Quem passa na estrada nacional n.º259 entre Figueira de Cavaleiros e Ferreira do Alentejo não se apercebe da sofisticação tecnológica da exploração agrícola que o rodeia. A pala branca que se destaca na paisagem, cercada por 4 mil hectares de olival é a cobertura do Lagar do Marmelo, uma obra-prima da arquitectura industrial concebida pelo arquitecto Ricardo Bak Gordon, que a organização “World’s Best Olive Oils” considerou ser o melhor lagar do mundo em 2014-2015. Ali, nada se perde, tudo se transforma.
Tem capacidade para transformar 1000 toneladas de azeitona por dia e uma adega para armazenar 4,8 toneladas de azeite, que seguem à medida das necessidades para a fábrica de embalamento no Barreiro, onde é engarrafado como azeite “Oliveira da Serra”. É um hino à eficiência. Grande parte do sucesso destes números é explicado pelo investimento de 8 milhões de euros realizado pela Sovena, o braço agroindustrial do grupo Nutrinveste (holding do sector agroindustrial do grupo Jorge de Mello).
No entanto, o Lagar do Marmelo (de onde já saíram azeites galardoados no conceituado concurso mundial “Mário Solinas” em várias categorias) é apenas uma das peças da estratégia de internacionalização que António Simões, presidente executivo da Sovena, tem vindo a executar nos últimos 15 anos e que está a transformar a empresa num colosso mundial do azeite.
Crescer devagar nunca foi opção para a Sovena. Nem tão pouco ficar à espera a ver a azeitona cair da oliveira. Foi por isso que no início do século a empresa seguiu uma estratégia centrada na aquisição de companhias ligadas ao sector do azeite e dos óleos, que rapidamente lhe conferiu uma posição relevante em ambos os negócios.
Para financiar esta filosofia de crescimento, a equipa de António Simões alienou todos os outros investimentos que tinha em carteira, como seja a Compal/Nutricafés em 2004 e a Triunfo em 2005, que apesar de criarem valor para os accionistas tinham perspectivas de crescimento fracas, devido à reduzida dimensão do mercado nacional e à forte concorrência que tinham.
“Tínhamos de seguir o caminho da internacionalização para crescer e decidimos que o azeite era o produto que nos permitia diferenciar e acrescentar valor no mercado internacional”, explica o presidente da Sovena à FORBES.
À conquista do mercado
Portugal é o nono maior produtor mundial de azeite e ocupa a mesma posição no ranking do consumo, segundo dados de 2013 do Conselho Oleícola Internacional (COI).
Porém, a maturidade do mercado nacional e a vontade de crescer, implicava à Sovena estar presente nos mercados de maior consumo e produção, como Espanha, o maior produtor e segundo maior consumidor mundial. E foi por aí que a Sovena começou ao adquirir a Agribética, que, além de ter activos interessantes, tinha uma relação comercial com a Mercadona, uma cadeia de supermercados com mais de 1550 pontos de venda. Como se diz, foi um “entrar pela porta grande”.
Dois anos mais tarde, é adquirida a Simão & Companhia, detentora da marca Andorinha, com elevada expressão no mercado brasileiro e, no ano seguinte, o grupo compra 80% do capital da norte-americana East Coast Olive Oil, a maior importadora e embaladora de óleos e azeites norte-americana.
Em cinco anos, a Sovena estava presente nos três mercados-chave e os negócios corriam de vento em popa. A Simão & Companhia tinha problemas na distribuição quando foi adquirida, mas a gestão conseguiu um acordo com um distribuidor local e as vendas recuperaram.
Naquela altura, a Sovena tinha uma quota de mercado de 3%, hoje tem quase 13%. Já nos EUA, o negócio correu tão bem que dois anos depois foi necessário construir uma nova fábrica.
A estratégia de crescimento prosseguiu alimentada pelos fluxos de caixa libertados e com financiamento bancário sustentado na qualidade dos activos. A liquidez libertada com a alienação da Compal e da Triunfo acrescentou margem de manobra e as parcerias diminuíam as necessidades de capital. Com o consumo mundial de azeite a aumentar a um ritmo médio anual de 2,5%, o crescimento da Sovena exigia mais matéria-prima e a rentabilidade do aumento da eficiência exigia o controlo da cadeia de valor.
A aquisição, em 2007, de uma empresa na Tunísia, resolvia a parte da equação. Além de ter matéria-prima abundante e custos de produção baixos, a Tunísia possui um acordo comercial com os EUA que torna as exportações para a maior economia do mundo muito competitivas.
Mas a menor qualidade do azeite tunisino não resolvia a necessidade de matéria-prima noutros mercados.
