressares neste teu mestrado em produção de música, já tinhas uma ligação forte a essa indústria. Sei que cantas e escreves música desde muito nova…
RL: Pois, é verdade. Aliás, até se pode dizer que o meu percurso musical começou quando ainda era bébé. A minha mãe, que é cantora profissional de ópera, tinha um projeto – uma série de gravações minhas – intitulado ‘aulas de canto com uma bébé’. Nele, fazia-me imitar melodias parecidas a aquecimentos vocais. Com 4 anos tive a minha primeira performance a solo numa instituição de música em Oslo, na Noruega, e aos 8 anos comecei a tocar o violoncelo, um instrumento que toco consistentemente desde há 15 anos.
Com 4 anos tive a minha primeira performance a solo numa instituição de música em Oslo, na Noruega, e aos 8 anos comecei a tocar o violoncelo, um instrumento que toco consistentemente desde há 15 anos.
RL: Até ter 14 anos, grande parte das minhas influências musicais provinham de música clássica. Depois de aprender a tocar guitarra na escola, comecei a escrever músicas e a inventar melodias. Rapidamente comecei a querer escrever e cantar as minhas próprias músicas, assim como ser uma pop star – o que julgo ser o sonho de vários adolescentes. Com 16 anos já tinha escrito mais de 70 músicas, muitas das quais estou a produzir hoje em dia! Gosto muito de voltar a projetos antigos e a finalizar as minhas canções dessa altura.
Com 16 anos já tinha escrito mais de 70 músicas, muitas das quais estou a produzir hoje em dia!
RL: Todos os singles que lancei até agora são, curiosamente, músicas que escrevi e ‘criei’ nesse período da minha vida, enquanto adolescente. Mas todos os meus próximos lançamentos são, contudo, músicas recentes e, essas, completamente novas. Acho que foi quando me dediquei a escrever as letras das minhas canções, que me apercebi realmente do sonho que tinha em tornar música a minha profissão. Desde aí que não me imagino a fazer outra coisa que não seja relacionada com este mundo.
Mas tudo isto sem teres formação nesta área. Ou seja, fizeste tudo como uma verdadeira autodidata, guiada pelo teu gosto pela música.
RL: Sim, exatamente. Apesar de ter escrito e cantado várias músicas da minha autoria, fi-lo de uma maneira muito autodidática. Tudo o que fazia ensinei-me a mim própria. Mas ser proficiente na música era-me muito importante e depressa senti que não conseguia alcançar o nível que queria apenas com o que aprendi sozinha. Isso levou-me a estudar canto clássico durante três anos e a licenciar-me em Londres, na Goldsmiths, em teatro musical.
E porquê teatro musical?
RL: Achei que era uma oportunidade única de aprender alguma coisa nova e diferente dentro desta indústria artística. Considero-me uma pessoa muito curiosa e cheia de vontade de aprender por natureza. Estou sempre à procura de novos desafios, o que pode ser simultaneamente uma sorte e um azar: às vezes dou por mim a ter demasiados hobbies. Se calhar, na vertente de produtora musical, este meu lado não é necessariamente uma coisa negativa… E agora cá estou eu, a finalizar o meu mestrado em produção musical!
Sei que também já tens feito algumas tours pelo mundo, apesar da tua carreira estar apenas a começar! Um feito enorme, que promete.
RL: É verdade! Tive o prazer de fazer tours pela Europa desde cedo, em grande parte devido ao violoncelo. Começaram por ser pequenas visitas à Suécia, o meu país vizinho, visitas essas que fazia acompanhada pela orquestra em que toquei durante seis ou sete anos. À medida que fui ficando mais velha, começámos por viajar mais longe, como para Lübeck, na Alemanha, onde tocava com uma orquestra sinfónica. Fi-lo, salvo erro, duas vezes.
Mas também pertencias a um grupo de música, o Absolutt Cello, não foi?
RL: Exatamente. Com sede no Barratt Due Institute of Music, em Oslo. Com esse grupo viajava com muito mais frequência. Todos os anos íamos a Praga e, mais tarde, começámos a ir à Alemanha, à Áustria e à Hungria. Aliás, a minha primeira aula de canto masterclass tive-a em Praga, na Chéquia, com a brilhante cantora clássica Hana Skvarilova. Essa experiência levou-me a cantar música clássica ao vivo, pela primeira vez, na conhecida Old Town House em Viena. Cantei para uma mão cheia de embaixadores, coisa de que me orgulho ainda muito hoje em dia. Nem sei como é que tive a coragem necessária para o fazer – foi muito no início do meu treino como cantora clássica. Da minha perspetiva, senti que ainda não tinha desenvolvido o suficiente a minha técnica, mas a experiência tornou-me muito mais confiante e empurrou-me a querer ser mais conhecedora da área.
