Começou como futebolista, mas a determinada altura percebeu que dificilmente chegaria ao topo da modalidade. Mas nunca mais largou o desporto. Cristian Martín começou o seu percurso profissional como jornalista desportivo, depois de se especializar em empreendedorismo e de um trabalho na área dos seguros para juntar dinheiro, começou o seu percurso no mundo da representação de atletas, aliada ao marketing, redes sociais e todos os outros pontos necessários à carreira de um futebolista. E depois de uma futebolista. O crescimento da modalidade no feminino levou-o a mudar toda a sua agência e foi assim que nasceu a WOM Sports Management, a empresa espanhola que recentemente fez uma parceria com a Gestifute, de Jorge Mendes.
Poucos dias após este anuncio, a Forbes Portugal falou com Cristian sobre a sua empresa, a parceria com o agente português, os objetivos para o futuro e a chegada da portuguesa Kika Nazareth a Barcelona. Ao mesmo tempo que ficámos a conhecer melhor o agente que é também autor de dois livros: ‘La Masia – El Otro Tridente’ e ‘Aitana Bonmati. Unidas Somos Mas Fuertes’.
Para que o conheçam melhor em Portugal, fale-me um pouco sobre o seu background.
Eu jogava futebol aqui em Espanha, até chegar à terceira divisão, depois tive de escolher se queria continuar com a vertente futebolística ou com a vertente académica. Como senti que era difícil chegar ao topo, decidi concentrar-me nos estudos e também tentar encontrar um emprego o mais cedo possível. No primeiro ano da universidade, estudei jornalismo e trabalhei num jornal, um jornal desportivo em Barcelona. Depois, quando terminei, comecei a trabalhar para meios de comunicação social em Espanha. Num jornal antigo que estava a tentar ser reconstruído, comecei a trabalhar como diretor, era muito, muito jovem e pediram-me para contratar todos os jornalistas. Contratei todos os colegas que conhecia da minha universidade, foi uma experiência divertida. Além disso, nesse momento percebi que liderar pessoas era algo de que gostava e pensei que poderia fazer sentido no futuro tentar encontrar posições em que tivesse a oportunidade de ser o líder, tentar tomar muitas decisões e criar uma estratégia. Quando terminei essa experiência, senti que o jornalismo desportivo não era o meu caminho, pois estava a ver muitas coisas que não me agradavam, especialmente com toda a situação do online, a maior parte das notícias eram apenas para clickbait ou para gerar ruído, por vezes não para compreender algo, analisar algo ou ser realmente ético na profissão.
Decidi desistir e fui estudar para os EUA, para a Universidade de San Diego, onde tirei um curso de empreendedorismo. Quando terminei, decidi que queria criar uma empresa. Não tinha muita certeza sobre o que seria, mas sabia que queria criar uma empresa. Voltei para Espanha, comecei a trabalhar para uma seguradora como comercial, porque queria poupar e ganhar dinheiro o mais rapidamente possível para criar a empresa, ao mesmo tempo que comecei a decidir qual seria o objetivo da empresa. E disse a mim próprio: “Tu gostas de futebol, gostas de media, gostas de redes sociais e também gostas de negociar com futebolistas”. E decidi começar a trabalhar para um amigo que jogava na Premier League, Jordi Amat, que na altura jogava no Swansea. Ajudei-o nas redes sociais, criando conteúdos e tentando encontrar marcas que fizessem parcerias com ele. Gostei muito dessa altura. Seis meses depois, conhecemos uns tipos no Reino Unido que também estavam a gostar do que estávamos a fazer e contrataram-nos, eu como empregado e ele como cliente, e começámos a fazer parte de uma agência maior, chamada Be Engaged.
E como é que passa dessa agência para a WOM, a agência que fundou?
Alguns meses mais tarde, quando compreendi todo o conceito por detrás da agência, tinha 24 anos, decidi criar a minha empresa. A empresa centrava-se apenas em gerir as redes sociais, os direitos de imagem, as parcerias, a criação de conteúdos, o design e a ajuda aos jogadores, especialmente na construção da sua marca. Esse foi o primeiro ano da empresa e no segundo decidimos que queríamos também ajudar jogadoras, especialmente de futebol, mas estávamos abertos a outros desportos, trabalhámos também com a natação sincronizada, uma das raparigas da seleção espanhola. Sentimos que o mundo estava a mudar em muitos sentidos e que as marcas podiam estar mais focadas no desporto feminino.