“Notámos que havia a oportunidade de controlar a integração a montante da cadeia de valor e aumentar a qualidade e disponibilidade da matéria-prima”, explica António Simões. O grupo tinha já iniciado uma experiência na olivicultura em Marrocos, em 2006, com a criação da Soprolives, através de uma parceria com uma empresa local (SOMED), mas o projecto que viria a dar os ganhos de eficiência que a Sovena tanto ambicionava começaria no ano seguinte com a Elaia.
O grande salto
O projecto Elaia – que em grego significa “azeite”-, realizado em parceria com a empresa de capital de risco Atitlán, nasce em 2007. O objectivo inicial era atingir os 10 mil hectares de olival.
Devido às características edafoclimáticas e à água abundante proveniente da Barragem do Alqueva, o projecto instala-se na “Herdade do Marmelo”, na região de Ferreira do Alentejo, onde tem hoje cerca de 4 mil hectares de olival. Mais tarde expande-se para a região de Elvas e Avis (onde a Sovena tem também um lagar e uma adega). Pelo caminho surge a oportunidade de adquirir um projecto semelhante de um concorrente espanhol em dificuldades financeiras.
A aquisição dos 5,2 mil hectares de olival à SOS Corporation Alimentaria concretiza-se em 2010 por 91 milhões de euros e transforma a empresa de António Simões no detentor do maior olival do mundo com cerca de 14 mil hectares em Portugal, Espanha e Marrocos.
Em 2015, a Sovena produziu cerca de 20 toneladas de azeite – a maior “colheita” própria de sempre -, o que representa cerca de 9% das 230 toneladas que espera comercializar. Até agora, o grupo aplicou no “Elaia” cerca de 220 milhões de euros, mas não vai parar por aqui. “Continuamos a pensar que com as condições que existem em Portugal, com o projecto do Alqueva e o apoio do PRODER [Programa de Desenvolvimento Rural financiado pela Comissão Europeia], o investimento agrícola é muito interessante e tencionamos continuar a fazê-lo”, diz António Simões.
No entanto, o gestor e economista de formação, já está de olho em geografias emergentes como a Argentina, o Chile, a região da Califórnia nos EUA, afirmando que “nos próximos anos vamos tomar algum risco ou gerir algum projecto numa destas geografias”. Para tal, a empresa conta com a continuação da parceria com a Atitlán, que diz não ter prazo de maturidade.
Itália é o mercado que falta
Após 15 anos desde o início da reestruturação, a Sovena estima encerrar 2015 com um volume de negócios de 1,4 mil milhões de euros, 10 vezes mais do que o registado em 2000. Hoje, quase 80% do volume de negócios do grupo é feito no estrangeiro. No entanto, para António Simões, que acumula 25 anos como presidente da Sovena, além de o futuro continuar a passar pelo desenvolvimento da componente agrícola, há ainda que preencher algumas lacunas na estratégia de expansão mundial e consolidar o crescimento em várias geografias.
Uma das falhas é a ausência da empresa no mercado italiano (o maior consumidor e segundo maior produtor mundial de azeite), “embora não por falta de tentativas”, sublinha. Uma delas foi a hipótese de compra da marca Bertoli em 2008, negócio que acabaria ganho pelo grupo espanhol SOS.
O presidente da Sovena reconhece a falta de um azeite italiano no portefólio da empresa, até porque é importante para ganhar quota nos mercados do norte e centro da Europa, mas afirma que, “em breve, teremos hipótese de estar no mercado italiano e de oferecer azeite de origem italiana aos nossos clientes”.
Em Espanha, mercado que representa cerca de 40% da facturação da empresa, o objectivo passa por defender a posição existente.
Nos EUA, António Simões crê que a moda da dieta mediterrânica vai continuar a fomentar o consumo que, nos últimos 15 anos, aumentou 50% e que, segundo as projecções do COI, vai crescer 6% em 2016. E no Brasil, onde a marca Andorinha é a segunda referência do mercado, pretende-se apostar também no “Oliveira da Serra”, melhorar a distribuição através de uma equipa própria e usar o país como um mercado âncora na região da América Latina.
Apesar de já ir comprido, o caminho da Sovena ainda está longe de terminar. Os últimos 15 anos poderão ter sido apenas os primeiros anos da conquista do mercado mundial de azeite. Porém, em plena época de euforia nos negócios relacionados com as tecnologias de informação, a história de crescimento da Sovena é uma prova de que o sector agroindustrial está vivo e de que a estratégia liderada por António Simões é um caso de estudo obrigatório em qualquer universidade de gestão do mundo.