Os portugueses nunca foram muito dados a invasões. Os mouros e os romanos ainda por cá andaram alguns séculos, os espanhóis também tentaram e até conseguiram liderar o país durante algumas décadas, durante a época da dinastia Filipina Castelhana; e os franceses, apesar das várias investidas, nem a Lisboa chegaram. Dois séculos mais tarde, Portugal está novamente sob invasão, não por um povo em particular, mas por uma miscelânea deles que, em vez de intenções de pilhar ou conquistar, chegam com a carteira recheada para gastar.
Desta vez, os turistas e os contentores que chegam todos os dias estão a alimentar sectores como o turismo e o imobiliário, a estimular a criação de novos negócios e a ajudar o país a recuperar da maior seca económica da sua história mais recente.
Pelo ar, os dados publicados pela Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC) referentes ao primeiro trimestre do ano são reveladores do frenesim que se vive nos aeroportos nacionais: enquanto o transporte aéreo mundial cresceu 7,7% no primeiro trimestre do ano, em Portugal, o número de voos disparou 10% e o número de passageiros aumentou 18%.
Só nos primeiros três meses do ano, passaram 798 aviões e 93,7 mil passageiros por dia no conjunto dos cinco maiores aeroportos nacionais. Já com dados referentes ao primeiro semestre do ano, o Turismo de Portugal diz que chegaram cerca de 12,2 milhões de pessoas, um valor que tem vindo a crescer nos últimos anos a um ritmo anual de dois dígitos, e que se deve em muito ao aumento do número de ligações aéreas ao país e ao crescimento do número de voos das companhias aéreas de baixo custo.
À excepção do aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, onde há uma maior presença de companhias bandeira estrangeiras e um domínio da transportadora aérea nacional – TAP Portugal -, no número de voos e de passageiros transportados, são as companhias low-cost que dominam os céus e as pistas nacionais.
Os aeroportos de Faro e de Ponta Delgada são dois bons exemplos: no Algarve, nove das dez maiores companhias são low-cost, e duas delas, a Ryanair e a Easyjet, são responsáveis por metade dos passageiros transportados. “Foi uma alteração profunda de paradigma no tráfego aéreo regional desde a entrada em vigor do processo de desregulamentação do transporte aéreo na Europa, em 1999”, explica à FORBES Desidério Silva, Presidente do Turismo do Algarve.
Os números são claros: se no final da década de 1990 chegavam a Faro pouco mais de 4 milhões de passageiros por ano, só no primeiro semestre de 2017 passaram pelo aeroporto internacional de Faro 3,7 milhões de passageiros.
Nos Açores, o cenário é ligeiramente diferente devido ao peso da transportadora regional SATA nos voos internos e transatlânticos. Todavia, bastaram pouco mais de dois anos para que a Ryanair se tornasse na segunda maior transportadora aérea para o arquipélago em número de voos e de transporte de passageiros.
“A entrada de companhias como a Ryanair e a Easyjet nas rotas para os Açores contribuiu de forma assinalável para um reforço de notoriedade internacional do destino”, explica Marta Isabel Vieira, secretária regional da Energia, Ambiente e Turismo, sublinhando que o turismo do arquipélago está a beneficiar do novo modelo de acessibilidades aéreas à região.
Mais turismo e mais negócios
Um simples passeio pelo centro histórico de Lisboa ou do Porto permite aferir a dimensão da invasão estrangeira do país. Em alguns bairros, a afluência de turistas é de tal ordem que até tem gerado algumas críticas. No entanto, o efeito ao nível macro e microeconómico é indiscutível. No campo das exportações, que segundo um estudo da empresa Iberiform foram responsáveis por 80% do crescimento da economia nacional em 2016, os serviços, nos quais se inclui o turismo, foram responsáveis por quase um terço do valor.
Por dia, o sector gerou receitas no valor de 33 milhões de euros despoletando o crescimento de uma série de novos negócios e acordando outros entretanto adormecidos pela recente crise que afectou o país.
Em Lisboa, os tuk-tuks e as empresas como a Boost Tourism, de João Paiva, são apenas uma das faces mais visíveis do boom a que se tem assistido no sector e que tem no negócio do alojamento local a estrela ascendente, mas há mais.