A primeira jogadora com quem decidimos trabalhar foi a Aitana Bonmatí e passados alguns meses ela perguntou-nos se a podíamos representa-la também em relação a contratos de futebol e todas essas coisas. Senti que naquele momento estávamos prontos para o fazer, porque os números ou os contratos no desporto feminino eram muito baixos, e nós estávamos habituados a trabalhar com os jogadores masculinos na vertente da imagem, mas os contratos por vezes eram ainda mais elevados, por isso para nós não foi algo muito desafiante em termos financeiros ou de negociação, foi mais no sentido de criar um novo ambiente na agência para ajudar as jogadoras. Depois penso que foi três anos mais tarde que decidimos que nos queríamos focar apenas no feminino. Mudámos o nome da empresa para WOM Sports, mas no final eram as mesmas pessoas, o mesmo espaço, o mesmo trabalho. O nome da empresa é WOM porque são mulheres [women], mas significa word of mouth, que para nós era algo que podia fazer sentido para nos definirmos, porque a maior parte das jogadoras que nós conseguimos foram referenciadas por outras jogadoras que falavam do nosso trabalho. Eu digo sempre que a melhor crítica que se pode ter como agente é aquela que a jogadora diz a outra jogadora.
Quando começou a representar jogadoras, quais foram os maiores desafios que enfrentaram? É que nessa altura Espanha ainda não tinha uma liga profissional, como é o caso de Portugal ainda hoje.
Eu diria que muitas coisas. Uma delas foi criar um contexto adequado para elas, um ambiente adequado para as ajudar, não apenas nas negociações de contratos ou na construção da sua marca, mas também para encontrar os profissionais correctos em todas as áreas, ou seja, nutricionista, psicólogo, fisioterapeuta, treinador condicional. Todas as pessoas que as possam ajudar a obter um melhor desempenho, porque, no fim de contas, se virmos o jogo feminino, desde há 10 anos até agora, mudou muito em termos de fisicalidade, de mentalidade, de técnica. A jogadoras são agora atletas de topo. Vemos nomes como a Salma Parajuelo, Aitana, Caroline Hansen ou a Macario Cascarino ou qualquer outra jogadora do top 50 ou do top 100 do mundo, e são atletas de topo. Esse foi o nosso primeiro objetivo com a Aitana, por exemplo, ajudá-la a construir esse perfil como jogadora. Essa foi uma das coisas a melhorar ou a ajudá-los a melhorar o seu desempenho, porque sabíamos que, se o desempenho fosse melhor, o espetáculo seria melhor e haveria mais pessoas interessadas.
O segundo desafio para mim foi criar o mercado, porque as marcas não as conheciam, os media não as conheciam, as outras pessoas não as conheciam. Era preciso mostrar ao mundo que havia algumas futebolistas que estavam a jogar bem, que estavam a fazer grandes esforços para serem profissionais, que precisavam de mais apoio. Lembro-me de, nessa altura, escrever a jornalistas que conhecia a dizer: ‘Têm de entrevistar esta jogadora porque ela é muito boa’. Tivemos de ser muito pró-ativos, porque tivemos de os convencer a entrevistar as nossas jogadoras. Agora são eles que nos têm de convencer a nós. E foi o mesmo para as marcas, porque falámos com as marcas sobre isto: “Têm de investir no futebol feminino porque vai crescer, porque precisam de apoio, porque os valores são diferentes’. Por isso, tivemos de criar o mercado. Não nós, mas todas as pessoas com quem estivemos envolvidos. Também com os clubes, porque a maioria dos clubes não estavam interessados no futebol feminino ou não queriam investir muito. Foi um trabalho de convencer muita gente. Até para nós próprios, porque havia algumas pessoas na agência que diziam: ‘Temos de nos concentrar no futebol masculino e não no futebol feminino, porque o dinheiro está no futebol masculino’. Ou mesmo a minha família, ao início eles não confiavam no projeto ou na ideia.
