Tal como os irredutíveis gauleses, os três cervejeiros que gerem a marca Sovina continuam ilesos face às investidas dos romanos – isto é, as grandes retalhistas e as grandes cervejeiras nacionais.
Os auto-intitulados pioneiros na produção de cerveja artesanal – afinal, em 2009 ainda nem se sonhava com a moda que viria a ser a produção desta bebida junto de produtores independentes – garantem que não querem desvirtuar a vertente artística da produção de cerveja e, por isso, não querem produzir em massa. Contudo, o assédio mantém-se.
O interesse dos gigantes do mercado é um bom sinal do sucesso relativo desta aposta que começou graças à insistência de Alberto Abreu para começar um negócio de cerveja. Em 2009, Pedro Sousa, amigo de Alberto e Arménio Martins (genro de Alberto) abriram a empresa Os Três Cervejeiros.
A produção de cerveja começou por ser feita numa garagem anexa a uma loja na rotunda da Boavista, na cidade do Porto. Foi um processo de tentativa e erro a partir de 2009. Só em 2011 é que lançaram a marca Sovina para o mercado.
O financiamento inicial foi obtido, em parte, pelas vendas de produtos de produção de cerveja artesanal através da página cervejaartesanal.com – um domínio que adquiriram a uma corporação de bombeiros de Soure que tinha uma pequena fábrica – e de um investimento inicial de 160 mil euros da parte de Alberto, que se destinou à aquisição de equipamento e a obras no espaço inicial.
Após dois anos de testes, encomendaram uma tonelada de cevada, cinco quilos de lúpulo e um quilo de levedura para produzir a primeira remessa.
Acabaram por lançar em Setembro de 2011 os dois primeiros tipos de cerveja: a “Âmbar” e a “Helles”, com uma produção de 500 litros de cada para testarem o mercado. A receptividade foi positiva, segundo Arménio.
Actualmente têm cinco cervejas constantes no portefólio, ao qual vão adicionando cervejas sazonais associadas com às estações do ano. E é este mesmo portefólio que as retalhistas cobiçam.
Arménio revela que um primeiro passo já foi dado junto da Sonae, numa acção em algumas lojas “por um tempo limitado” e que funcionará mais como “uma activação de marca”.
Contudo, dificilmente Os Três Cervejeiros, empresa que actualmente detém a marca Sovina, se deixará apanhar pelo grande consumo. As dúvidas e os receios em relação ao modelo de negócio das grandes retalhistas são mais que muitos.
“Nós sabemos que os grandes grupos comem os pequenos grupos. Nós temos histórias, todas as semanas, de algum produtor que foi destruído por um grande grupo de distribuição, ou enganado. Isso, a mim, revolta-me imenso”, conta Arménio.
“Com o projecto que queriam desenvolver não íamos ter todo o conceito de qualidade”, diz. Não desvenda o nome das empresas que os cobiçaram. Contudo, diz apenas que todas as propostas que lhes apresentaram eram baseadas num modelo de obtenção de “grandes percentagens” sobre as vendas.
Fazer uma cerveja artesanal
A empresa que gere a Sovina sofreu, entretanto, uma alteração na estrutura accionista. Pedro saiu e a Arménio e a Alberto juntaram-se Paula Martins (esposa de Arménio) e a sua irmã, Isabel Abreu. “Somos uma empresa pequena, queremos sempre ser uma empresa familiar, nunca iremos ter um produto de escala”, destaca Paula.
As cervejas da Sovina começaram a ser comercializadas em 2011. Vivia-se o começo de uma época de aperto financeiro causado pela crise que se avistava ao longe. E por isso, hoje, com a devida distância, os sócios da empresa reconhecem que foi um risco avançar com o negócio nessa altura.
Referem mesmo que foi um risco não muito ponderado. “O meu pai, que foi quem arriscou, é muito aventureiro”, conta Paula. “Não havia aquele modelo com um plano de negócio. Não havia nada projectado. Foi: ‘Amanhã vamos abrir uma empresa’”, assegura. Assim mesmo – “um tiro no escuro”, nas suas palavras.
O que os animava era o facto de saberem que esta era uma ideia “com pernas para andar”, explica Arménio, já que no mercado, além das duas grandes marcas, Sagres e Super Bock, eram praticamente inexistentes.
“Estava no momento de apresentar um produto novo e de as pessoas provarem também uma cerveja completamente diferente, com aromas, com sabores, com corpo”, diz.
