Da McLaren à Cadillac: Pedro Sousa está há mais de duas décadas na Fórmula 1

O que é que equipas como a McLaren, Red Bull, Haas e Williams têm em comum? Uma pista: é português. A educação mais regrada dos avós e a aptidão do pai para projetos manuais são duas das coisas que coloca como principal influência para a carreira que optou por seguir. Daí até à Fórmula 1…
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Pedro Sousa chegou à Fórmula 1 em 2000 e, tirando uma pausa pelo meio, permaneceu até aos dias de hoje. O engenheiro é um dos portugueses que melhor conhece os bastidores da categoria-rainha.
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O que é que equipas como a McLaren, Red Bull, Haas e Williams têm em comum? Uma pista: é português.

A educação mais regrada dos avós e a aptidão do pai para projetos manuais são duas das coisas que coloca como principal influência para a carreira que optou por seguir. Daí até à Fórmula 1 foi um salto que não planeou dar, mas que, em maio de 2000, lhe abriu as portas da McLaren, a primeira equipa que integrou.

Falamos de Pedro Sousa, o engenheiro português que, apesar de uma pausa pelo meio, tem estado ligado à categoria-rainha há 25 anos. Além da McLaren, passou ainda pela Red Bull (2011 – 2016), o projeto Valkyrie (2016 – 2019), a Haas (2019 – 2022) e a Williams (2022 – 2024), iniciando-se na parte da simulação e seguindo depois a área estrutural ao longo de toda a sua carreira. Um currículo que não deixa qualquer dúvida: entre ideias imparáveis, processos mais complicados, vitórias ou últimos lugares na tabela, o português conhece a Fórmula 1 de uma ponta à outra.

Hoje, integra a Cadillac como consultor, papel que lhe permite ajudar a criar a base da mais recente equipa da grelha. Discreto desde o início da sua carreira, deu agora à Forbes a oportunidade de conhecer o universo da Fórmula 1 pela perspetiva do departamento de engenharia.

Como é que descreve o seu trabalho na Fórmula 1?
Eu entrei para a Fórmula 1 como engenheiro de simulação, é uma maneira matemática de escrevermos o funcionamento do carro. Trabalhei mais de um ano nesse departamento, o Departamento de Dinâmica de Veículos, e percebi que gostava mais de fazer projeto. No final de 2001, consegui mudar e ir para o departamento de projeto, fui o segundo elemento do Departamento de Estruturas da McLaren, nessa altura os departamentos eram pequeníssimos a este nível, a nível de simulação já eram um bocadinho maiores, mas a nível estrutural, que foi o que me especializei e trabalhei depois o resto da minha vida, os departamentos eram quase inexistentes. As contas eram feitas ainda muito manualmente e em folhas de calculo, não havia muito este hábito de se fazerem análises com software. É praticamente como um engenheiro que faz a estrutura de um prédio, nós fazemos das peças e dos pormenores todos do carro. Depois passei por várias equipas, cinco como permanente e uma como consultor, e fui desenvolvendo a minha carreira ao longo do tempo: tornei-me cada vez mais responsável dentro das equipas e desde mais ou menos 2018 passei a ser chefe de departamento, inicialmente na Red Bull, depois fui para a Haas e, finalmente, na Williams também.

O trabalho é diferente de equipa para equipa ou como a posição é igual acaba por ser muito parecido?
Todas as equipas têm um ADN muito próprio, seja por razões históricas, razões de liderança também, e muitas vezes criam-se limitações. Isso tudo dá-lhes uma maneira de funcionar que é diferente e nota-se dentro das equipas. É evidente que uma das coisas importantes é a capacidade da pessoa de se adaptar, mas há equipas extremamente agressivas do ponto de vista de como fazem engenharia, querem ser extremamente inovadoras e não são adversas ao risco, temos outras que historicamente se tornaram muito mais conservadoras na maneira como fazem engenharia, com mais aversão ao risco. Eu passei um bocado por isso. Temos a Red Bull como um expoente máximo, no tempo em que eu estive na equipa havia muita agressividade, um desejo muito grande em evoluir, em fazer coisas novas. Do ponto de vista da engenharia, havia mesmo poucas limitações à criatividade, o que era bom. Uma pessoa depois muda e vai para uma Ferraria, por exemplo, onde há um legado muito grande, há uma capacidade incrível de se fazer engenharia, mas depois há uma inteligência que tem de se ter que é diferente. Na maneira como temos de trabalhar dentro da equipa e tudo. Se formos para uma Williams, temos também um legado histórico diferente, que era muito mais conservador. Todas elas têm exatamente o mesmo objetivo: criar o carro mais rápido possível. A performance é sempre o ponto mais importante, mas depois a maneira como é feita, a cultura que existe é diferente. E isso exige adaptação se a pessoa quiser, de alguma maneira, tirar o máximo proveito das capacidades da equipa.