E o terceiro desafio, diria que foi educar as jogadoras para esse tipo de ambiente, porque não estavam habituadas a ser tratadas como profissionais ou como líderes. Era preciso explicar-lhes como funciona o futebol enquanto indústria. Se fizerem isto, vão conseguir mais marcas, se o fizerem, vão conseguir mais reputação, se fizermos isto, os clubes vão querer investir mais em nós, se fizeres isso, vais ter problemas, se tiveres uma boa relação com os meios de comunicação social, as notícias sobre ti serão melhores. É preciso educar as jogadoras para compreenderem o setor, porque, por vezes, chegam à liderança e sentem que só têm de jogar futebol, mas é muito mais do que isso, especialmente se quisermos ter sucesso como uma das melhores jogadoras. E uma das nossas estratégias foi concentrarmo-nos nas melhoras jogadoras de futebol, tentando ajudá-las a ir o mais longe possível. E ajudá-las numa perspetiva de 360º, não nos concentramos apenas em jogar bom futebol, mas tentamos construir algo maior à volta disso.
Como é que surgiu esta parceria com a Gestifute?
Tudo começou quando me apercebi de que crescer organicamente era um pouco difícil, porque muitas agências estavam a entrar no futebol feminino. Sentimos que, como agência pequena, poderíamos ter problemas se não estivéssemos a operar a partir de uma estrutura maior. E crescer organicamente com os rendimentos que estávamos a obter também era difícil porque, no final, as receitas não eram muito elevadas. Achámos que era o momento de encontrar uma parceria adequada, não apenas dinheiro. Precisávamos de algo que não fosse apenas dar-nos o dinheiro, mas também o conhecimento, a capacidade, os contactos, o know-how, e, do ponto de vista das marcas, a credibilidade de trabalhar com uma das maiores agências do mundo. Nós sentimos que éramos uma das melhores agências do mundo no futebol feminino, mas precisávamos também desse empurrão de uma agência do lado masculino, porque eles têm outra capacidade, outros recursos.
Comecei a ser um pouco pró-ativo nesta matéria, a tentar encontrar parcerias, tive muitas conversas, muitas agências estavam interessadas em nós, para ser honesto. Quando conheci o Jorge em Londres, acho que foi em fevereiro deste ano, falámos apenas durante, sei lá, 30 segundos, mas acho que ambos sentimos uma ligação. Ele sugeriu-me que falasse com a equipa da Gestifute e tivemos umas 10 reuniões antes da parceria. Achámos que era uma situação em que todos ficavam a ganhar, porque eles podiam começar com o futebol feminino – tinham a Kika, mas de uma forma mais alargada – e porque temos a melhor futebolista do mundo e também alguns dos maiores talentos. Gostaram também do facto de sermos uma agência boutique que trabalha não com base na quantidade das jogadoras, mas na qualidade. Também da estrutura que temos, que é a área do desempenho, do contrato e dos direitos de imagem, eles gostam porque têm a Gestifute e a Polaris e também compreendem que isto não é apenas do ponto de vista do futebol, é também do ponto de vista da marca e do lado comercial. No final, decidiram comprar uma percentagem da empresa e operar em conjunto no futebol feminino, ajudando-nos a chegar às jogadoras, às marcas, aos clubes e também para que possamos tirar partido dessa estrutura que eles têm atualmente.
Quais são as suas expetativas para o futuro agora que contam com esta parceria?
A expetativa é sempre a de crescer. E crescer, para mim, significa em tudo o que fazemos: em ajudar, ser melhor, representar as jogadoras, dar-lhes mais ferramentas, mais recursos, melhores contratos, tentar ser a melhor agência do mundo também no futebol feminino. Mas não é só pelo facto de representarmos, sei lá, 100 jogadoras, é porque as jogadoras que representamos se sentem valorizadas, sentem que as suas carreiras estão a melhorar. Isso é o mais importante, porque amanhã pode haver uma agência que paga um milhão de euros para contratar as cinco melhores jogadoras do mundo, mas não ajudou essa jogadora a chegar ao topo. Começámos com a Aitana quando ela tinha 18 anos, quando jogava no Barcelona B e não estava na seleção principal de Espanha. Agora, se tudo correr como suspeitamos, talvez ela se torne a melhor futebolista da história, porque tem apenas 26 anos, acho que vai ganhar a segunda Bola de Ouro este ano, ainda lhe faltam 10 anos para jogar, e ela ganhou tudo com 26 anos. Acho que isso mostra o nosso trabalho, porque ela tem estado connosco ao longo do caminho e tem-nos sempre em grande consideração. E também com outras jogadoras, porque começámos a representar jogadoras muito jovens, que agora estão no Barcelona, no Real Madrid, no Arsenal, no Chelsea, em muitos clubes de topo. Por isso, sentimos que o nosso trabalho ajudou as jogadoras a melhorar, não só como futebolistas, mas também como profissionais do setor, em tudo o que está relacionado com a sua imagem, com o seu comportamento. É essa a minha aspiração. E, para mim, é também um desafio tornarmo-nos o que a Gestifute é no futebol masculino, ou seja, a melhor agência do mundo. Penso que estamos perto, não sei quem pode ser o número um, mas é continuar a trabalhar e melhorar todos os dias.