A minha primeira aula de canto masterclass foi em Praga, na Chéquia, com a brilhante cantora clássica Hana Skvarilova.
RL: Mas, sim, é hoje em dia para mim claro que a minha paixão pela música e o meu percurso profissional começaram quando aprendi a tocar o violoncelo. Ajudou-me a desenvolver um conhecimento extensivo sobre música e teoria, o que tem vindo a ser indispensável para o meu desenvolvimento como produtora de música.
Claro. Também acho interessante realçar o facto que és tu que escreves, cantas, produzes e tocas a maioria dos instrumentos nas tuas próprias músicas. Podes contar-me mais sobre este processo todo?
RL: Certamente. Muitos me dizem que o meu cunho nas músicas que produzo é um som especifico de bass que uso muito. Não tinha notado que o fazia, faço-o sem intenção, mas de facto gosto de um bom bass sound. Muitas vezes é dos primeiros instrumentos que adiciono a sons que estou a produzir, assim como um kick básico, de forma a conseguir disponibilizar uma dimensão rítmica à produção. Um dos meus primeiros passos é, também, o de pensar numa progressão de acordes, visto ser essencial encontrar uma tonalidade definida para se criar um som. Mas assim que o faço, deixo de ter uma ordem de passos fixos para o processo. Por enquanto, é tudo um pouco caótico, na verdade. Sinto que ainda estou numa fase de aprendizagem relativamente à gestão do meu fluxo e eficácia de trabalho… mas acho que nunca paramos de aprender.
Sinto que ainda estou numa fase de aprendizagem relativamente à gestão do meu fluxo e eficácia de trabalho… mas acho que nunca paramos de aprender.
RL: Tento combinar todos os meus interesses musicais no meu processo de produção. Adoro ser uma parte ativa na criação de música, mas, muitas vezes, acabo por tornar o processo todo numa coisa caótica! Às vezes estou a trabalhar numa parte mais técnica de uma música, e surge-me uma ideia mais criativa referente a um outro processo dentro do mesmo projeto. Pode ser uma ideia que tive para a letra da música. Pode ser uma distração que me inspira, já que algumas das minhas melhores ideias surgiram desta forma: criatividade nascida a partir de um ambiente caótico.
Mas quando produzes, qual é o teu objetivo principal quanto ao produto final?
RL: Gosto sempre de produzir sons pouco convencionais. Experimentar sons novos, diferentes, talvez um pouco estranhos ou pouco usados. Sons que a minha audiência talvez não tenha nunca ouvido antes. Mas ao mesmo tempo, gosto de produzir sons que mantenham uma essência ‘comercial’. Gosto de músicas que sejam um pouco spiced up.
E notas diferença entre produzir para ti e produzir para outros?
RL: Sim, imenso. Quando produzo para mim própria sinto uma liberdade enorme. Quando o faço por outros, tenho de respeitar e considerar a visão criativa deles. Acaba por ser um processo mais rápido quando o faço para terceiros, especialmente se estivermos no estúdio juntos. Há, nisso, uma expectativa de ver resultados quase imediatos ou relativamente rápidos. Com as minhas próprias músicas não tenho restrições de tempo ou prazos fixos a que tenha de obedecer. Essa liberdade pode ser muito benéfica; porque acontece-me várias vezes, no meu processo de produção, acabo por descobrir e usar elementos novos e interessantes dias ou semanas depois de ter começado o meu trabalho.
E ideias ou sons, surgem-te naturalmente? Ou seja, ideias ‘vêm ter contigo’?
RL: Todos os produtores têm um processo muito pessoal no fazer músicas, mas acho que todos iriam concordar comigo de que ideias nos surgem nas alturas mais aleatórias que há. No meu caso, acontece-me várias vezes nos 10 segundos antes de adormecer! Arrisco dizer que parte do meu melhor trabalho surge nesses curtos segundos – músicas que mal me lembro quando acordo e que não chegaram a ver a luz do dia… O que gera uma situação estranha, porque não me quero levantar, a meio da noite, só porque tive uma ideia excelente antes de adormecer. Mas acho que vou começar a fazê-lo! É chato desperdiçar ideias brilhantes só porque me esqueço delas na manhã seguinte.
O que gera uma situação estranha porque não me quero levantar, a meio da noite, só porque tive uma ideia excelente antes de adormecer. Mas acho que vou começar a fazê-lo! É chato desperdiçar ideias brilhantes só porque me esqueço delas na manhã seguinte.
RL: O meu telemóvel é das minhas melhores ferramentas. Dou por mim a descer a rua e a ter ideias (melodias ou beats) que acabo por gravar no meu telemóvel para não me esquecer delas. Também escrevo no telemóvel letras de músicas ou conceitos que me surgem assim como que do nada. Depois, quando estou no estúdio ou em casa, estas pequenas notas esporádicas dão-me imenso jeito. Acabam por ser ideias pré-pensadas que me dão muito para ‘brincar’ com. Quando músicas ‘vêm ter comigo’, sento-me e consigo produzi-las por completo em poucas horas; mas não é algo comum.
