Embora a inteligência artificial (IA) esteja em grande destaque, a verdade é que, até agora, o seu impacto mais visível tem sido na transformação de negócios, operações e sistemas. De facto, nos últimos anos, o discurso sobre IA tem estado centrado nas grandes empresas, nos ganhos de produtividade, na otimização de cadeias logísticas e na análise de dados em larga escala. Tudo isto continua válido — mas estamos a assistir ao aparecimento de algo mais íntimo, mais próximo, mais humano.
Com raras exceções — e convém lembrar que há muitos sistemas bem desenhados a que chamamos IA apenas porque o termo tem sex appeal —, a verdade é que o verdadeiro impacto da inteligência artificial no dia a dia das pessoas comuns está, finalmente, a chegar. E isso muda tudo.
Refiro-me aos agentes de IA. Mais do que versões melhoradas dos tradicionais chatbots, são entidades autónomas, capazes de interpretar o contexto, tomar decisões, aprender com a experiência e executar tarefas mais ou menos complexas de forma contínua. E proativa. Estes agentes inteligentes deixaram de ser meras ferramentas.
Longe da visão fria e robótica popularizada pela ficção científica, estamos a entrar numa nova era: a da inteligência companheira. Uma nova geração de assistentes digitais que não são apenas eficientes – são empáticos e capazes de antecipar o que precisamos antes de o pedirmos. Mais, estão próximos e vão tornar-se parte da nossa rotina, como um mordomo digital.
Vamos imaginar um parceiro digital que conhece a nossa agenda, os nossos gostos, as nossas ansiedades. Que reserva a mesa à janela – como preferimos – no restaurante da moda. Que resolve a burocracia antes de sermos submersos por ela. Que ajuda os nossos filhos nos trabalhos da escola, com paciência e atenção. Que lembra os nossos pais dos medicamentos certos, na hora certa. Mais do que um assistente, é um companheiro que nos ajuda, dia e noite, a viver com mais leveza.
Esta democratização da companhia e do cuidado representa uma revolução silenciosa. Num mundo cada vez mais complexo e acelerado, ter um AI companion pode significar menos stress, menos esquecimentos, menos frustração. Uma mudança profunda, porque devolve às pessoas o que mais escasseia: tempo e energia.
O impacto promete ser transversal: estes agentes vão poder ajudar os nossos pais e os nossos filhos, organizar a vida doméstica, sugerir planos de férias, acompanhar rotinas de saúde, e gerir aquelas pequenas — mas importantes — obrigações do quotidiano.
Até agora, a tecnologia tem-nos ajudado a fazer mais. Os AI companions prometem ajudar-nos a ser mais. Mais presentes, mais atentos. Num certo sentido, representam um regresso ao passado, a um tempo em que havia quem cuidasse de nós e organizasse a nossa vida. Só que agora, ao alcance de todos.
Claro que esta nova fronteira levanta questões importantes. Como noutros campos da IA, é essencial garantir o respeito pela privacidade, assegurar uma utilização ética e prevenir enviesamentos ou abusos. A mudança é profunda, mas se for bem desenhada e implementada, pode transformar de facto a forma como vivemos — para melhor. Afinal, não se trata apenas de criar tecnologia que pensa como um humano. Trata-se de criar tecnologia que cuida de nós como um companheiro – devolvendo-nos o tempo, a atenção e a presença que muitas vezes o dia a dia acelerado nos rouba.
Jorge Antunes,
Diretor EMEA na Hitachi Digital Services