De que forma é que esta parceria vai aumentar a presença da Gestifute e a vossa presença no futebol feminino português? É que neste momento eles representam apenas a Kika Nazareth.
A ideia é trazer para a agência os melhores talentos de todo o mundo, não nos focamos na nacionalidade, apenas nos concentramos naquilo que sentimos que pode ajudar a desenvolver um talento. Tenho-me focado nas jogadoras espanholas e, por vezes, as pessoas dizem: ‘Tens muitas jogadoras espanholas, mas não tens jogadoras de outros países’. E eu digo: Mas a Espanha é campeã do mundo, não só em seniores, também em sub-20 e sub-17. Isso significa que a Espanha tem atualmente a melhor geração de talentos a nível mundial. Além disso, as três últimas Bolas de Ouro são de Espanha,o vencedor da Liga dos Campeões é o Barcelona. É por isso que nos concentramos muito no território espanhol. Mas estamos sempre abertos e também já contratámos jogadoras de outros países. E a ideia é continuar com essa estratégia e contratar jogadoras que sejam de topo nos seus países.
E Portugal, de certeza, é um dos países emergentes no mundo do futebol. Lembro-me que na Austrália e na Nova Zelândia, no ano passado, durante o Campeonato do Mundo, muitas pessoas ficaram impressionadas com o desempenho da equipa portuguesa. Penso que nos próximos cinco anos Portugal será um dos maiores países em termos de talento. Não sei se a liga vai crescer tão depressa, mas em termos de jovens talentos, penso que Portugal será, dentro de cinco a dez anos, um dos maiores países da Europa a gerar talentos. Porque o futebol está na sociedade, o futebol está na essência do país e tenho a certeza que com melhores estruturas, com mais clubes a investir como o Porto agora, ou o Sporting e o Benfica que têm investido nos últimos anos, Portugal vai ter talentos de topo. E já os tem, não é só o Kika, há também outras jovens jogadoras que podem chegar ao topo. E espero que o facto de o Kika assinar pelo Barcelona, esperemos que em breve, também possa ajudar. Isso significará que a maior valor de uma transferência de sempre no Barcelona será a do Kika. Isso envia-nos uma mensagem.
Em relação à Kika, já é um negócio fechado com o Barcelona? O que nos pode dizer sobre isso?
Não fui eu que tratei dessa operação, foi a equipa da Gestifute. Eu podia ajudá-los, mas o negócio não era meu, porque não estava a ter as conversas com o Barcelona. Não creio que seja um negócio fechado, mas penso que é uma questão de pormenores finais. Espero que na próxima semana ou talvez daqui a duas semanas possa ser confirmado. Mas muitas pessoas me dizem: ‘Eles contrataram o Kika porque agora fazes parte da Gestifute e conheces as pessoas do Barça por causa do Aitana e dos outras jogadoras do Barcelona’. Mas não, a Kika é um talento de topo, o Barcelona segue-a desde há três ou quatro anos. Foi apenas uma coincidência que, naquele momento, fizemos uma parceria. O que posso dizer é que a Kika estava interessada em jogar com a Aitana. Eu sabia disso porque tenho tido uma relação com ela ao longo destes últimos anos. Lembro-me que, acho que foi há dois anos, fui a Lisboa ver o jogo entre o Benfica e o Barcelona, e tinha uma amiga muito próxima do Kika. Através dela, a Kika pediu-me para enviar a camisola do Aitana. Enviei a camisola do Aitana à Kika há dois anos por correio. Eu sabia que elas queriam jogar juntas. Além disso, a Aitana admira o seu estilo de jogo. E sim, esta é a única coisa que posso dizer porque não foi um acordo meu.