Recentemente lançaste o teu novo single ‘Breathing Poison’, que rapidamente passou a tocar em várias estações de rádio e apareceu em listas do Spotify muito cobiçadas.
RL: É verdade. Breathing Poison foi totalmente produzida e criada por mim. Também fui eu, independentemente, que a lancei. Escrevi a letra da música com apenas 16 anos. Foi um projeto que ‘reanimei’ como parte do meu mestrado. Sempre soube que queria lançar esta música e, apesar de ela ter sido escrita há vários anos atrás, a letra é-me muito relevante ainda hoje. Também estou muito contente com os visuais que a letra invoca. Sinto-me orgulhosa de ter criado uma coisa assim quando ainda era adolescente. Fiquei com ainda mais vontade de a lançar depois de ter recebido feedback muito positivo de outros produtores (muito talentosos) a quem tive a oportunidade de mostrar o single.
Mas foi um single muito bem recebido pela audiência também, com milhares de streams nas plataformas mais utilizadas pelo público. E vários são os artigos que foram publicados sobre este teu recente lançamento!
RL: Exato. Estou muito agradecida pela resposta positiva que tenho recebido depois do lançamento da música. Como artista e produtora independente, é difícil – e muitas vezes requer lançamentos consistentes – ter reconhecimento sem uma plataforma e audiência já mapeada. Ter tido literalmente milhares de streams na primeira semana de lançamento foi, para mim, um feito incrível. Foi muito mais do que alguma vez achei possível acontecer. O meu single foi adicionado a várias playlists oficiais da Spotify e é tocada em várias estações de rádio no Reino Unido e pela Europa. Foi a primeira vez que ouvi músicas minhas na rádio.
O meu single foi adicionado a várias playlists oficiais da Spotify e é tocada em várias estações de rádio no Reino Unido e pela Europa.
RL: A resposta da media tem sido excelente, também. Como mencionaste, vários são os artigos que foram publicados sobre o meu single, e tive reviews oficiais de meios de comunicação reconhecidos e respeitados nos Estados Unidos, Reino Unido e na Europa.
E quem dirias que são as tuas maiores influências a nível musical?
RL: Como norueguesa, admito que muitas das minhas influências musicais são artistas escandinavos. Vários têm uma influência tremenda em mim, mas gosto imenso do estilo de produção das músicas da cantora norueguesa Aurora. É uma produção musical de synth-pop eletrónico misturada com vocais etéreos. É muito interessante e contém um enorme contraste no que diz respeito aos elementos utilizados. Para o meu primeiro álbum, que vai ser lançado em breve, inspirei-me na cena norueguesa de hiphop, no que toca a letras de música e flow lírico. Antes disso, a minha prosa era mais tradicional e muito pop. Agora, depois de ouvir muito o artista Vinnie, fiquei inspirada a mudar um bocado o meu estilo de escrita.
Rebekka, agora que mencionaste o teu próximo álbum, não quero deixar de te perguntar quais os teus projetos futuros. O que é que podes partilhar com a FORBES?
RL: Posso partilhar que até agora, na minha carreira, estive muito focada em criar um corpo de trabalho sólido e substancial. Estive a trabalhar na minha técnica de produção em vez de lançar uma quantidade exuberante de músicas. Trabalhei com vários músicos nos projetos deles e não em projetos de nome próprio. Mas agora que estou a terminar o meu mestrado tenho vários projetos que sinto como muito entusiasmantes!
Agora que estou a terminar o meu mestrado tenho vários projetos que sinto como muito entusiasmantes!
RL: Estou no processo de criar e finalizar o meu primeiro álbum, que vai ser lançado no início do próximo ano, em 2024. É o meu maior projeto até à data, o que é muito empolgante. Com este álbum vou conseguir alcançar o meu objetivo inicial de quando comecei a estudar produção de música: o de juntar as minhas paixões todas num só projeto que culminasse na criação de um álbum completo. O conceito deste é segredo, por enquanto. Mas posso avançar que é muito pessoal e foi feito de forma a servir como um meio de exploração de temas e sentimentos que julgo não serem muito falados na atualidade. Tem sido, e continua a ser, suponho, quase que um processo de crescimento e de healing pessoal. Acho que me tornou numa pessoa melhor e tenho a esperança que faça muitos não se sentirem tão sozinhos, por quererem dar prioridade a eles próprios num mundo cada vez mais centrado no que ‘os outros’ fazem. Mal posso esperar pelo lançamento do álbum. Um dos lead singles do álbum vai ser lançado nas próximas semanas e é intitulado Shut up.
Um dos lead singles do álbum vai ser lançado nas próximas semanas e é intitulado Shut up.