Existem diferenças entre o trabalho durante uma semana de corrida e o trabalho durante as semanas em que não há corrida?
Nos gabinetes de projeto diria que não há assim tanto. Nós estamos muito focados, temos projetos a decorrer, sejam projetos de desenvolvimento ou em que temos de resolver problemas que foram identificados, algo que fizemos e que não teria a performance desejada ou de alguma maneira não funcionou bem, inclusive se tivemos falhas nas peças que projetámos. Temos ali um fluxo constante de trabalho que não se altera muito. Tendo uma posição mais de liderança hoje em dia, a única coisa que é diferente para mim é que nessas alturas estou muito mais atento e tenho que estar disponível praticamente 24 horas. Se temos corridas do outro lado do mundo e temos um fluxo horário completamente diferente, nós como engenheiros estruturais somos responsáveis pelas peças e se houver alguma falha no carro, normalmente somos envolvidos nisso. Ou por mensagem ou por telefonema, mesmo às tantas da manhã tinha de estar atento e recebia telefonemas, era uma coisa habitual. Faz parte da nossa cultura de trabalho, precisamos estar um bocadinho disponíveis quase 24/7.

A Fórmula 1 é um desporto de equipa, apesar de serem os pilotos e os chefes de equipa a darem a cara. Internamente é isso que se sente ou existe uma grande divisão entre departamentos?
A Fórmula 1 é um desporto que vive de performance e é um desporto em que há uma exigência muito grande da equipa. Eu não acho que existam trabalhos menos importantes do que outros dentro da Fórmula 1, porque o mais pequeno erro num cálculo simples, na especificação de um material que alguém se enganou a pôr num desenho, alguém que não prestou atenção a um detalhe enquanto estávamos a testar uma peça, pode pôr em causa a performance do carro na pista. Isso pode resultar em menos performance ou até num acidente. E nós temos questões de segurança grandes e também valores envolvidos. A perda de performance normalmente representa milhões de dólares para a equipa. Eu acho que isto mostra que, como equipa, toda a gente tem importância.

A hierarquia é importante, haver uma corrente de comando dentro da equipa é importante, mas acho que se a equipa funcionar como deve ser, as pessoas sentem que têm importância e têm impacto na performance final do carro. Na minha visão, acho que não existe uma separação dentro da equipa.

Há espaço para erro na Fórmula 1?
No produto final, acho que não há espaço para erro. Acima de tudo, porque isto põe em causa a performance do carro e temos de ser extremamente cuidadosos com isso, e também por pôr em causa a segurança de quem guia o carro, que se calhar não é tão visível hoje em dia para as pessoas, mas o trabalho que existe por trás a nível de segurança é enormíssimo. Durante a fase de desenvolvimento do carro, a dedicação que existe e as obrigações que nós temos perante a FIA, a nível de segurança do carro, são enormes. Portanto, eu acho que o espaço para erro não existe no produto final, mas acho que há uma altura em que esse espaço para erro deve existir. E de vez em quando tenta-se que não exista ou há, como falámos, equipas que têm mais dificuldade em aceitar o erro mesmo na fase de desenvolvimento, mas eu acho que nessa fase o erro tem de ser aceitável. Porque se não for aceite, eu acho que facilmente começamos a diminuir a criatividade. E o erro normalmente traz aprendizagem. Nas minhas equipas tento incutir este espírito em que há a fase em que é aceitável, até para mim. Porque houve algo que não conseguimos compreender e que não funcionou, que não estava dentro das nossas capacidades de análise, de simulação, de dados numéricos, de cálculo, não nos conseguimos aperceber que havia um fenómeno que ia aparecer e que ia levar, por exemplo, a uma falha nessa peça, eu acho que isso é aceitável em certos períodos. E acho que é importante.

