Ousaram fazer-se empreiteiros quando a construção afundava. São empresários sub-40, engenheiros de formação e empreiteiros com um sucesso cimentado no conhecimento adquirido em empresas como a Somague e Mota-Engil. Diogo Abecasis e José Rui Castro lançaram-se em 2013 com a sua empresa num cenário de desemprego a rondar os 18% e uma profunda depressão na construção civil.
O Edge Group, de onde José Rui provinha, serviria não só de âncora de conhecimentos, mas também de rampa de lançamento para os novos empreiteiros. Logo em Julho de 2014, a holding financeira de José Luís Pinto Basto adquiriu 50% do capital da empresa dos dois amigos e passou a servir de cartão de visita para voos mais altos do que se esperaria de uma empresa de empreitadas acabada de chegar ao mercado.
“A construtora era o patinho feio, o mau da fita que não cumpria prazos, ‘vende uma coisa e põe lá outra’. Não fazia sentido”, argumenta José Rui.
Em dois anos, a facturação foi catapultada de 20 mil para 3 milhões de euros e, na folha de obra, que começara numa mera cozinha remodelada, passou a constar a reabilitação de prédios, das fundações ao telhado.
Só em 2014 os dois sócios se fixaram em definitivo na sua empresa, aproveitando a “boleia” da holding, que abriu portas a investimentos através do seu canal de contactos, destaca José Rui. A Map Engenharia tinha potencial para atingir a actual dimensão, mas demoraria mais uns anos, considera. “Convidei-os para serem sócios e acho que o principal alicerce foi a óptica de investimento, acreditar que estavam a participar numa empresa com potencial de crescimento”, diz, acerca do ex-empregador.
Quando disse ao patrão, José Pinto Basto, que se ia dedicar ao seu negócio a 100%, este disse-lhe que iria fazer parte, garante José Rui. “A construtora era o patinho feio, o mau da fita que não cumpria prazos, ‘vende uma coisa e põe lá outra’. Não fazia sentido”, argumenta José Rui.
Sinal do conhecimento do sector, as sub-empreitadas são contratadas sem os materiais. Estes são adquiridos pela Map, o que vale grandes cortes de custos por economia de escala, ainda que retire aos sub-empreiteiros uma alínea onde conseguiriam fazer parte do seu lucro.
Arriscar a tempo
De fato, gravata ausente, como se nem fossem daquele filme, os dois sócios sobem a escadaria nova e de betão armado do prédio onde em tempos esteve o Hospital das Taipas. Pelo poço do elevador escala a grua, sinal do quão precioso é aproveitar cada metro quadrado de espaço disponível numa obra no centro de Lisboa quando se está a construir de novo.
José Rui e Diogo guiam-nos à cobertura entre o vaivém de operários, contornam um monte de areia, uma palete com tijolo de 11 (centímetros) e uma betoneira ainda com massa. Em nenhum dos fundadores vemos o estereótipo do “pato bravo”, nome jocoso da “velha guarda” da construção civil.
Perante um quadro real com vista desimpedida para Picoas, colina de Sant’Ana, Castelo de São Jorge, o Tejo e a Arrábida, quase uma vintena de gruas a brotar do meio do casario lisboeta, José Rui diz que era inevitável que esta azáfama sucedesse, mesmo que a nível das entidades públicas tudo falhasse.
Alguém vindo de fora haveria de ver todo este potencial, num país que estava parado, mas tinha tudo para viver um boom imobiliário, do clima ao saber receber, a cultura, a história e, claro, o muitíssimo património por reabilitar.
“Uma das principais características de quem empreende é ter de arriscar. Nós tivemos a coragem de o fazer”, diz José Rui, assegurando que, mesmo sem bola de cristal, anteciparam a retoma. “Poderíamos não o ter feito e seríamos excelentes profissionais e executivos neste mercado que está mais dinâmico”, diz.
Mas com o que iam vendo a partir de um lugar privilegiado – Diogo, na empresa Rui Ribeiro Construções, e José Rui a fazer desenvolvimento imobiliário no The Edge Group –, perceberam que as dificuldades geradas pelo mercado deprimido, rodeado de desconfianças dos clientes sobre incumprimentos das empresas em risco de falência, eram na realidade uma oportunidade.
“Acreditámos que o mercado ia retomar, e esse foi o nosso risco”, afirma, reconhecendo a vantagem de conhecerem o negócio imobiliário, as suas sensibilidades e o que os investidores valorizam.
Cimentar confiança
A especulação já enterrou os tempos iniciais da Troika, em que o investidor pagava o metro quadrado de edifícios degradados no centro de Lisboa a 300 euros. Hoje, um metro quadrado num imóvel semelhante custa 3000 euros, explica José Rui. Se antes o investidor fazia um périplo pela cidade para encontrar potenciais negócios, hoje os proprietários são proactivos e entregam a intermediação a promotores imobiliários, dizem os empresários.