A hotelaria e o imobiliário recuperaram dinâmica após um longo período de hibernação. No arquipélago dos Açores, por exemplo, entre 2014 e 2016, as receitas do sector hoteleiro aumentaram 57% e o número de empresas de animação turística disparou, gerando mais de 500 postos de trabalho em dois anos.
E no continente, depois de terem aberto 75 novas unidades hoteleiras em 2016, espera-se este ano a inauguração de mais 40. Por sua vez, o regime fiscal para Residentes Não Habituais (RNH) e o programa de Autorização de Residência para actividades de Investimento (conhecido como Vistos Gold) deram vida ao sector imobiliário.
No conjunto, além do investimento gerado, o sector imobiliário e a hotelaria estão a ser fundamentais para a recuperação da taxa de desemprego nacional. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), nos 12 meses findos em Março, dos 144,8 mil postos de trabalho criados, a maior fatia – 39,8 mil – teve origem no sector da hotelaria e da restauração, seguindo-se os transportes e as actividades imobiliárias, com 31,8 mil e 13,5 mil, respectivamente.
Em velocidade de cruzeiro
A invasão prossegue por terra e por mar. Nas auto-estradas, o Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) revela que a circulação automóvel aumentou em média 5% no primeiro trimestre do ano e, em Março, ficou-se a uma centena de veículos dos números registados no período pré-Troika. Não foi um crescimento uniforme.
O aumento deveu-se sobretudo às vias próximas das grandes zonas metropolitanas de Lisboa e Porto, tendo-se até registado decréscimos acentuados nas estradas da Beira Litoral e Interior. Aliás, numa análise às “portas” para Espanha, o maior parceiro comercial de Portugal, o último pórtico da A25 foi o único a ver passar menos veículos (-1,3%).
A norte, na A3 (Valença-Fronteira), o tráfego aumentou 1,6%. No centro, na A6 (Caia- Fronteira do Caia), aumentou 2,2% e, a sul, na Via do Infante, o último pórtico em território nacional registou um aumento de 7,6%.
Para consolidar, a CP – Comboios de Portugal revelou à FORBES que o número de passageiros transportados no primeiro semestre de 2017 ultrapassou os 60 milhões, mais 7% face ao período homólogo – e nos serviços internacionais subiu ainda mais, cerca de 9%.
Para o turismo, o transporte terrestre é menos significativo. Mais de 90% dos turistas chegam de avião. Depois da via aérea é aos portos, via cruzeiros, que chega a segunda fatia de clientes mais relevante. Curiosamente, neste segmento, a invasão não está a ser tão massiva (ver caixa), mas é através da fronteira com o Atlântico que o país está a marcar valores nunca antes alcançados em termos de comércio externo.
Segundo dados do IMT relativos à primeira metade do ano, o movimento de carga nos portos comerciais do continente ultrapassou as 48,6 milhões de toneladas, um peso que representa uma variação de 8,1% face ao período homólogo e é o mais elevado de sempre na primeira metade do ano.
Com mais clientes, mais negócio e mais comércio, a economia está a começar a dar sinais. Segundo os últimos dados divulgados pelo INE, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 2,9% no segundo trimestre do ano, a maior expansão trimestral dos últimos 17 anos e, em termos semestrais, alcançou o valor mais elevado do período pós-Troika.
Na primeira metade do ano, todas as variáveis económicas tiveram uma evolução positiva.
Depois de ter regredido em 2016, o investimento e a procura interna, por exemplo, estão a ganhar força no perfil de crescimento da economia nacional. O primeiro subiu 9,9% depois de ter registado uma expansão de 7,7% no primeiro trimestre, enquanto o consumo cresceu 2,7%, comportamentos que se podem explicar pelo investimento estrangeiro – directo e via Portugal 2020 – e pela diminuição da taxa de desemprego.
Na previsão inicial (rápida), o INE estimava que a contribuição da procura externa fosse negativa, em parte devido ao maior crescimento das importações face às exportações, mas um ligeiro abrandamento tanto das compras como das vendas ao exterior, acabaram por gerar uma contribuição líquida positiva.
Desta forma, os 2,5% de crescimento económico previstos pelo Banco de Portugal para este ano ficam “ao virar da esquina” e Portugal deverá a encerrar o ano com a maior taxa de expansão económica do século e com o maior PIB anual desde a chegada da Troika a Portugal, em 2011.