E quando parece não haver resposta? Como está a acontecer esta época em que parece que ninguém tem uma resposta para dar à McLaren. Como é que se lida com isso internamente?
É um misto. Acho que é fácil de olhar para a Fórmula 1 do ponto de vista histórico e ver que, normalmente, há uma certa tendência para haver uma equipa que domina. Já aconteceu com a McLaren no passado, Red Bull, Mercedes, Ferrari. E é um domínio que, se calhar, para o espetador leva a entender que parece que não há uma resposta para aquilo. E pode não haver, porque muitas vezes é a interpretação da regra e alguém vir com uma solução técnica que mais ninguém se lembrou. Agora, por exemplo, o McLaren sem dúvida é o carro do momento. Portanto, dentro destas regras, haverá um certo número de pormenores naquele carro que os engenheiros que o conceberam e que o continuam a desenvolver conseguiram pôr no carro que os outros não têm. Isso eu vejo como motivação para tentar fazer melhor. Leva a dois lados: há sempre um lado de frustração, porque a pessoa não consegue ter uma resposta imediata e isso leva a uma certa frustração porque nós competimos uns com os outros, mas, ao mesmo tempo, puxa por nós para sermos mais criativos e tentar atingir o mesmo, de alguma maneira sermos mais rápidos que um McLaren.

É diferente estar numa equipa quando ela está a ganhar e quando ela está a perder?
Eu estaria a mentir se dissesse que não é, cria um ambiente mais positivo entre as pessoas quando estamos a ganhar. Mas também tem o revés da medalha, quando se ganha muitas vezes ficamos confortáveis e acabamos por, se calhar, deixar de ser tão criativos. Quando se está em último, as pessoas muitas vezes sentem uma certa motivação em tentar dar a volta. É por isso que estamos lá, que gostamos de competir uns com os outros. Eu tive a boa experiência de ver isso, de estar numa equipa que estava a ganhar consecutivamente e também vi essa equipa deixar de ganhar. Quando fui para a Haas, a equipa estava em último, era uma equipa que ao mesmo tempo estava a ser construída. Eu fui convidado para ir montar um grupo de estruturas que não existia naquela altura, era um trabalho que não era feito internamente, e deram-me carta branca: vamos começar a contratar pessoas, adquirir tanto software como hardware de ponta, criar processos, etc.. Tudo isso é motivador, foi um projeto extremamente interessante, deixaram-me construir algo por mim e dentro dos meus valores. Saltamos para a Williams, era uma coisa que já estava construída há muito tempo, mas que precisava de uma reestruturação. E foi isso que aconteceu. Estávamos em último na Williams, mas já melhorou. Acho que, de alguma maneira, contribuí também para essa mudança. Quando cheguei lá vi um grupo extremamente capaz, mas necessitava dessa reestruturação a nível de valores, da audácia, de deixar de se sentir limitado nesse risco a que eram adversos. As pessoas têm esta visão de que quem está a ganhar está bem mais contente, mas na realidade tiramos também certo apreço, conforto e bem-estar de termos grandes desafios. Quando estamos em primeiro já não conseguimos ir a mais lado nenhum.

Pedro integrou a equipa de engenheiros da Red Bull nos três anos consecutivos (2011-2013) em que a equipa e Sebastian Vettel foram campeões mundiais (Foto: Darren Heath/Getty Images)