No sector imobiliário, a aquisição do imóvel e a fase de construção são as pedras basilares para um negócio bem-sucedido. Neste sentido, José Rui defende que o empreiteiro tem de ser um parceiro de negócio do investidor. “A construção tem de ser um serviço de confiança”, afirma.
É a este engenheiro que cabe o desenvolvimento comercial e estratégico da Map. Diogo é o que mais se aproxima da massa, é o responsável pelo acompanhamento da obra.
Desta forma, os dois complementam-se e depois partilham a gestão e as decisões estratégicas da empresa num conselho de administração em que o The Edge Group coloca o terceiro membro. No terreno têm os encarregados e uma pequena equipa que os apoia na gestão e orientação dos sub-empreiteiros, que são contratados por áreas de operação – alvenaria, rebocos, electricidade, entre outros que conduzem à conclusão da obra.
Chegaram ao mercado “em fase madura e de reconhecimento profissional”, diz José Rui, que então contava 35 anos de idade, mais um que o amigo Diogo, ambos com mais de uma década no activo.
“A construção tem de ser um serviço de confiança”, afirma José Rui.
“Isso ajudou-nos bastante” assume o ex-funcionário do The Edge Group, que teve desse antigo patrão e agora parceiro, o respaldo de uma estrutura de apoio – departamento jurídico, marketing e instalações. Com esta, a Map conseguiu desde início responder a obras de grande dimensão e dar resposta imediata às solicitações dos clientes.
Os fundadores puderam concentrar-se na angariação de obras, beneficiando ainda da lista de contactos de alguns parceiros de negócios imobiliários que José Rui já trabalhara quando era funcionário do The Edge Group. Já Diogo concentrava-se na execução das empreitadas e capitalizava o reconhecimento adquido na Mota-Engil, junto dos fornecedores de materiais. Uns e outros “já tinham referências, e por isso a taxa de sucesso aumentou”, explica José Rui.
Outro sinal de aproveitamento dos conhecimentos anteriores foi a capacidade de resgatar alguns quadros à emigração, do Qatar ao Brasil, tendo hoje a Map cerca de 70 colaboradores directos, bem acima dos quatro funcionários no ano da fundação (incluindo José Rui e Diogo, que tinham outros empregos) e dos 25 do ano passado.
Desde sempre, a matriz da Map foi crescer sem endividamento, o que persiste, não havendo dívida sequer aos sócios, assegura José Rui. Com a previsão a apontar para mais um ano de resultados positivos, a facturação deverá, este ano, atingir os 30 milhões de euros, um valor que representa um crescimento de 50% face a 2017.
Para tal contará o crescimento do preço da construção, que num par de anos disparou cerca de um terço. Se aquando do lançamento da empresa os preços de mercado estavam nos 1000 euros por metro quadrado, hoje vão dos 1300 a 1700 euros. “É o reflexo do aumento dos custos da matérias-primas e da mão-de-obra, e não do lucro dos construtores”, apressa-se a justificar Diogo.
Se no arranque chegaram a fazer remodelações por 2000 euros, hoje não há obras orçamentadas abaixo dos 1,2 milhões de euros entre as 15 que têm em execução. Desta dezena e meia, nenhuma provém de investimentos imobiliários do The Edge Group, afiança José Rui.
Embora em tempos já tenham chegado a 30% do volume com negócios com a holding, não há uma proximidade excessiva, que poderia ser vista com desconfiança pelos agentes que constituem os fundos de investimento e que, naturalmente, desejam esmagar a componente de custos na construção. “Acreditamos que teríamos crescido de forma exponencial na mesma. Não sei se seria com os mesmos valores ou não, mas a forma como estamos a trabalhar e como estamos a ver o futuro seria a mesma”, nota José Rui.
Enquanto nos encaminhamos para o exterior do edifício, o engenheiro explica que o futuro da Map passará pelos sectores comerciais, como a hotelaria, os escritórios e o retalho, e não está de fora a hipótese avançar para o estrangeiro. “Já tivemos oportunidades.
O mercado português ainda nos está a dar taxa de crescimento superior àquilo que é sempre a nossa previsão. Não nos vamos desfocar. A internacionalização gera dispersão”, considera José Rui. Em 2019 arrancará esta nova fase da jovem empresa, e para países europeus onde cheguem na companhia de investidores internacionais que lhes tenham confiado as reabilitações do seu património em Lisboa.
“Somos uma empresa muito estruturada, mas não temos recursos excedentes. Mais vale termos esses recursos cá a muscular a empresa para depois podermos acompanhar a internacionalização com menos ansiedade”, explica o engenheiro civil que, na hora da despedida, deixa escapar o único elo de ligação ao legado do “pato-bravo” ao tirar uma chave do bolso para abrir a porta do seu Mercedes-Benz.