Logo ao início da aventura, a ausência de enquadramento legal para legalizar a cerveja artesanal foi um problema, contam os sócios. Para a comercializar, era necessário obter autorizações de diversos organismos públicos que certificassem o produto.
Andaram em bolandas, conta Arménio: “Tivemos até de assinar uma carta-branca em que nos sujeitávamos a qualquer legislação que nos viesse a ser imputada.” Afinal, bastou um licenciamento da Câmara Municipal do Porto para prosseguirem actividade – “para este tipo de indústria não era necessário passar pelo ministério da Economia”, assegura Arménio – e a autorização da alfândega devido ao imposto sobre o álcool.
Hoje, a fábrica tem uma mão-de-obra fixa de sete pessoas e foi feito um investimento total de 200 mil euros em equipamento, segundo Arménio, principalmente através do reinvestimento dos lucros obtidos. Porém, ainda faz falta algum equipamento.
Na ausência de uma máquina engarrafadora, a equipa tem de se revezar a encher e a tapar as garrafas manualmente, tal como a FORBES, aquando da visita à fábrica, testemunhou.
O reinvestimento dos pequenos lucros que o negócio foi gerando obrigou os três sócios a manter trabalhos em paralelo – designer nos casos de Arménio e Isabel, fotografia no caso de Paula – até recentemente. “De 2009 a 2014, ninguém tirava um salário” da Sovina, segundo Arménio.
“Nos dias de produção [chegávamos] a trabalhar 16 horas seguidas”, conta. Agora, chegaram a um crescimento veloz. Arménio revela que no primeiro ano após a entrada da Sovina no mercado facturaram 80 mil euros. Em 2015, a facturação cifrou-se nos 400 mil euros.
O negócio já dá lucro, mas andam “sempre apertados”, graceja Isabel. “Temos tido um crescimento anual entre 30% e 40% ao ano”, desde 2011, explica Arménio.
Hoje em dia, complementam o negócio de comercialização de cerveja com a venda de produtos na página na internet e com workshops de produção de cerveja artesanal ministrados por Arménio.
O diamante da terra
Chocolate negro, mirtilos e framboesas, caramelo, banana. Os três cervejeiros da Sovina apostam numa miríade de ingredientes que diferenciam as cervejas artesanais das restantes, que entram no rol das típicas matérias-primas relacionadas com o fabrico de cerveja: levedura, água, lúpulo e os maltes.
Contudo, a aquisição das matérias-primas, na sua maioria, não é feita a nível nacional, segundo Arménio: “É quase tudo importado”, lamenta. Os cereais, acrescenta Arménio, são praticamente todos importados, devido à ausência de maltarias em Portugal que produzam diferentes tipos de malte.
O lúpulo, elemento essencial para a produção de cerveja, é a matéria-prima mais crítica. É o “diamante da terra”, explica Paula, que chega a atingir os 40 euros por quilo. Para 1000 litros de cerveja usam-se cerca entre 15 quilos a 20 quilos de lúpulo. É praticamente todo importado. Só há dois produtores de lúpulo em Trás-os-Montes e a Sovina compra-lhes a produção toda. “Tudo o que eles plantarem, nós compramos,” diz Paula.
O lúpulo já teve os seus dias áureos no Norte de Portugal, uma zona onde se chegou a produzir “à volta de 500 toneladas de lúpulo por ano”, diz Arménio. Agora, só 12 toneladas são produzidas na região de Trás-os-Montes e Braga. Os agricultores foram-se desinteressando da produção desta planta. “Não tinham grande rentabilidade”, acrescenta.
Chegaram a promover uma campanha de crowdfunding para apoiar os dois produtores de lúpulo através da doação de plantas depois de uma tempestade ter destruído uma plantação e a plantação de novas estirpes de lúpulo. Angariaram 1455 euros através de 46 apoiantes.
A aposta no desenvolvimento da produção de lúpulo é um dos objectivos dos sócios da Sovina, que celebraram diversos acordos com universidades, entre as quais o Instituto Politécnico de Bragança, para a investigação na área. O sonho é encontrar uma estirpe autóctone: “Era o nosso sonho que houvesse uma planta portuguesa, algo demarcado. Bastava uma planta que tivesse sucesso no mundo inteiro para colocar toda a região a produzir lúpulo”, assegura Arménio.