O quanto é que o lado mais mediático da modalidade vos afeta?
Acho que afeta de alguma maneira. Se isso depois altera o que se passa no nosso dia-a-dia a nível de trabalho, eu acho que é mais difícil. Até porque há uma certa permeabilidade, que é notório pelo meu CV, em andarmos em mais do que um sítio e apesar de sermos milhares acabamos por nos conhecer ao longo dos anos. Muitas vezes o que sai nos media é filtrado automaticamente por nós, porque nós conhecemos as pessoas e sabemos até o lado da história, que não é bem aquilo que aparece. Mas quando são coisas técnicas, e há revistas que são muito mais dedicadas a mostrar o lado técnico, os truques, o que é que se fez, porque é que o outro está a ganhar, muitas vezes as coisas não são verdade. Nós até tiramos um certo gozo em ver aquelas coisas, porque na realidade não é aquilo que realmente está a dar performance ao carro. Muitas vezes nós nem temos nada muito parecido com aquilo no carro, mas porque há desconhecimento, porque são os boatos, há aquele efeito de bola de neve em que uma coisa pequena, de repente, torna-se enorme.

A Fórmula 1 evoluiu bastante ao longo dos anos, mas falando destas mudanças mais recentes, qual é a opinião do Pedro em relação àquilo que têm sido os resultados da mudança do regulamento em 2022 e quais são as expectativas para as mudanças de 2026?
A mudança de 2022 eu achei interessante. A mudança da filosofia do carro é um bocado radical e, portanto, a performance muitas vezes muda drasticamente. Quando se muda normalmente há alguém que vai sobressair, que conseguiu, de alguma maneira, extrair mais performance do que a maioria. Foram regras difíceis as de 2022, criar este efeito de solo novo nos carros como há muitos anos trouxe imensas dificuldades e isso notou-se. Até porque eu acho que algum do know-how que existia desses campeonatos de há muito tempo já não existia dentro de algumas equipas. E a Red Bull aí sobressaiu com o Adrian [Newey] porque houve um conhecimento que foi transposto dessas alturas para ali, o carro era bastante estável e funcionava extremamente bem. Acho que 2026 vai ser outra vez a mesma coisa. O carro reverte, deixa de ter tanto efeito solo, o chão do carro deixa de ser este enorme difusor, mas mais uma vez há uma mudança grande de regras. O carro tem um aspeto diferente, uma dimensão diferente, as asas são diferentes, vai haver um duplo DRS que não existia, acho que vai haver um reshuffle. São aquelas coisas que acontecem quando alguém consegue ler as regras e pensar: eu consigo fazer aqui uma coisa que nos vai trazer performance e pode não haver mais ninguém na grelha que tenha percebido isto.

Nessas alturas em que há uma mudança tão grande, o quão importante é o feedback de um piloto?
O feedback é importantíssimo. E sabemos, como engenheiros, que nem todos os pilotos são capazes de dar o mesmo feedback. Isso já não tem muito a ver com a capacidade de guiar o carro no seu pico de performance, mas é mesmo a capacidade de comunicação e de explicar, dar esse feedback de uma maneira construtiva para nós. Porque eles todos dão, sempre que corremos o carro há reuniões a seguir e o piloto fala sobre o carro. Os engenheiros de pista, os engenheiros que trabalham com ele, tentam apreender o que é que poderá estar a acontecer com o carro com base nisso, mas sabemos que há pilotos melhores nesse feedback do que outros.

As pessoas muitas vezes, de uma maneira um bocadinho errada, pensam que o carro é desenhado para um certo piloto. Nós não desenhamos carros por pilotos. Nós temos hoje a dia uma capacidade a nível de análise e de simulação muito grande e desenhamos o carro para a maior capacidade de performance que conseguimos. É o carro mais rápido, que se adapta às pistas e que é o mais fácil de guiar. Os pilotos têm todos preferências por carros com comportamentos diferentes e isso nota-se. Uma das coisas mais faladas é: o carro é desenhado para o [Max] Verstappen. Não, não é desenhado para o Verstappen. O carro, se calhar, é um carro que tem muita performance e por causa disso tem características muito particulares. Os carros mais rápidos, normalmente, não são os mais fáceis de guiar e ele tem a capacidade de guiar carros que são extremamente nervosos, gosta de carros com características muito particulares que dão muita performance. Nós, quando estamos a desenhar o carro, desenhamos para o máximo de performance e nada mais.

O Pedro trabalhou com um dos maiores nomes da modalidade na sua área, o Adrian Newey. Como é que foi trabalhar com ele?
Trabalhar com o Adrian foi quase como ter uma masterclass, foi uma experiência extremamente importante e eu valorizei imenso. O que diferencia o Adrian em relação a muitos outros engenheiros que têm posições e funções semelhantes dentro das equipas é a capacidade do Adrian de filtrar o ruído e ter uma visão do que é importante. Nós estamos muito focados em tentar tirar o máximo de performance possível do carro e eu acho que nesse aspeto há uma capacidade muito grande dele de entender o que é que normalmente faz diferença nessa performance. Há ali um filtrar do ruído todo, porque nós facilmente estamos quase sufocados com uma quantidade brutal de dados e de informação que temos nos dias de hoje, de dizer o que é que quer feito e de liderar também. Não se consegue pôr em causa a capacidade técnica que ele tem e mesmo não sendo a pessoa que sabe tudo, é a pessoa que normalmente identifica o que é mais importante fazer e desenvolver. Isso é um ensinamento, porque não é fácil, é muito mais fácil ficarmos exacerbados com imensa informação e não termos uma direção ou uma capacidade de decidir onde é que havíamos de apostar.

Eu tive ainda mais oportunidade de trabalhar com ele quando estive no projeto do Valkyrie, porque havia muito mais contacto e mais conversas de um para um. Mostrou-me também aí a necessidade de tomar decisões que fossem robustas, informadas e justificadas para com ele. Porque não é uma pessoa que facilmente nós mudemos a opinião, é uma pessoa extremamente exigente, não encontrei nunca mais ninguém tão exigente a nível de projeto como ele, com o intuito de sempre ter mais performance no carro. Temos de ter muito cuidado em justificar quando achamos que há algo que não é possível fazer ou naquele espaço de tempo, ou mesmo que tecnicamente vai ser quase impossível de fazer. Ou impossível de fazer, porque se for quase impossível para ele já abrimos a porta e aí acabou, vai ter de ser feito. A exigência dele foi boa e enriquecedora, mesmo tendo sido imensamente stressante.

Adrian Newey está atualmente ao serviço da Aston Martin. (Foto: Mark Thompson/Getty Images)

Fale-me um pouco sobre este desafio atual com a Cadillac.
Eu estou numa posição um bocadinho diferente do que é habitual, porque a Cadillac é uma empresa completamente nova e apanhou-me numa altura em que tinha decidido, por razões pessoais, que gostava de estar um pouco mais distante fisicamente da Fórmula 1 e de Inglaterra. Tem sido extremamente difícil para mim, porque tenho estado longe da família, ando sempre de Lisboa para a Inglaterra e isso tem sempre um impacto nas nossas vidas. Estou numa posição um bocadinho diferente do que é habitual, porque não estou a liderar um departamento, só a tentar ajudar a arrancar o departamento. Inclusive se calhar não vai demorar muito mais tempo. A ideia era ajudar a montar os processos, delinear o caminho dentro do grupo de estruturas. E é interessante, sinto que estou a tentar criar uma certa cultura dentro do grupo em que as pessoas notem que é importante trabalhar em grupo, que o trabalho que elas têm é importante, que têm uma influência na performance do carro.

Quando as pessoas estão todas unidas e alinhadas, acabam por se aperceber que são capazes de fazer um trabalho enormíssimo. Quando olham para trás dizem: uau, há seis meses era completamente diferente. E sentimos que nos dão mais valor do que aquilo que parecia inicialmente, dão-nos apoio e pessoalmente também precisamos de apoio. Muitas vezes há até alguma flexibilidade para termos a nossa vida pessoal um bocado misturada com a profissional. O grupo da Williams foi um projeto que me deu imenso prazer porque a equipa era a mesma, mudou só o mood das pessoas, o estado de espírito, e eu acho que é um grupo fortíssimo, um dos mais fortes da Fórmula 1 hoje em dia. Eu quase que arriscava a dizer que, para mim, o mais forte, mas isto sou eu e outros podem começar a dizer que eu estou a ser um bocadinho exagerado, mas do ponto de vista do que já vi até hoje, acho que é um grupo impressionante, com uma capacidade de trabalho muito grande e capaz de fazer coisas bastante impressionantes mesmo.

O que é que podemos esperar da equipa no próximo ano?
Eu acho que a Cadillac está a tentar de uma maneira organizada e dedicada ter um bom carro para o ano que vem. É uma equipa completamente nova e isso limita um bocadinho o produto final. As pessoas não se conheciam anteriormente, não tinham trabalhado juntas, a equipa está a montar capacidade de todo o género e isso limita de alguma maneira o outcome que virá no ano que vem. Mas há toda uma máquina enorme por trás com muita dedicação e profissionalismo que quer ter um sucesso enorme dentro da Fórmula 1. É um bocadinho difícil de prever o que é que vai acontecer com a Cadillac, são regras novas e também tem o seu quê de interessante tentar ali um reshuffle maior. Pode haver ali um lado genial na criação de algo que tenha uma performance grande e, portanto, até podem ter mais performance do que outros possam estar à espera. Mas eu acho que acima de tudo é a criação de um projeto que tem um objetivo: serem campeões do mundo. A aposta é grande e os objetivos também estão à altura dessa aposta.

Ao longo destes 25 anos, com algumas pausas pelo meio, que momentos ou projetos o deixam mais orgulhoso?
Do ponto de vista técnico, aquela altura da Red Bull. Pelo grupo de trabalho, era um grupo que estava muito alinhado, e porque no que estava envolvido tinha muita influência, trabalhei muito na asa da frente do carro, que realmente tem imenso impacto na performance. Traz imenso stress também, não eram tempos fáceis, mas, de alguma maneira, havia ali uma recompensa enorme e também havia muita liberdade criativa. Estávamos a fazer coisas muito interessantes, do ponto de vista da área em que eu trabalho, e eu acho que isso, tecnicamente, foi das alturas que mais me recompensou. Do ponto de vista pessoal, tive dois momentos como gestor de grupo. Tanto a Williams, como o projeto do Valkyrie foram extremamente importantes para mim. E são momentos diferentes, com características diferentes, mas foram coisas que eu olho para trás com orgulho.

É mais difícil chegar à Fórmula 1 ou permanecer na Fórmula 1?
Eu diria talvez chegar. É uma questão de se estamos num sítio certo, se concorremos, se temos capacidade de ir para Inglaterra, a nossa capacidade técnica como engenheiros, a nossa filosofia de trabalho. Nessa altura é tudo filtrado. Se uma pessoa for a uma entrevista e conseguir passar as entrevistas, mostrar que é uma pessoa apta a trabalhar em grupo, num ambiente de alta performance, extremamente exigente e depois mais tarde não conseguir entregar, enganou-se a ela própria. E aí se calhar é capaz de não ter capacidade de ficar, de manter a posição. Mas também existe o contrário, que é pessoas que se juntam e depois, ao fim de algum tempo, acham que não é exatamente a indústria que procuram. Acho que isso é de respeitar de qualquer maneira.

Que piloto foi uma boa surpresa ao longo destes anos?
Eu não trabalho muito diretamente com os pilotos, o contacto é muito reduzido. As memórias que tenho são mais da interação com a pessoa. Fascinou-me nos últimos anos os contactos com o [Charles] Leclerc, que se mostrou uma pessoa extremamente afável, muito fácil de contacto. De vez em quando cruzava-me com ele e ele cumprimentava-me de uma maneira muito efusiva, porque tínhamos falado três ou quatro vezes. Na altura do Natal, pedi-lhe para tirar uma foto com o meu grupo de trabalho daquela altura na Ferrari, tirou várias fotografias connosco e assinou-nos imensas coisas para o Natal. O [Sebastian] Vettel foi a mesma coisa, na última vez que conversei com ele fiz uma brincadeira porque ele não conseguia abrir a porta de entrada do edifício do simulador e eu perguntei-lhe se ele já tinha recebido a P45. A P45 é um documento que se recebe normalmente em Inglaterra quando acabamos um trabalho e vamos mudar de empresa, como quem diz: foste despedido. Ele riu-se e depois reconheceu-me. Disse-lhe que nos conhecíamos da altura da Red Bull. Estas duas pessoas foram extremamente afáveis e fáceis de contato, são memórias que eu guardo.

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